São Paulo, quarta-feira, 08 de fevereiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SERGIO RODRIGUES

Aos 78 anos, um dos mestres da modernização do design brasileiro ganha reconhecimento fora do país; o carioca fala à Folha sobre sucesso em Nova York, seus projetos clássicos e a nova produção nacional

Designer tropical

MARIO GIOIA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Depois de ser "redescoberto" por Nova York no final de 2004, quando ganhou sua primeira mostra individual na cidade norte-americana, organizada pela brasileira Nessia Leonzini, Sergio Rodrigues, 78, um dos precursores do design brasileiro moderno, vive dias de glória. Sua "Poltrona Diz", criada em 2002, toda feita em madeira, é item dos mais disputados na R 20th Century, loja de design situada em Tribeca, badalado bairro nova-iorquino.
Ao mesmo tempo, a premiada "Poltrona Mole", de 1961, um projeto-chave no design nacional, que está no acervo do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), continua sendo procurada no Brasil e no exterior, onde ganha contínua produção, realizada pela paranaense LinBrasil.
A empresa vende a versão mais barata da poltrona por R$ 5.000. Já em Nova York, uma "Mole" original dos anos 50-60 (que o mercado chama de "vintage"), custa cerca de US$ 20 mil.
"Uma das razões pelas quais a poltrona foi premiada veio do fato de ela ser considerada um dos primeiros móveis pós-modernos. Havia uma acentuação da brasilidade. Era uma peça que revelava facilmente o local onde tinha sido feita. Só podia ter surgido num lugar onde houvesse muita madeira e muito couro. E havia uma informalidade no desenho", conta o carioca Rodrigues à Folha.
Ele recebeu a reportagem em seu ateliê abarrotado de poltronas, cadeiras, bancos -todos bastante convidativos- no bairro de Botafogo, zona sul do Rio.

 

Folha - Como aconteceu a valorização de suas peças em Nova York?
Sergio Rodrigues -
Há três anos veio aqui ao Rio um grupo de Nova York que possui uma galeria de arte e de venda de peças antigas -eles chamam de "vintage"-, a R 20th Century. Eles já vendiam minhas peças, as do Zanine [José Zanine Caldas, 1919-2001, designer baiano de móveis] e as do Tenreiro [Joaquim Tenreiro, 1906-1992, considerado o pai do mobiliário moderno no Brasil]. Eles ficaram entusiasmados com os novos móveis feitos pela LinBrasil. Resolveram levar algumas peças antigas e uma que eu tinha acabado de fazer. Era a "Poltrona Diz", minha última "filha". Eu estava e ainda estou alucinado por ela.
Fui convidado para uma exposição que eles iriam fazer em Tribeca, onde fica a galeria, com meus móveis. Quando cheguei lá, vi na vitrine da loja a "Poltrona Diz". Depois de uma semana, o dono da loja falou todo entusiasmado que tinha vendido 14 peças. Nunca havia vendido tantas peças assim logo na primeira exibição. Eles continuaram a comprar novas peças, e eu continuo a fazer novos desenhos.

Folha - A inspiração da "Poltrona Mole" veio do Otto Stupakoff [um dos pioneiros da fotografia de moda brasileira]?
Rodrigues -
Foi um pedido dele, em 1957. Ele queria montar um estúdio aqui no Rio. Vinha para cá fazer fotografias bastante interessantes, se aperfeiçoara na Califórnia, era um fotógrafo superconsiderado. Mas ele realmente não podia comprar, porque era uma peça bastante cara, feita em jacarandá, artesanalmente.

