São Paulo, quinta-feira, 08 de fevereiro de 2001

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FILME MOSTRA ANO CUBANO DE GLAUBER ROCHA

Cuba em transe

Antônio Gaudério/Folha Imagem
Eryk Aruak Gaitán Rocha, filho mais novo de Glauber Rocha, que dirige ´Rocha Que Voa - Algum Dia de Novembro´



"Rocha Que Voa - Algum Dia de Novembro", dirigido pelo filho mais novo do cineasta, deve estar pronto em março


JOSÉ GERALDO COUTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Nos anos 60 e início dos 70, Glauber Rocha (1939-1981) e Cuba eram, cada um a seu modo, sinônimos de revolução.
Durante pouco mais de um ano, esses dois ícones incendiários se uniram: de novembro de 1971 a dezembro de 1972, Glauber, então exilado pelo regime militar brasileiro, viveu, filmou, namorou e fez política em Cuba.
Quase três décadas depois, o filho mais novo do cineasta (com a colombiana Paula Gaitán), Eryk Aruak Gaitán Rocha, 23, recupera o ano cubano de Glauber no documentário "Rocha Que Voa - Algum Dia de Novembro".
Eryk, que entre 1997 e 1999 estudou na escola de cinema de San Antonio de los Baños, em Cuba, realizou o documentário em parceria com dois colegas de curso, o brasileiro Bruno Vasconcelos, que assina a co-direção, e o uruguaio Miguel Vasilskis, que fez a direção de fotografia.
"Rocha Que Voa" está em fase final de montagem e deverá ficar pronto em meados de março.
"Quem for ao filme esperando escutar pessoas falando que Glauber é um gênio vai se frustrar", disse à Folha o filho do homem. "Tomamos Glauber Rocha como ponto de partida para entender toda uma geração e um momento histórico do continente latino-americano."
De acordo com Eryk, no início dos anos 70, com vários países latino-americanos submetidos a ditaduras, a ilha de Fidel Castro era uma espécie de refúgio dos cineastas de esquerda e um efervescente centro de produção e debate político-cultural.
"Começamos a entrevistar as pessoas ainda durante o curso", diz Bruno Vasconcelos, 24.
"Interessava-nos a geração cubana afim à do cinema novo. Era a única que tinha podido produzir continuamente naquele período das ditaduras. Em compensação, quando procuramos esses cineastas, eles estavam há dez anos sem filmar, por causa da crise em Cuba. Estavam com muita vontade de falar", conclui.
Os cineastas captaram em diversos formatos (16mm, 35mm, Betacam, digital) quase 40 horas de material, que estão sendo reduzidas a 90 minutos.

Registro histórico
"Nosso documentário tem um lado de registro histórico urgente, pois as pessoas que viveram aquele momento estão morrendo ou abandonando Cuba", diz Eryk Rocha.
Entre os pontos altos do filme, há o áudio de duas longas entrevistas inéditas de Glauber a jornalistas cubanos e trechos do pouquíssimo conhecido documentário "História do Brasil", que o cineasta realizou em Cuba e finalizou na Itália.
Nas entrevistas, com sua verve habitual, o cineasta fala sobre tudo: o Brasil, a ditadura, a América Latina, o cinema e as artes.
Outro momento marcante é o depoimento da socióloga Maria Tereza Sopeña, namorada cubana de Glauber, que o diretor baiano conseguiu levar consigo para a Europa num momento em que era muito difícil sair de Cuba.
"Confesso que meu primeiro impulso era fazer um filme sobre a Tereza, que era uma personagem meio misteriosa nos escritos do Glauber e que eu nem sabia se estava viva", diz Eryk. "Encontrei uma mulher inteligente e maravilhosa, que Glauber definia como uma "pintura velazquiana". Ela tem 50 anos, mas parece ter 30."

Afro-cubanos
O cineasta ressalta também as amizades que Glauber fez com negros cubanos ligados ao candomblé. Segundo ele, um dos depoimentos mais ricos do filme é do operador de som Germinal Hernández, viúvo da documentarista negra Sara Gomez, a melhor amiga de Glauber em Cuba.
"Por meio da amizade com Sara, ele trafegou pelo ambiente afro-cubano, de religiosidade popular, e uniu seus dois interesses maiores, a revolução e a herança africana", resume Eryk.
Com orçamento estimado "entre R$ 200 mil e R$ 300 mil", "Rocha Que Voa" teve apoio do Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (Icaic), que entrou com equipamentos, arquivo (um dos mais ricos da América Latina) e autorização para filmar em Havana.
No Brasil, os parceiros da produção são a Serpente Filmes, que está propiciando a montagem, e o Grupo Novo de Cinema, que fará a distribuição.
A maior parte das imagens captadas para o documentário é em preto-e-branco. "Foi uma forma de conciliar uma necessidade e uma escolha estética", segundo Eryk Rocha.
"Por um lado, era a única película que tínhamos condições de comprar em Cuba. Por outro, o preto-e-branco reforça a atmosfera de Havana como lugar parado no tempo."
Em muitos dos depoimentos, os entrevistados voltam aos locais onde aconteceram os fatos comentados. "Em geral os lugares ainda estão iguais, 30 anos depois", afirma o cineasta.
Eryk pretende enviar "Rocha Que Voa" ao Festival de Cannes, que ocorre em maio, e acredita que ele possa despertar o interesse internacional. "Afinal, é o primeiro trabalho audiovisual sobre o exílio de Glauber, que fez cinco filmes fora do país, ou seja, quase metade da sua obra."
O documentário traz mais de cem fotos de Glauber Rocha em Cuba, mas nenhuma imagem em movimento do diretor baiano. "Foi uma decisão estético-afetiva", declara Eryk, que tinha apenas 3 anos quando o pai morreu.
Fiel ao impulso internacionalista de Glauber, Eryk faz questão de dizer que seu documentário é uma produção da Trepeso Filmes, cooperativa que fundou com os colegas Bruno Vasconcelos e Miguel Vasilskis. "Diz aí que o Miguel está finalizando um documentário sobre o cinema militante na Argélia." Está dito.


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