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SERGIO RODRIGUES
Aos 78 anos, um dos mestres da modernização do design brasileiro ganha reconhecimento fora do país;
o carioca fala à Folha sobre sucesso em Nova York, seus projetos clássicos e a nova produção nacional
Designer tropical
MARIO GIOIA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Depois de ser "redescoberto"
por Nova York no final de 2004,
quando ganhou sua primeira
mostra individual na cidade norte-americana, organizada pela
brasileira Nessia Leonzini, Sergio Rodrigues, 78, um dos precursores do design brasileiro moderno,
vive dias de glória. Sua "Poltrona
Diz", criada em 2002, toda feita
em madeira, é item dos mais disputados na R 20th Century, loja
de design situada em Tribeca, badalado bairro nova-iorquino.
Ao mesmo tempo, a premiada
"Poltrona Mole", de 1961, um
projeto-chave no design nacional,
que está no acervo do MoMA
(Museu de Arte Moderna de Nova York), continua sendo procurada no Brasil e no exterior, onde
ganha contínua produção, realizada pela paranaense LinBrasil.
A empresa vende a versão mais
barata da poltrona por R$ 5.000.
Já em Nova York, uma "Mole"
original dos anos 50-60 (que o
mercado chama de "vintage"),
custa cerca de US$ 20 mil.
"Uma das razões pelas quais a
poltrona foi premiada veio do fato
de ela ser considerada um dos primeiros móveis pós-modernos.
Havia uma acentuação da brasilidade. Era uma peça que revelava
facilmente o local onde tinha sido
feita. Só podia ter surgido num lugar onde houvesse muita madeira
e muito couro. E havia uma informalidade no desenho", conta o
carioca Rodrigues à Folha.
Ele recebeu a reportagem em
seu ateliê abarrotado de poltronas, cadeiras, bancos -todos
bastante convidativos- no bairro de Botafogo, zona sul do Rio.
Folha - Como aconteceu a valorização de suas peças em Nova York?
Sergio Rodrigues - Há três anos
veio aqui ao Rio um grupo de Nova York que possui uma galeria de
arte e de venda de peças antigas
-eles chamam de "vintage"-, a
R 20th Century. Eles já vendiam
minhas peças, as do Zanine [José
Zanine Caldas, 1919-2001, designer baiano de móveis] e as do Tenreiro [Joaquim Tenreiro, 1906-1992, considerado o pai do mobiliário moderno no Brasil]. Eles ficaram entusiasmados com os novos móveis feitos pela LinBrasil.
Resolveram levar algumas peças
antigas e uma que eu tinha acabado de fazer. Era a "Poltrona Diz",
minha última "filha". Eu estava e
ainda estou alucinado por ela.
Fui convidado para uma exposição que eles iriam fazer em Tribeca, onde fica a galeria, com
meus móveis. Quando cheguei lá,
vi na vitrine da loja a "Poltrona
Diz". Depois de uma semana, o
dono da loja falou todo entusiasmado que tinha vendido 14 peças.
Nunca havia vendido tantas peças
assim logo na primeira exibição.
Eles continuaram a comprar novas peças, e eu continuo a fazer
novos desenhos.
Folha - A inspiração da "Poltrona
Mole" veio do Otto Stupakoff [um
dos pioneiros da fotografia de moda brasileira]?
Rodrigues - Foi um pedido dele,
em 1957. Ele queria montar um
estúdio aqui no Rio. Vinha para
cá fazer fotografias bastante interessantes, se aperfeiçoara na Califórnia, era um fotógrafo superconsiderado. Mas ele realmente
não podia comprar, porque era
uma peça bastante cara, feita em
jacarandá, artesanalmente.
Folha - Ele pediu algo para se espreguiçar?
Rodrigues - Ele pediu um sofá
para o estúdio dele, que era minúsculo. O sofá seria uma peça de
descanso. Deveria ficar ali para a
pessoa ficar à vontade. Ele pagou
a peça fotografando-a para o primeiro catálogo da Oca [loja montada por Rodrigues em Ipanema,
no ano de 1955]. A foto saiu também na revista "Módulo".
