|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
AUDIOVISUAL/ANÁLISE
"Atos dos Homens" lança olhar à Baixada Fluminense após chacina
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Mais um documentário enfrenta o desafio de tocar em
um dos assuntos mais delicados
no Brasil de hoje: a violência urbana no Rio de Janeiro.
"Atos dos Homens", o novo
longa de Kiko Goifman, foi exibido em forma inacabada no último
Festival de Locarno na Suíça. Finalizado, será uma das participações brasileiras no Festival de Berlim, que começa no próximo dia
9. Está na mostra Fórum, dedicada a filmes experimentais.
O título é sugestivo. Na linha de
outros trabalhos do diretor mineiro, como "Morte Densa", o desafio é o de ir além da denúncia,
colocar o dedo na ferida sem apelar para o sensacionalismo fácil.
"Atos dos Homens" vem também na seqüência de inúmeros
documentários e filmes de ficção,
que, a partir de "Notícias de uma
Guerra Particular", dirigido por
João Moreira Salles, em 1999, trataram do universo do tráfico, do
"movimento", do Estado e da mídia nos morros cariocas.
Um número crescente de cineastas e artistas plásticos busca
criar formas de falar sobre violência sem contribuir para aumentar
a ciranda do medo. Propostas autorais denunciam a complexidade
do problema, fazendo aflorar
uma pluralidade de vozes locais.
O projeto inicial de "Atos dos
Homens", financiado por uma
fundação alemã, tratava de sobreviventes de chacinas, como as da
Candelária e de Vigário Geral,
aberrações cometidas no passado
recente pelas forças que deveriam
garantir a ordem pública.
Diante da erupção de uma nova
tragédia -o assassinato sumário
de 29 cidadãos inocentes no dia 31
de março de 2005, na Baixada Fluminense-, o filme se voltou para
a cobertura dos acontecimentos
-no calor da hora. E chega a Berlim antes do evento documentado
completar um ano.
Sob um sol tropical, o filme pesquisa paisagens da Baixada Fluminense. Em meio a rios, campo,
charrete e cidade, busca revelar o
cotidiano dos moradores dos municípios vizinhos à cidade maravilhosa, conhecidos pela truculência. Fora inúmeros nacos de carne
manipulados para fazer churrasco, especialmente na casa de um
policial aposentado, não há sangue nem lágrimas.
O filme não revela identidades.
Os personagens estão nomeados
nos créditos finais, mas não são
apresentados quando falam. Uns
aparecem no vídeo. Outros carecem de imagem. Suas falas em
"off" são sugestivamente realçadas por uma tela branca brilhante.
É como se a ausência de imagem
pudesse de alguma maneira desarticular excessos bárbaros.
Ruídos sonoros constituem outro elemento relevante no documentário. Já bem adiantado no
filme, o barulho de chuva forte comenta o ocorrido enquanto os
nomes e idade dos mortos aparecem individualmente, branco no
branco, no centro da tela.
A voz do diretor, de timbre grave característico, abre e fecha o filme (além de soar forte nas entrevistas), o que explicita ao menos
um pouco das interlocuções. Destaque para o depoimento de um
matador, face oculta pela tela
branca e voz adulterada.
"Atos dos Homens" termina
com a informação de que 11 policiais estão presos, acusados de
participar do crime hediondo.
O cinema vem produzindo um
volume significativo de depoimentos sobre a insegurança urbana. São filmes de intervenção. Uns
mais poéticos que outros, eles
provocam. Quem sabe esse repertório variado seja capaz de despertar algum senso de justiça em
uma sociedade que parece incapaz de controlar o uso da força.
Punições contundentes certamente seriam um bom começo.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Panorâmica - Literatura: "Tutor" afirma que JT LeRoy nunca existiu e que sua ex-mulher escreveu os livros Índice
|