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BIENAL DO LIVRO
Em nome do pai
Divulgação
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Cena do filme "Pai Patrão" (1976), dos irmãos Taviani, baseado no livro em que Gavino Ledda conta histórias de sua infância no sul da Itália; obra será relançada na Bienal do Livro, em SP, neste mês |
Marco da literatura italiana do pós-guerra, "Pai Patrão", no qual Gavino Ledda cria um idioma próprio para contar histórias de sua infância, será relançado com nova tradução
Em entrevista, o escritor italiano fala sobre o processo de criação de sua obra, do
não-convencionalismo de sua escrita e do filme que levou seu livro ao cinema
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MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
Do analfabetismo para a prosa
de vanguarda. Assim é a trajetória
do escritor italiano Gavino Ledda,
64, que foi arrancado da escola
pelo pai autoritário, passou a infância como pastor de ovelhas em
sua Sardenha natal e só retomou
os estudos em idade adulta.
Essa história de superação é
contada em "Pai Patrão", cuja nova tradução (a primeira foi publicada no fim dos anos 70) a editora
Berlendis & Vertecchia lança nesta Bienal do Livro (que acontece
entre os dias 15 e 25 de abril), com
a presença do autor no Salão de
Idéias (dia 21 de abril, às 19h).
Marco da literatura italiana do
pós-guerra, o livro faz uma dolorosa aproximação entre repressão
patriarcal e exploração econômica, mas é também uma parábola
sobre o poder reparador da literatura. A edição inclui textos mais
recentes e experimentais, como
"Recanto", em que Gavino Ledda
faz um cruzamento de radicais e
sufixos do italiano e do sardo para
criar um idioma próprio, repleto
de neologismos, que ele chama de
"língua pluridimensional".
Leia a seguir a entrevista que
Ledda deu à Folha de sua casa, na
aldeia de Siligo, onde vive com
seu "pai patrão", hoje com 97
anos e orgulhoso do filho que se
tornou escritor.
Folha - A sua experiência pessoal,
contada em "Pai Patrão", é comparável à vivência de outros filhos de
camponeses italianos dos anos 50?
Gavino Ledda - A primeira parte
do livro e da minha vida é semelhante à de outras crianças. Embora fosse um pouco excepcional
que um menino tão pequeno trabalhasse no campo, pode-se dizer
que a experiência de um pastor
sardo é igual à de Gavino.
Já a segunda parte do livro é totalmente diferente, porque Gavino descreve a experiência dos
pastores a partir de dentro, a partir do vivido. Nesse sentido, o livro tem algo de único, e não apenas para a Sardenha: eu escrevi
uma ilíada jamais escrita, uma
ilíada sem sangue: eu não era
Aquiles e meu adversário não era
Heitor. Era eu contra mim mesmo, e a muralha a ser superada
não era o escudo ou a espada do
outro, mas a ignorância e a história ignara dos homens.
Folha - Seu livro é uma crítica da
relação essencial que existe entre
os poderes do pai e do patrão?
Ledda - Na moral agropastoral
do pai patrão, do "pater familias",
o filho faz parte do pecúnio, é como os animais: o pai dispõe dele
como quer, tem plenos direitos
sobre o filho. Existe a relação pai-filho e a relação pai-patrão. Uma
outra coisa é a relação patrão-menino (que jamais deveria existir).
A poesia me ajudou a superar esses três espectros.
Folha - A literatura foi uma forma
de o pequeno pastor não virar patrão?
Ledda - Sim. Tanto o romance
quanto o filme (dos irmãos Taviani) foram vistos em chave "patronal", como história do pai, e não
do filho. O que importa é que Gavino se rebela, se recusa a ser servo dos outros, mas também se recusa a se tornar um patrão. Gavino é um garoto que quer dizer a
todos os outros meninos da Terra: podemos mudar a nós mesmos e podemos mudar um pouco
nossos pais. Meu segundo livro,
"Lingua di Falce" (Língua de Foice, de 1977), traz justamente este
tema: o imperativo de não se tornar patrão.
Folha - Qual a sua avaliação do filme "Pai Patrão", dirigido pelos irmãos Taviani?
Ledda - Só os Taviani podiam fazê-lo na Itália daquele momento,
pois tinham uma poética da utopia. Para eles, o romance era um
pedaço de utopia que se tornava
realidade. Mas o filme tem um
ponto de vista externo -e não
poderia ser diferente.
Já o romance foi escrito de dentro do ovil. Espero um dia filmar o
meu próprio "Pai Patrão", interpretando meu pai.
Folha - Quando pequeno, o sr. já
acreditava que seria escritor?
Ledda - Não. Posso ter pensado
nisso ocasionalmente, assim como podia sonhar em ser músico
ou campeão de ciclismo. Mas são
fantasias de menino. Foi só depois
de me diplomar que tomei a decisão de escrever. Normalmente se
nasce poeta e depois se tem a experiência como pastor, como mineiro etc. Fiz o percurso contrário. Era preciso ter sido pastor por
20 anos para escrever "Pai Patrão". Foi graças a essa experiência que me tornei um escritor "rochoso", que procura esculpir o
vento.
Folha - "Pai Patrão" é um romance naturalista. Já "Recanto" é uma
obra "experimental", dentro do
que o sr. denomina "língua pluridimensional". A fome de palavras se
transformou em desejo de criar
uma língua pessoal?
Ledda - Sem o vôo dos irmão
Wright, a aeronáutica seria outra
coisa. Da mesma maneira, "Recanto" é o primeiro vôo da mente
numa língua pluridimensional.
Aristóteles definiu a língua escrita
como convenção. Mas, assim como um enunciado científico só é
válido até que chegue a prova
contrária, a língua pluridimensional não se limita a reproduzir a
convenção. Ela é um salto no qual
o escritor toma os radicais dos
verbos ou os sufixos das palavras
para transformá-las, recriá-las,
dando asas à língua.
PAI PATRÃO/RECANTO. Autor: Gavino
Ledda. Tradução: Lilioana Laganá e Ivan
Neves Marques Jr. Editora: Berlendis &
Vertecchia. Quanto: a definir (322 págs.).
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