São Paulo, quinta-feira, 08 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

COMIDA

Patinhos feios da feira

Ignoradas nas mesas das grandes cidades, hortaliças como o jiló, o quiabo, o chuchu, o maxixe e a beterraba são recuperadas por chefs de restaurantes gastronômicos

RACHEL BOTELHO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A não ser que você tenha crescido em uma fazenda ou passado longas férias no sítio de avós ou outros parentes, é improvável que ingredientes considerados pouco nobres como o jiló, o quiabo, o chuchu, o maxixe e até mesmo a beterraba façam parte de sua dieta.
Por desconhecimento ou um bocado de preconceito, o fato é que hortaliças cultivadas há séculos no interior do Brasil são ignoradas nas mesas das grandes cidades.
"A cada dia, o contato com as coisas populares e alimentos desprezados diminui mais.
Eles ficaram muito restritos à gastronomia mais elaborada", afirma Mara Salles. A chef do Tordesilhas se refere a um fenômeno crescente, do qual orgulhosamente faz parte: o resgate em restaurantes gastronômicos de ingredientes que são não apenas nutritivos, mas estão intimamente ligados à cultura alimentar do brasileiro.
Seja no cardápio de seu restaurante ou no concorrido bufê dos domingos, não faltam receitas como salada fria de chuchu com ovos, chips crocantes de jiló e torta de maxixe com queijo de cabra. "As pessoas, principalmente as crianças, torcem o nariz. Quem cultiva esses hábitos são as pessoas mais de antigamente", conta.
Para Maurício Lopes, professor do curso de gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi, o que dificulta a apreciação mais ampla desses ingredientes é o desconhecimento quanto ao preparo. "O problema é a falta de domínio do método de cocção, que tem de ser rápido para não perder sabor, textura nem nutrientes."
Segundo ele, é preciso observar certas peculiaridades para extrair o melhor de cada hortaliça. "O jiló precisa estar meio verde para ficar gostoso. Pode ser frito, cozido etc. O maxixe é uma delícia e aparece na cozinha brasileira em tortas elaboradas, caldinhos, gratinado. O chuchu é muito parecido. Falam que não tem gosto, mas bem colhido e trabalhado é saboroso e combina bem com camarão e molhos franceses."

Encanto do quiabo
No Rio também há chefs dispostos a transformar ingredientes aparentemente banais em iguarias. Roberta Sudbrack, que comanda o restaurante homônimo, prepara quiabo defumado com camarão e uma beterraba em caramelo que é praticamente uma sobremesa, além de emprestar nova cara ao clássico camarão com chuchu cantado por Carmen Miranda.
Após uma viagem a Minas Gerais no início do ano, onde a hortaliça é muito apreciada, Sudbrack dedicou elogios rasgados ao quiabo em seu blog (www.egogourmet_roberta.globolog.com.br). "Estou realmente encantada com as possibilidades desse ingrediente, suas nuances, sua sensualidade (...) Textura crocante, sabor mais para o amargo do que para o doce, levemente insinuante...", escreveu.
Tão repudiado por sua "baba" viscosa, o quiabo -quem diria- virou a vedete de seu menu-degustação atual. A chef pretende estudá-lo ao longo deste ano para tentar descobrir novas maneiras de prepará-lo.
"É uma missão de dignificar mais esse ingrediente, e tem de ser corajoso para fazer isso. Minha equipe já está preparada para ouvir pessoas dizerem que não comem quiabo e tentar convencê-las a experimentar."
Uma das possibilidades que a chef já aprovou é o quiabo defumado. Em uma grelha de ferro bem quente, coloca o quiabo inteiro até tomar cor em todos os lados. Depois, rega-o com azeite, aos poucos, formando uma fumaça que transmite a sensação de defumado. "Não fica nenhum vestígio de baba e depois pode ser servido como quiser", afirma. Outra idéia é caramelizá-lo inteiro em uma panela de barro, ferro ou pedra-sabão, usando manteiga e azeite.
Mas, entre todos os patinhos feios da culinária, nenhum desperta tanta repulsa quanto o jiló. Raramente encontrado em restaurantes paulistanos, ele aparece em versão picante na cantina Pasquale, ao lado de outros antepastos. Temperado com vinagre aromatizado em pimenta-de-cheiro, é descascado, escaldado e servido em quatro gomos. "Não é dos mais pedidos, mas quem gosta muito de pimenta e interessados em cozinha brasileira não perdem.
O Alex Atala amou", afirma Giorgio Nigro, filho e braço-direito do proprietário da casa. Para Nigro, o jiló é como o alho: desperta amor e ódio. "Tem gente que nunca comeu e odeia porque é amargo, principalmente quando refogado, que é a maneira mais tradicional de servi-lo."


PASQUALE
Onde:
r. Amália de Noronha, 167, Sumaré, tel. 0/xx/11/3081-0333

ROBERTA SUDBRACK
Onde:
r. Lineu de Paula Machado, 916, Jardim Botânico, Rio de Janeiro, tel. 0/xx/21/3874-0139

TORDESILHAS
Onde:
r. Bela Cintra, 465, Consolação, tel. 0/xx/11/3107-7444


Texto Anterior: Bom e barato: Aubergine tem receitas originais
Próximo Texto: "Eu sou do camarão ensopadinho com chuchu"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.