Foi uma coisa muito engraçada.
Colocamos a peça na areia, no final do Leblon, que estava calmo
àquela hora, três horas da tarde,
deserto, piso liso e plano, um fundo infinito maravilhoso, já que ele
não tinha um fundo infinito e
nem um estúdio especializado.
Mas veio uma onda marota que
molhou os móveis todos (risos).
Foi engraçado, porque na hora foi
uma aflição. Mas no dia seguinte,
a exposição com a cadeira foi
inaugurada com comentários da
imprensa dizendo que jogamos
móveis ao mar, como se fosse
uma espécie de despacho...
Folha - A "Poltrona Mole" mudou
sua trajetória profissional?
Rodrigues - Bom, há três modelos da "Poltrona Mole". A primeira foi criada em 1957 e tinha uma
estrutura mais rígida. A segunda
versão foi a que foi mandada para
a Itália, em 1961. Depois veio a
versão "Moleca".
O Carlos Lacerda [ex-governador do Rio] e jornalistas, como
Roberto Marinho e Adolpho
Bloch, estavam entre os primeiros
a comprar. O detalhe interessante
é que a poltrona ficou um ano na
loja, exposta, sem que ninguém
comprasse. Foi um período de
grande gozação; o pessoal chegava e dizia: "Imagina, essa loja que
começou muito bem, agora entrou na galhofa, está fazendo essas
brincadeiras assim, uma estrutura de madeira que tem em cima
um almofadão que mais parece
um ovo estalado... Deve ser uma
cama de cachorro". Houve muitas gozações com a "Mole".
Folha - De quem foi a idéia de inscrever a poltrona em um concurso
internacional?
Rodrigues - Foi do Lacerda
(1914-1977), na época governador
do Estado da Guanabara. Ele recebeu um convite da Itália. Para
mim, era uma brincadeira. Disse
para ele: "Olha, isso aí eu não vou
mandar, é um concurso internacional, o pessoal na Europa está
fazendo trabalhos de altíssimo nível, não vale a pena, eu só tenho
essa peça de madeira". Mas ele insistiu muito, e mandamos os desenhos. Uma semana depois, voltaram. Disseram que não poderia
concorrer, pois já era conhecida.
Para mim, isso já era um diploma, não sabia que a poltrona já
era conhecida na Europa.
Mas aí o Lacerda não se conformou com a situação e disse que eu
tinha de criar uma nova poltrona.
Não se cria uma poltrona da
noite para o dia. Então eu peguei a
própria "Poltrona Mole" e fiz algumas pequenas variações. Mantive os mesmos pés, a estrutura, e
no que era plano e reto, fiz umas
curvas. Mandei para a Itália. Um
mês depois, chegou a comunicação da premiação [do Concurso
Internacional do Móvel, em Cantù, que tinha no júri o dinamarquês Arno Jacobsen, um dos mais
conhecidos designers do século
20] e um convite da firma Isa, de
Bérgamo, para produção em série. Segundo jornais, foi o primeiro trabalho feito em madeira maciça pela Isa, que chamou a poltrona de "Sheriff".
Já a terceira "Mole" foi depois
foi chamada de "Moleca". É desmontável, com certos toques coloniais, de madeira e montagem
com cunhas. Antes era chamada
de "Mole Ex". Associei-me a dois
americanos, entusiasmados com
os meus móveis, e fizemos em
Carmel, nos EUA, uma loja simpaticíssima, em um shopping todo em madeira, em 1967.
Folha - Mas você não chegou a ganhar dinheiro imediatamente com
a "Mole" logo depois do concurso?
Rodrigues - Não, não, houve só o
prêmio de US$ 200... Naquela
época, era pouco dinheiro também, uma brincadeira.
Folha - Essa idéia de criar uma
poltrona para ser usada de maneira
informal, para a pessoa se esparramar nela, era diferente do que vinha sendo feito antes?
