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Crítica/biografia/"John Lennon - A Vida"
Freud adoraria a vida de Lennon
Em mais de 800 páginas, Philip Norman diz que ex-beatle desejou a mãe e teve caso com Brian Epstein
ANDRÉ BARCINSKI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"Beatle queria comer
a mãe"; "Yoko diz:
John tinha tesão
por Paul"; "Beatle ameaça matar o pai"; "Após encher a cara,
beatle manda amigo pro hospital". Se vivo fosse, o saudoso
"Notícias Populares" poderia
usar qualquer uma dessas manchetes para anunciar o lançamento de "John Lennon - A Vida", a aguardada biografia escrita por Philip Norman.
Não que o livro seja sensacionalista. A trajetória de Lennon,
uma das figuras mais marcantes do século 20, foi realmente
cheia de lances pitorescos.
Mesmo se esquecermos a metade mais conhecida de sua vida, depois que se tornou um
Beatle, seus primeiros 20 anos
também dariam -como deram- um livro formidável.
Filho de um marinheiro mercante, Freddie, e de uma boêmia, Julia, Lennon teve a infância marcada pela ausência prolongada do pai, a aberta infidelidade da mãe e as brigas constantes dos dois. Aos seis anos,
num episódio que o marcaria
profundamente, teve de escolher entre a mãe (que já vivia
com um amante) e o pai. Ficou
com ela, mulher bonita e sedutora, mas emocionalmente incapaz de criá-lo -Julia praticamente o deu para a irmã, Mimi,
uma matrona fria e calculista,
que o criou como se fosse seu.
A cinzenta Liverpool
O que há de mais interessante no livro de Norman é justamente esse panorama da juventude de John na cinzenta
Liverpool do pós-guerra. Vivendo uma vida burguesa de
privilégios -cortesia da tia Mimi-, mas irresistivelmente
atraído pela rudeza das docas,
Lennon cresceu obcecado pela
literatura surrealista de Lewis
Carroll, pelo humor anárquico
dos programas de rádio de Spike Milligan e Peter Sellers e pelo rock'n'roll primitivo de Elvis
Presley, Chuck Berry e Little
Richard. O resultado foi um jovem dotado de senso de humor
corrosivo, uma língua ferina e
um profundo desrespeito por
qualquer tipo de autoridade.
Norman, que já havia escrito
uma ótima biografia dos Beatles, "Shout", não se furta a esmiuçar os detalhes mais delicados da vida de Lennon. Entrevistando vários amigos e desencavando antigas entrevistas, o
autor reconta como, aos 14
anos, deitado na cama da mãe,
ele "acidentalmente tocou o
seio de Julia". "Eu me perguntava se devia fazer algo mais",
disse Lennon. "Sempre achei
que devia ter feito. Presumivelmente, ela teria permitido."
Freud teria um prato cheio
com John Lennon. Além do
complexo de Édipo e da total
ausência de uma figura paterna, ele viu quatro de suas pessoas mais queridas morrerem
de forma violenta e inesperada:
primeiro foi o amado tio George, marido de Mimi; depois, a
mãe, Julia, atropelada quando
ele tinha 17 anos. A lista de fatalidades continuou com Stu Sutcliffe, baixista de uma das primeiras formações dos Beatles e
grande ídolo do líder da banda,
e com Brian Epstein, o jovem e
brilhante agente dos Beatles,
morto de overdose, com quem
Lennon supostamente teve um
rápido caso amoroso.
Orgias e bebedeiras
A história do surgimento, ascensão e queda dos Beatles,
embora contada e recontada
mil vezes, é sempre emocionante. As orgias e bebedeiras
dos primeiros shows em Hamburgo, a explosão da beatlemania, o apogeu criativo com os
revolucionários álbuns "Rubber Soul" (1965), "Revolver"
(1966) e "Sgt. Pepper's Lonely
Hearts Club Band" (1967), as
brigas com Paul e George, o romance com Yoko Ono, o fim
dos Beatles, a carreira solo, tudo é contado por Norman em
riqueza de detalhes.
Claro que alguns fãs -e os
Beatles, mais do que qualquer
banda, têm admiradores xiitas- vão reclamar de omissões
ou supostos ataques a Lennon.
Mas, no geral, o livro é fabuloso
e uma leitura fácil, apesar de
seu tamanho de enciclopédia
-mais de 800 páginas.
Lennon sai da história não
como super-herói, e sim como
um sujeito inseguro, por vezes
violento e venenoso, mas também capaz de gestos de extrema bondade, dono de um talento criativo sem igual e de uma
coragem incomparável para
exorcizar seus demônios em
público, por meio da música.
JOHN LENNON - A VIDA
Autor: Philip Norman
Tradução: Roberto Muggiati
Editora: Companhia das Letras (previsão de chegada às lojas: 12/3)
Quanto: R$ 69 (856 págs.)
Avaliação: ótimo
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