Folha - Ele pediu algo para se espreguiçar?
Rodrigues -
Ele pediu um sofá para o estúdio dele, que era minúsculo. O sofá seria uma peça de descanso. Deveria ficar ali para a pessoa ficar à vontade. Ele pagou a peça fotografando-a para o primeiro catálogo da Oca [loja montada por Rodrigues em Ipanema, no ano de 1955]. A foto saiu também na revista "Módulo".
Foi uma coisa muito engraçada. Colocamos a peça na areia, no final do Leblon, que estava calmo àquela hora, três horas da tarde, deserto, piso liso e plano, um fundo infinito maravilhoso, já que ele não tinha um fundo infinito e nem um estúdio especializado. Mas veio uma onda marota que molhou os móveis todos (risos). Foi engraçado, porque na hora foi uma aflição. Mas no dia seguinte, a exposição com a cadeira foi inaugurada com comentários da imprensa dizendo que jogamos móveis ao mar, como se fosse uma espécie de despacho...

Folha - A "Poltrona Mole" mudou sua trajetória profissional?
Rodrigues -
Bom, há três modelos da "Poltrona Mole". A primeira foi criada em 1957 e tinha uma estrutura mais rígida. A segunda versão foi a que foi mandada para a Itália, em 1961. Depois veio a versão "Moleca".
O Carlos Lacerda [ex-governador do Rio] e jornalistas, como Roberto Marinho e Adolpho Bloch, estavam entre os primeiros a comprar. O detalhe interessante é que a poltrona ficou um ano na loja, exposta, sem que ninguém comprasse. Foi um período de grande gozação; o pessoal chegava e dizia: "Imagina, essa loja que começou muito bem, agora entrou na galhofa, está fazendo essas brincadeiras assim, uma estrutura de madeira que tem em cima um almofadão que mais parece um ovo estalado... Deve ser uma cama de cachorro". Houve muitas gozações com a "Mole".

Folha - De quem foi a idéia de inscrever a poltrona em um concurso internacional?
Rodrigues - Foi do Lacerda (1914-1977), na época governador do Estado da Guanabara. Ele recebeu um convite da Itália. Para mim, era uma brincadeira. Disse para ele: "Olha, isso aí eu não vou mandar, é um concurso internacional, o pessoal na Europa está fazendo trabalhos de altíssimo nível, não vale a pena, eu só tenho essa peça de madeira". Mas ele insistiu muito, e mandamos os desenhos. Uma semana depois, voltaram. Disseram que não poderia concorrer, pois já era conhecida.
Para mim, isso já era um diploma, não sabia que a poltrona já era conhecida na Europa.
Mas aí o Lacerda não se conformou com a situação e disse que eu tinha de criar uma nova poltrona.
Não se cria uma poltrona da noite para o dia. Então eu peguei a própria "Poltrona Mole" e fiz algumas pequenas variações. Mantive os mesmos pés, a estrutura, e no que era plano e reto, fiz umas curvas. Mandei para a Itália. Um mês depois, chegou a comunicação da premiação [do Concurso Internacional do Móvel, em Cantù, que tinha no júri o dinamarquês Arno Jacobsen, um dos mais conhecidos designers do século 20] e um convite da firma Isa, de Bérgamo, para produção em série. Segundo jornais, foi o primeiro trabalho feito em madeira maciça pela Isa, que chamou a poltrona de "Sheriff".
Já a terceira "Mole" foi depois foi chamada de "Moleca". É desmontável, com certos toques coloniais, de madeira e montagem com cunhas. Antes era chamada de "Mole Ex". Associei-me a dois americanos, entusiasmados com os meus móveis, e fizemos em Carmel, nos EUA, uma loja simpaticíssima, em um shopping todo em madeira, em 1967.

Folha - Mas você não chegou a ganhar dinheiro imediatamente com a "Mole" logo depois do concurso?
Rodrigues -
Não, não, houve só o prêmio de US$ 200... Naquela época, era pouco dinheiro também, uma brincadeira.


