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"OS INVICTOS"
Um Faulkner mais "normal" alcança o leitor
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA
Um William Faulkner incomum emerge de "Os Invictos" (The Reivers, 1962). Divertido, e até empenhado em contar
uma história de maneira clara
(ainda assim, é Faulkner, o que
descarta a possibilidade de uma
narrativa 100% "normal").
O livro descreve as peripécias de
um menino branco de 11 anos,
Lucius Priest, no condado fictício
de Yoknapatawpha, Mississippi,
sul dos EUA, cenário de vários romances do autor. Ao lado do brutamontes Boon Hogganbeck, empregado da família, e do cocheiro
negro Ned McCaslin, Lucius se
mete em uma trapalhada interestadual a bordo do carro do avô.
A caminho do vizinho Tennessee, vão parar em um prostíbulo,
vêem-se às voltas com um cavalo
roubado e acabam competindo
em um hipódromo caseiro, tendo
um desnorteado Lucius como jóquei. Tudo em menos de uma semana, tempo que tinham para
usar o carro, escondidos, até que
pai, mãe e avô de Lucius voltassem do funeral de um parente.
Lucius, o narrador, conta a história no tempo passado, lembrando a infância no começo do século
20, em um Sul que tardiamente se
desvencilha do escravismo. Como
sempre, em se tratando de Faulkner (1897-1962), Nobel em 1949,
há diversos modos de ler a obra.
Por exemplo, como um exercício cuidadoso de reprodução da
língua falada de diversos extratos
sociais. Ou como um estudo sobre relações entre pais e filhos em
um interior que começa a se modernizar. Ou ainda como um romance sobre o "coming of age", o
amadurecimento de um garoto
que, entre crises de choro e saudades desesperadas da mãe, apaixona-se por uma prostituta -e até
briga usando navalhas.
Esta edição de "Os Invictos" serve como porta de entrada à densa
obra do romancista. As complexidades com que o leitor se defronta
são muito menores, por exemplo,
do que no grande texto de Faulkner: "O Som e a Fúria", de 1929.
Neste último, as dificuldades
são tantas que algumas edições
trazem um guia na introdução,
explicando, por exemplo, que há
dois personagens chamados
Quentin -fato que Faulkner não
faz a menor questão de esclarecer.
Já "Os Invictos" é menos exigente -ou menos cruel- com o
leitor. Mas também traz algumas
marcas do autor, como a profusão
de personagens, despejados às toneladas já nas primeiras páginas.
Um estudo da Universidade de
Mississippi contou 97 nomes de
pessoas no livro.
Por fim, uma palavra sobre a
tradução, tarefa árdua, já que o
texto engloba vários falares de
uma época específica no Sul dos
EUA. Como transpor isso para o
português do Brasil? Com a língua
de hoje ou com a do Brasil da
mesma época? E de qual região?
Feita a ressalva (a tradução seria
mesmo dificílima), é de lamentar
que a solução tenha sido a de uma
quase literalidade. O resultado
não é exatamente português, mas
uma anomalia linguística: o "português-traduzido-do-inglês".
Para ficar em um exemplo, o
verbo "can" é insistentemente
traduzido por "poder", quando
muita vezes significa "conseguir",
"saber". Aparecem então frases
como "você pode se lembrar disso?" ou "esse cavalo pode correr?", que na verdade significam
"você se lembra?" e "esse cavalo
consegue correr?".
Ainda que a tradução pudesse
ser mais cuidadosa -e mais inventiva-, louve-se o lançamento
de um título que pode apresentar
a um público mais amplo a obra
de um dos principais autores dos
últimos cem anos.
Os Invictos
The Reivers
Autor: William Faulkner
Tradução: Waldir Dupont
Editora: Arx
Quanto: R$ 38 (320 págs.)
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