Rodrigues - A poltrona foi feita
com a idéia de ser informal; ela pede para você se atirar mesmo. Foi
a idéia inicial, ficar à vontade. Não
era comum aquele tipo de construção e aquela idéia de conforto.
O Darcy Ribeiro [antropólogo e
político, 1922-1997] chamava a
"Mole" de "Mulher Dama": ela te
abraça, te envolve, você gosta de
ficar enroscado nela...
Folha - O seu reconhecimento internacional e o de outros designers
brasileiros indica que existe uma
identidade nacional no design?
Rodrigues - Olha, acho uma pergunta bastante difícil de ser respondida. Depende do que se acha
que é identidade brasileira. Falando de mobiliário, uma das razões
pelas quais a "Mole" foi premiada
veio do fato dela ser considerada
por críticos um dos primeiros móveis pós-modernos. Havia uma
acentuação da brasilidade. Era
uma peça que identificava facilmente o local onde tinha sido feita. Só podia ter surgido num lugar
onde houvesse muita madeira,
muito couro; havia uma informalidade nela. Existia o modo de viver de quem a criou, que a identifica, isso é muito importante. Essas
características em geral existem
em artesanato, não em peças superindustrializadas.
Um exemplo: a Lina Bardi [arquiteta e designer ítalo-brasileira,
1914-1992], que já era conceituada
na Itália, fazia arquitetura e design, veio para o Brasil e vestiu a
camisa do país, produziu móveis,
as cadeiras "Girafas", diversas outras cadeirinhas e outras peças,
absolutamente caracterizadas pela região em que morava, o Brasil.
O Zanine fez algumas coisas assim também... Mas algumas peças
do Zanine, do Giancarlo Palanti
[arquiteto e designer italiano,
1906-1977, que se se radicou em
São Paulo em 1946], algumas da
Lina também, tinham certo toque,
digamos, universal, global. Eram
feitas com material compensado
cortado. As peças do Zanine começaram a pesar mais na época
em que usou madeiras, troncos e
complementos de barcos e de canoas. Aí ele mostrou uma criatividade que poderia ser chamada de
brasileira -eu a chamo assim.
Quanto ao meu trabalho, acho
complicado dizer. Não cabe a
mim analisar isso.
Por exemplo, alguns anos atrás,
uma peça brasileira tinha de ter jacarandá, palhinha ou couro, materiais usados no tempo da Colônia. Com esse material, tenho uma
que chamo de "Poltrona Lucio",
em homenagem a Lucio Costa
[arquiteto e urbanista, 1902-1998].
Ele a viu exposta e disse que era a
primeira peça que havia conhecido unindo atualidade e espírito
tradicional brasileiro.
Folha - Sendo pioneiro do design
nacional, você vê uma valorização
dos novos designers brasileiros?
Rodrigues - Não há dúvida. Temos uma série de designers de primeiríssima água; os irmãos Campana são um exemplo típico, eles
fazem um trabalho supercriativo.
De dez a 15 anos para cá, surgiram
diversos. Tempos atrás, tínhamos
a Lina Bo Bardi, o Zanine, o Tenreiro, o Geraldo de Barros, que
fez a Unilabor -gostava dele
imensamente. O Michel Arnoult,
que morreu no ano passado, grande arquiteto, não se naturalizou
brasileiro, mas vestiu a camisa do
Brasil. Eu tinha a Oca no meio do
quarteirão, e ele tinha a Mobília
Contemporânea no fim do quarteirão, na esquina. Fizemos uma
grande amizade.
Tem a Claudia Moreira Salles; fiz
um elogio no livro dela ("Claudia
Moreira Salles - Designer", ed. Bei,
R$ 80). Fiquei entusiasmado com
seu trabalho. O Ethel Carmona
tem um acabamento de madeira
excepcional. Há o Pedro Useche, o
Renzo Bonzon, o Ivan Rezende, a
Lia Siqueira. E a Jacqueline Terpins, com peças interessantíssimas em vidro. Fico preocupado
em não ter citado algum nome.
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