Folha - Essa idéia de criar uma poltrona para ser usada de maneira informal, para a pessoa se esparramar nela, era diferente do que vinha sendo feito antes?
Rodrigues -
A poltrona foi feita com a idéia de ser informal; ela pede para você se atirar mesmo. Foi a idéia inicial, ficar à vontade. Não era comum aquele tipo de construção e aquela idéia de conforto. O Darcy Ribeiro [antropólogo e político, 1922-1997] chamava a "Mole" de "Mulher Dama": ela te abraça, te envolve, você gosta de ficar enroscado nela...

Folha - O seu reconhecimento internacional e o de outros designers brasileiros indica que existe uma identidade nacional no design?
Rodrigues -
Olha, acho uma pergunta bastante difícil de ser respondida. Depende do que se acha que é identidade brasileira. Falando de mobiliário, uma das razões pelas quais a "Mole" foi premiada veio do fato dela ser considerada por críticos um dos primeiros móveis pós-modernos. Havia uma acentuação da brasilidade. Era uma peça que identificava facilmente o local onde tinha sido feita. Só podia ter surgido num lugar onde houvesse muita madeira, muito couro; havia uma informalidade nela. Existia o modo de viver de quem a criou, que a identifica, isso é muito importante. Essas características em geral existem em artesanato, não em peças superindustrializadas.
Um exemplo: a Lina Bardi [arquiteta e designer ítalo-brasileira, 1914-1992], que já era conceituada na Itália, fazia arquitetura e design, veio para o Brasil e vestiu a camisa do país, produziu móveis, as cadeiras "Girafas", diversas outras cadeirinhas e outras peças, absolutamente caracterizadas pela região em que morava, o Brasil.
O Zanine fez algumas coisas assim também... Mas algumas peças do Zanine, do Giancarlo Palanti [arquiteto e designer italiano, 1906-1977, que se se radicou em São Paulo em 1946], algumas da Lina também, tinham certo toque, digamos, universal, global. Eram feitas com material compensado cortado. As peças do Zanine começaram a pesar mais na época em que usou madeiras, troncos e complementos de barcos e de canoas. Aí ele mostrou uma criatividade que poderia ser chamada de brasileira -eu a chamo assim.
Quanto ao meu trabalho, acho complicado dizer. Não cabe a mim analisar isso.
Por exemplo, alguns anos atrás, uma peça brasileira tinha de ter jacarandá, palhinha ou couro, materiais usados no tempo da Colônia. Com esse material, tenho uma que chamo de "Poltrona Lucio", em homenagem a Lucio Costa [arquiteto e urbanista, 1902-1998]. Ele a viu exposta e disse que era a primeira peça que havia conhecido unindo atualidade e espírito tradicional brasileiro.

Folha - Sendo pioneiro do design nacional, você vê uma valorização dos novos designers brasileiros?
Rodrigues -
Não há dúvida. Temos uma série de designers de primeiríssima água; os irmãos Campana são um exemplo típico, eles fazem um trabalho supercriativo. De dez a 15 anos para cá, surgiram diversos. Tempos atrás, tínhamos a Lina Bo Bardi, o Zanine, o Tenreiro, o Geraldo de Barros, que fez a Unilabor -gostava dele imensamente. O Michel Arnoult, que morreu no ano passado, grande arquiteto, não se naturalizou brasileiro, mas vestiu a camisa do Brasil. Eu tinha a Oca no meio do quarteirão, e ele tinha a Mobília Contemporânea no fim do quarteirão, na esquina. Fizemos uma grande amizade.
Tem a Claudia Moreira Salles; fiz um elogio no livro dela ("Claudia Moreira Salles - Designer", ed. Bei, R$ 80). Fiquei entusiasmado com seu trabalho. O Ethel Carmona tem um acabamento de madeira excepcional. Há o Pedro Useche, o Renzo Bonzon, o Ivan Rezende, a Lia Siqueira. E a Jacqueline Terpins, com peças interessantíssimas em vidro. Fico preocupado em não ter citado algum nome.


Texto Anterior: Projeto alia antigos "adversários"
Próximo Texto: Analisando um mestre: "É um pioneiro", dizem designers
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.