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São Paulo, sábado, 08 de fevereiro de 2003

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NÃO FOI SÓ A LITERATURA QUE UNIU JOÃO CABRAL, GUIMARÃES, VINICIUS...

Canções do exílio

1968 - Folha Imagem
João Cabral de Melo Neto, que foi embaixador na Europa


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um fio invisível costura curiosamente a maior parte da melhor literatura brasileira. Quase todos os nossos principais escritores fizeram parte, em algum momento, do funcionalismo público, de Machado de Assis a Carlos Drummond de Andrade.
Enquanto essa história não é contada com a profundidade que merecia, aparece na praça um exame detalhado de um dos capítulos mais suculentos da ligação das letras nacionais com o universo das repartições.
João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa, Vinicius de Moraes, Aluízio Azevedo, Raul Bopp (e a enumeração continuaria por boas linhas) não estiveram juntos apenas na História da Literatura Brasileira. Todos bateram ponto também na diplomacia nacional.
O enredo é apresentado em "O Itamaraty na Cultura Brasileira" (ed. Francisco Alves), livro que reúne detalhados perfis de diplomatas que atuaram com destaque no cultivo das idéias do país. Não é só no ambiente dos literatos que fica o volume organizado pelo também escritor-diplomata Alberto da Costa e Silva, presidente da Academia Brasileira de Letras.
O conjunto de 17 ensaios biográficos, complementados por três textos mais genéricos, perfilam ainda diplomatas-historiadores, como Oliveira Lima e Francisco Adolfo de Varnhagen, clássicos da historiografia brasileira, diplomatas-"sociólogos", como Joaquim Nabuco, intérprete-mor deste país tropical (debatido pelo historiador-diplomata Evaldo Cabral de Mello), ou diplomatas-músicos, caso de Brazílio Itiberê da Cunha, fundador da música erudita com temática nacional.
Nem todos os textos trazem o Palácio Itamaraty ou os consulados e embaixadas brasileiras para o primeiríssimo plano.
"Informar, representar e negociar", clássico trinômio do diplomata, não são necessariamente as coisas mais importantes feitas pelos personagens de "O Itamaraty na Cultura Brasileira".
Mas as 516 páginas em questão sustentam que nenhum dos retratados foi totalmente impermeável ao fazer diplomático.
Em ensaios introdutórios, nos quais ampliam um pouco a lista dos nossos embaixadores de cultura (citando nomes como Gonçalves de Magalhães e Graça Aranha, homens-chave na importação do romantismo e do modernismo para o país), o ex-chanceler Celso Lafer e Alberto da Costa e Silva chamam atenção para um elemento comum ao time: a busca pela identidade nacional.
Como expressa Fernando Henrique Cardoso na contracapa do livro, "a gramática brasileira é transitiva. Pede complemento". Se o ex-presidente se refere à "aptidão a absorver o diferente", também trata da ânsia deles em "conhecer e amar mais o Brasil". Mais do que a procura da essência brasileira (que Costa e Silva classifica como "a grande marca de nosso século 20", não exclusiva do Itamaraty), o organizador do volume valoriza outro traço comum dos 17 retratados no livro (um deles, Vinicius, em dois ensaios).
"Se há alguma coisa permanente na literatura de todos eles é o sentimento de nostalgia pela terra natal", diz Costa e Silva à Folha. "A distância aumenta o apego à terra natal. O exílio, em vez de afastar, aproxima".
As "canções do exílio" dos escritores-diplomatas não rumaram necessariamente para o estilo "Minha terra tem palmeiras/ onde canta o sabiá/ as aves que aqui gorjeiam,/ não gorjeiam como lá", de Gonçalves Dias.
Diz Costa e Silva e reforça o autor do ensaio sobre João Cabral de Melo Neto, o poeta Ivan Junqueira, que a diplomacia foi fundamental para a obra do autor de "Uma Faca Só Lâmina". "Londres, Barcelona e Sevilha [locais onde serviu" marcaram extraordinariamente a poesia, a formação intelectual e a visão intelectual de Cabral", opina o organizador.
Se foi "na solidão do exílio" que Cabral "encontrou o rumo altamente pessoal que percorreu a sua poesia", na expressão de Costa e Silva, o mesmo não aconteceu com outros autores-diplomatas.
Raul Bopp ou Aluízio Azevedo, por exemplo, partiram para a representação brasileira tendo na bagagem obras como "Cobra Norato", o primeiro, e "O Cortiço", o segundo. E das viagens em diante, secas ficaram as veias literárias.
Talvez seja isso o responsável por um fenômeno pouco comum na diplomacia brasileira. Nomeado embaixador, cargo no topo da hierarquia do Itamaraty, Guimarães Rosa nunca quis assumir alguma embaixada.
Do exterior, ficaram só experiências tumultuadas como as de cônsul em Hamburgo (Alemanha), já em meio ao nazismo, narradas no livro pelo diplomata-ensaísta Felipe Fortuna. Rosa continuou sua viagem foi no Brasil.

O ITAMARATY NA CULTURA BRASILEIRA. Organização: Alberto da Costa e Silva. Editora: Francisco Alves (tel. 0/xx/21/2221-6999). Quanto: R$ 50 (514 págs.).


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