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A fabulosa carreira de um filme francês
Longa de Jean-Pierre Jeunet, que estréia hoje no Brasil, já foi visto por 8 milhões de pessoas na França; no mundo, conquistou 17 milhões
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ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
"O Fabuloso Destino de
Amélie Poulain" é o
maior fenômeno do cinema francês em décadas. Já foi visto por 8
milhões de pessoas na França e
mais de 17 milhões no resto do
mundo.
É também a maior bilheteria de
um filme francês em 20 anos nos
Estados Unidos, onde foi exibido
logo após a tragédia de 11 de setembro, com grande impacto, pelo otimismo e a valorização da vida comum que ele propagandeia.
Onde quer que seja mostrado,
"Amélie" vira uma mania. Os espectadores em geral adoram. A
crítica menos. É um caso perfeito
de indiferença do público pela crítica, e vice-versa.
O que fascina tanto o público
em "Amélie Poulain"? O otimismo, justamente. A simpatia e o
charme da atriz Audrey Tautou,
que faz a personagem-título. A
ambiência lírica de Paris. A adesão do diretor, Jean-Pierre Jeunet,
aos tipos comuns e à vida banal. A
linguagem ágil e truncada, com
muito da velocidade do videoclipe, do desenho animado e da publicidade. O clima de conto-de-fadas contemporâneo. As sucessivas pequenas surpresas que o filme apronta para o espectador, como num jogo humorístico e sentimental. Não acabam os motivos
de fascinação.
"Amélie" é a auto-ajuda consagrada como forma de narrativa cinematográfica. A sua personagem é uma descendente pós-moderna de Polyanna, a famosa personagem do livro de Eleanor Porter que deseja fazer todo mundo
feliz. Como Polyanna, Amélie
descobre um mundo cheio de
gente triste e acabrunhada. Resolve que elas precisam redescobrir a
graça de estarem vivas. Consegue,
por meio de 1.001 estripulias. Ao
contrário de Polyanna, Amélie
age muito e fala pouco.
As suas estripulias consistem
em quebrar a cadeia do hábito a
que os personagens estão presos e
que os impede de descobrir a novidade da vida. Consistem também em devolver a memória de
um belo momento da existência
às pessoas, o que as permite encontrar de novo a capacidade individual de reencantamento.
A vida corriqueira e habitual entra em choque no filme com a
narrativa de sobressaltos, uma alimentando a outra. Amélie é a
mais comum das personagens,
mas ela tem a capacidade de rearranjar o jogo do destino aparente,
agitando o mundo alheio, em favor do que julga ser a felicidade
prometida. Ela bagunça as peças
para levar a cada um a sua auto-satisfação.
O espectador se rejubila com o
jogo de Amélie contra a mania paralisante das pessoas, contra o fatalismo das coisas e a negatividade do destino. O mundo é bom,
individualmente falando. Cada
pessoa, do fundo de seu anonimato, tem um destino fabuloso, e
não apenas a princesa Diana, cuja
morte é citada no filme. A magia
de Amélie consiste em valorizar o
indivíduo banal num tempo de
fetichização extremada de celebridades.
O mundo não comparece em
"Amélie Poulain" como interrogação nem incômodo, como desafio de algo que lhe seja na verdade estranho e incompreensível.
Os pequenos mistérios da vida
são facilmente solucionados por
uma investigação paranóica, como a de Amélie. O sistema é fechado e joga com a sublimação da
personagem e do espectador, cujo
gozo-recompensa será, naturalmente, o "happy end".
Os personagens, por sua vez,
não se constroem de fato diante
do espectador. Eles já estão dados,
são arquétipos gerais de uma macro-ilustração. Os conflitos entre
eles são estritamente formais, para o bom funcionamento da lógica narrativa, para o cumprimento
do jogo de Amélie. Assim, a mensagem do filme (é o caso de empregar o termo infeliz), aquela de
que cada vida é fabulosa em si
mesma, se autodenega, ao tirar
dos personagens a autonomia e as
contradições internas. Falta a espontaneidade da vida no filme,
que o cinema capta como nenhum meio.
Jeunet não acredita muito no cinema como instrumento de percepção e descobrimento do mundo. Seu filme é hiperbólico, como
as publicidades. Ele precisa confirmar a cada passo, com elementos variados (sons, desenhos), o
que as imagens deveriam revelar
por elas mesmas. Quando Amélie
se apaixona, um coração aparece
na tela, palpitando.
O recurso é irônico, claro, mas
dá a medida da sua estratégia geral. Ela consiste em rejeitar o cinema como forma de enfrentamento com o tempo, com o adverso
do mundo, com o novo da vida, e
fazer do espectador uma peça do
destino pré-fabricado do filme.
O Fabuloso Destino de Amélie
Poulain
Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain
Direção: Jean-Pierre Jeunet
Produção: França/Alemanha, 2001
Com: Audrey Tautou, Mathieu Kassovitz
Quando: a partir de hoje nos cines Belas
Artes, Cinearte, Jardim Sul e circuito
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