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Memória
Baudrillard foi precursor da crítica aos simulacros do mundo virtual
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
O filósofo francês Jean Baudrillard, morto anteontem, é
considerado um dos pais do
pós-modernismo, ao lado de
teóricos como Jean-François
Lyotard e Fredric Jameson. O
título, longe de ser honorífico,
está cercado de ambigüidades.
Para muitos críticos, a expressão "pós-moderno" está
associada a um terrorismo
epistemológico, que consistiria
em reduzir qualquer discurso a
"constructos" mentais sem lastro de realidade. E este, por sua
vez, legitimaria o relativismo
ético, o vale-tudo moral num
mundo sem certezas.
Entretanto, a noção de "simulacro", proposta por Baudrillard para explicar a paisagem
pós-industrial, se dirige justamente contra esse apagamento
dos limites entre o real e suas
representações. Para ele, lidamos em nosso cotidiano apenas
com um "código" (e não com
realidades palpáveis); a era da
reprodução técnica do mundo
se intensificou a ponto de assimilar o existente a um sistema
de signos que cancela a própria
idéia de "original", dos objetos
naturais que a linguagem representaria:
"O significado e o referente
foram abolidos para o único
proveito do jogo de significantes, de uma formalização generalizada na qual o código já não
se refere a nenhuma realidade
subjetiva ou objetiva, mas à sua
própria lógica", escreve em "O
Espelho da Produção".
Pensamento crítico
A afirmação não difere muito
de correntes filosóficas que colocam a linguagem não apenas
como instância de nossa percepção mas como algo que dá
forma ao mundo. E, ao fazê-lo,
modifica sua essência, constituindo uma espécie de "segunda natureza".
Se essa idéia da volatilização
do existente se difundiu nas últimas décadas, sob influxo dos
meios de comunicação e das
realidades virtuais, coube a
Baudrillard detectar o processo
em seu estado nascente.
Iniciando sua trajetória em
Nanterre, reduto dos intelectuais de maio de 68 e de uma
reação ao estruturalismo de
Lacan, Barthes e Foucault,
Baudrillard compartilha com
eles a matriz de um pensamento crítico moderno (Marx,
Freud, Nietzsche).
Para estes "mestres da suspeita" (segundo expressão de
Paul Ricoeur), sempre há algo
que permanece irrepresentado
-como podemos ver em noções psicanalíticas como "recalque", "lapso", ou em categorias sociológicas como "alienação", "ideologia", "fetiche" etc.
Baudrillard chamou a atenção para o fato de que essas fissuras haviam ultrapassado âmbitos específicos (psique, relações de trabalho), produzindo
uma hiper-realidade. Numa de
suas primeiras obras, "O Sistema dos Objetos", ele amplifica a
distinção marxista entre "valor
de uso" e "valor de troca" da
mercadoria, assinalando que
todo objeto tem um valor simbólico intrínseco, que não pode
ser visto apenas como excedente de suas funções utilitárias.
A partir daí, sua obra se desenvolveu sob a égide do imediato, acompanhando as mutações que nosso imaginário foi
sofrendo sob o impacto dos simulacros, das experiências que
reescrevem a dicotomia entre
real e imaginário. Crítico da comunicação, Baudrillard foi um
polemista que fez largo uso da
imprensa para veicular suas inquietações.
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