São Paulo, sexta-feira, 08 de fevereiro de 2008

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Gosto de sangue

Novo filme de Tim Burton, "Sweeney Todd" estréia hoje no Brasil; adaptação de musical de Stephen Sondheim, longa tem Johnny Depp como um barbeiro que distribui golpes de navalha

Divulgação
Ao fundo, Johnny Depp em "Sweeney Todd', o novo filme de Tim Burton


RAFAEL CARIELLO
DE LONDRES

A cena se passa no início dos anos 80. Duas típicas velhinhas inglesas assistem a uma produção local de "Sweeney Todd", musical de Stephen Sondheim. Na peça, um barbeiro, depois de ser preso injustamente, apartado de mulher e filha e deportado, volta a Londres com a intenção de realizar uma vingança ampla, geral e irrestrita.
E tome de cortar gogós com suas navalhas afiadas no palco. Um show de horrores. Num determinado momento, em que o sangue que jorra é especialmente abundante, uma das senhoras se vira para a outra e, sem perder a fleuma britânica, questiona (é possível imaginar, aqui, um leve suspiro): "Mas será que isso tudo é realmente necessário?".
"Era", responde o diretor Tim Burton, que lança agora a obra de Sondheim adaptada para o cinema -e afirma ter testemunhado o diálogo acima.
"Já vi outras produções que tentaram ser mais politicamente corretas, e não funcionaram", afirmou o cineasta no final do ano passado, na capital inglesa, durante a apresentação do filme para a imprensa internacional.
A obra de Sondheim se casa perfeitamente com o repertório algo fabuloso, algo macabro, de Burton, responsável, entre outros, por "Edward Mãos de Tesoura" e pela mais recente versão de "A Fantástica Fábrica de Chocolate".

Carnificina
Segundo o diretor, os golpes de navalha e o sangue que jorra servem como "catarse" para a platéia. E, afinal, a quantidade de sangue é proporcional ao tamanho da vingança aspirada por Todd: na sua mira está não só o juiz inescrupuloso que, apaixonado por sua mulher, o mandou para a cadeia, mas os ricos de Londres, os pobres, os simples transeuntes, tudo, todos, o mundo inteiro.
Na cena do filme em que, segundo Sondheim, o cineasta consegue criar um momento, para ele, "surpreendente", o barbeiro canta com navalhas nas mãos, dançando e dando rodopios pelas ruas da Londres do século 19, ao prometer simpaticamente cortar o pescoço de todos que passam, da cidade inteira. O personagem é interpretado por Johnny Depp, constante parceiro de Burton.
É fácil se identificar com essa vontade de vingança contra o mundo. Para Alan Rickman, ótimo ator inglês que interpreta o juiz causador da desgraça de Todd, "o filme é bastante sombrio", o que casa com o estado das coisas. "Vivemos numa época terrível", diz ele.
Essa cumplicidade da platéia, das pessoas em geral, com o assassino, esse prazer com a vingança e o esguichar do sangue já está de certa forma contido na própria trama. A barbearia de Todd funciona no segundo andar da casa de Mrs. Lovett, quituteira interpretada por Helena Bonham Carter (mulher de Burton). Ela mói os corpos que sobram da carnificina de seu parceiro para criar um bolinho recheado que faz um tremendo sucesso com a freguesia em geral.
Quanto maior o prazer de Todd em enfiar uma lâmina cortante na jugular alheia, maior o prazer dos clientes de Mrs. Lovett com esse seu novo e intrigante bolinho.
O diretor disse estar satisfeito com essa sua fábula "dark" de assassinatos em série e canibalismo. "Esse personagem é um dos meus favoritos", diz.

Edward piorado
Johnny Depp, sentado ao lado de Burton durante a entrevista, o define como um Sweeney Todd "punk rock".
Questionado sobre a relação do barbeiro com Edward Mãos de Tesoura (depois de voltar do exílio, ao se reapropriar de suas antigas navalhas, Todd diz: "Finalmente, meu braço está completo"), o cineasta afirma que era "muito mais otimista" com o mundo quando filmou "Edward", também interpretado por Depp, no final dos anos 80.
"Edward só ficou bravo uma vez. Esse cara aí está sempre bravo. É como se o Edward Mãos de Tesoura tivesse passado por uma grave depressão", diz ele.
Na fábula sombria de Burton, a Londres retratada na maior parte do filme surge quase em preto-e-branco; ruas, roupas e personagens parecem sujos; e os momentos mais "coloridos" estão num passado sem volta ou no delírio dos personagens.
Trata-se de um cenário inusitado onde um personagem possa, de repente, cantar. Os atores principais, Depp e Bonham Carter, reconhecem não ter experiência no gênero. Sondheim, de toda forma, é elegante o bastante na entrevista para dizer que prefere atores que saibam cantar a cantores que consigam interpretar.
Edward Sanders, o adolescente que interpreta um órfão adotado por Mrs. Lovett, é talvez o melhor cantor do elenco. Sobre o contraste entre a trama e o gênero musical, ele diz: "Acho que a música torna o filme ainda mais assustador".


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