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LIVROS
Crítica/"A Janela de Esquina do Meu Primo"
Hoffmann ensina a olhar a beleza da multidão
Em conto autobiográfico, alemão cria
efeito de fragmentação e de colagem
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Manchas pequenas
provocam vertigem
no espectador, até
que a literatura, que o ensina a
olhar, lhe faz ver que as manchas são pessoas: feirantes,
criadas e madames numa praça
de Berlim. Não é uma mulher o
que parecia uma mancha vermelha? E a outra, não era uma
mancha azul?
Essas pessoas aparecem, somem, reaparecem e um olho
por trás de uma luneta, através
de uma janela na esquina de um
prédio, as acompanha. Esse
olho mal instruído é orientado
para uma visão mais cuidadosa
por seu primo, um escritor paralítico, cuja distração é sentar-se à janela e observar a feira.
Este primo é um duplo autobiográfico do autor do livro,
E.T.A. Hoffmann (1776-1822),
que o escreveu dois meses antes de morrer da mesma doença da personagem. A janela, a
luneta, a narração e a própria
composição flutuante da multidão contribuem para um efeito
de fragmentação e colagem,
princípio também das ótimas
ilustrações de Daniel Bueno.
Restos de fotografias, superposições de texturas, cestos e
frutas formam uma paisagem
simples e múltipla, como é a
própria multidão. Por meio de
uma janela indiscreta, como
explica o excelente posfácio de
Marcus Mazzari, Hoffmann é
um dos primeiros a pintar esse
fenômeno, que ocuparia o conto de Edgar Allan Poe "O Homem na Multidão" e textos de
Baudelaire e Walter Benjamin.
Se, na multidão, nada se reconhece e ninguém se olha, é só
nela que se obtém a beleza do
anonimato, da fugacidade e do
olhar multiplicado.
A aglomeração de pessoas
também permite a invenção de
histórias sobre o que fazem, de
onde vêm e o que querem. São
os mesmos seres que, mais tarde, estariam nas telas dos pintores impressionistas. Da mesma maneira que eles pintavam
não somente a cena, mas a maneira de olhá-la, assim também
Hoffmann, em 1822, às vésperas da morte, nos ensina, hoje, a
ver na multidão.
(NOEMI JAFFE)
A JANELA DE ESQUINA DO MEU
PRIMO
Autor: E.T.A. Hoffmann
Tradução: Maria Aparecida Barbosa
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 45 (80 págs.)
Avaliação: ótimo
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