São Paulo, sábado, 08 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

No Velho Oeste ele nasceu

Elmore Leonard, "xerife" da literatura policial dos EUA, tem livros de faroeste lançados no país

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 75 anos, Elmore Leonard tem uma vasta carreira de crimes nas costas. O senhor magrela de olhos claros calcula já ter matado "muito mais de mil". Mas não é a violência que elevou esse veterano da Segunda Guerra ao Olimpo.
Dono de uma das canetas mais rápidas das letras norte-americanas (ele se recusa a aderir aos computadores), o escritor já publicou 39 romances, que fizeram dele um dos maiores nomes do planeta na literatura calibre 38.
Os diálogos "na mosca" e a alvenaria original dos personagens seduziram uma multidão de leitores, sujeitos como o cineasta Quentin Tarantino, que declara a quatro ventos que seu autor predileto é Leonard, de quem já adaptou "Ponche de Rum" (o filme "Jackie Brown") e a quem homenageia em "Kill Bill 2", exibindo em uma cena cartaz do filme "Mr. Majestyk", outra obra do escritor levada ao cinema.
O que poucos se lembram é que Mr. Leonard começou a carreira, redondos 50 anos atrás, com livros de faroeste. E que são dele pelo menos dois dos clássicos absolutos do gênero: "Hombre" (1961) e "Valdez Vem Aí" (1969), ambos filmados com sucesso.
E não é que alguma editora brasileira se deu conta disso? A Rocco está lançando os dois livros pela primeira vez no país, acompanhados de outros três westerns de Leonard, obras que abrem a "Coleção Faroeste", por enquanto só com obras do autor de Detroit. Foi de lá que o "xerife" falou com a Folha. Leia a seguir trechos do "duelo", sem mortos ou feridos.
 

Folha - O faroeste, tanto na literatura quanto no cinema, vem perdendo força há décadas no seu habitat natural, os Estados Unidos. Qual o motivo dessa decadência?
Elmore Leonard -
É uma longa decadência, que começou no final dos anos 50. Havia tantos programas de faroeste na TV que as pessoas sentiam que não precisavam mais ler as histórias. Revistas muito populares simplesmente deixaram de ser publicadas. Os westerns morreram com essas revistas "pulp". Pouco depois, os filmes de faroeste começaram a perder público porque custava muito fazê-los e não se conseguia a mesma comoção obtida com um punhado de efeitos especiais.

Folha - Foi o declínio do western que o levou aos romances policiais?
Leonard -
Exato. Quando comecei, nos anos 50, tinha vontade de escrever ou romance policial ou western e resolvi iniciar com o segundo. Quando vi que não agradava mais, mudei para os crimes.

Folha - A literatura faroeste do sr. foi influenciada pelo boom de filmes de faroeste nos anos 40 e 50?
Leonard -
Mais do que me influenciar, os filmes me estimularam. Como havia boa probabilidade de vender os romances para o cinema, eu ficava instigado a escrever para ganhar dinheiro. E não era fácil. Escrevi "Hombre" em 1959 e só consegui publicá-lo dois anos depois. O filme é de 67.

Folha - Quais as diferenças entre seus faroestes e seus policiais?
Leonard -
Não estou certo de que existam muitas diferenças. Em ambos, a ênfase é dada nos personagens, não nas tramas. As histórias só aparecem ao passo que vou escrevendo. Só quando já fiz cem páginas descubro o que vai acontecer com meus personagens.

Folha - Quais elementos não podem faltar em um western?
Leonard -
Posso te dizer o que nunca fiz e que aparece em praticamente todos os filmes: a cena do duelo na rua entre o bonzinho e o malvado. Nunca usei isso, pois acho que nunca aconteceu. Nas pesquisas que fiz em jornais da época, se alguém queria matar outro alguém se armava o melhor que podia, ia até onde seu inimigo estava e começava a atirar. E eles não eram tão bons assim no gatilho, com aqueles .44 pesadões. Erravam os tiros o tempo todo.

Folha - Os tiros de .44 que os caubóis davam nos índios e outros traços de comportamentos deles deram ao gênero uma reputação de conservador. O sr. concorda?
Leonard -
Os caubóis eram mesmo conservadores. Viviam estritamente pregando a idéia da lei. Não conhecemos a verdade sobre os caubóis. Mal sabemos que eram em boa parte negros.

Folha - O sr. mora há muitos anos em Detroit, tradicionalmente o coração da indústria automobilística dos Estados Unidos. O sr. também sabe "dirigir" cavalos?
Leonard -
Faz muito tempo desde minha última cavalgada. Acho que foi em 1941. Saí para Montana com um grupo e fizemos uma viagem de três dias a cavalo. Não tive vontade desde então.

Folha - O sr. já disse que o western é seu gênero favorito, mas parou de escrever nesse gênero há tempos. O sr. não tem vontade de voltar ao "Velho Oeste"?
Leonard -
Pois é, não escrevo um western desde 1979. Não tenho planos concretos de voltar ao western, embora seja sempre cobrado pelos leitores. Acho que histórias de caubóis não venderiam hoje.

Folha - Mas o sr. ainda se chateia com o número de cópias vendidas?
Leonard -
É, vendo 100 mil exemplares de cada livro. Isso é bom, me coloca na lista dos "top" do "New York Times". Mas não dá para me equiparar a John Grisham, que vende 2 milhões por livro. Isto sim é impressionante.


HOMBRE/VALDEZ VEM AÍ/NA MIRA DA ARMA/QUARENTA CHIBATADAS MENOS UMA/OS CAÇADORES DE RECOMPENSAS. Autor: Elmore Leonard. Editora: Rocco. Tradutores: Fernando Monteiro (Hombre), Ebréia de Castro Alves (Valdez) e Aulyde Soares Rodrigues (os demais). Quanto: R$ 30 (cada um).


Texto Anterior: Programação
Próximo Texto: "Cavalaria" reforça série com contos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.