São Paulo, sábado, 08 de maio de 2010

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LIVROS

Crítica/"A Janela de Esquina do Meu Primo"

Hoffmann ensina a olhar a beleza da multidão

Em conto autobiográfico, alemão cria efeito de fragmentação e de colagem

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Manchas pequenas provocam vertigem no espectador, até que a literatura, que o ensina a olhar, lhe faz ver que as manchas são pessoas: feirantes, criadas e madames numa praça de Berlim. Não é uma mulher o que parecia uma mancha vermelha? E a outra, não era uma mancha azul?
Essas pessoas aparecem, somem, reaparecem e um olho por trás de uma luneta, através de uma janela na esquina de um prédio, as acompanha. Esse olho mal instruído é orientado para uma visão mais cuidadosa por seu primo, um escritor paralítico, cuja distração é sentar-se à janela e observar a feira.
Este primo é um duplo autobiográfico do autor do livro, E.T.A. Hoffmann (1776-1822), que o escreveu dois meses antes de morrer da mesma doença da personagem. A janela, a luneta, a narração e a própria composição flutuante da multidão contribuem para um efeito de fragmentação e colagem, princípio também das ótimas ilustrações de Daniel Bueno.
Restos de fotografias, superposições de texturas, cestos e frutas formam uma paisagem simples e múltipla, como é a própria multidão. Por meio de uma janela indiscreta, como explica o excelente posfácio de Marcus Mazzari, Hoffmann é um dos primeiros a pintar esse fenômeno, que ocuparia o conto de Edgar Allan Poe "O Homem na Multidão" e textos de Baudelaire e Walter Benjamin.
Se, na multidão, nada se reconhece e ninguém se olha, é só nela que se obtém a beleza do anonimato, da fugacidade e do olhar multiplicado.
A aglomeração de pessoas também permite a invenção de histórias sobre o que fazem, de onde vêm e o que querem. São os mesmos seres que, mais tarde, estariam nas telas dos pintores impressionistas. Da mesma maneira que eles pintavam não somente a cena, mas a maneira de olhá-la, assim também Hoffmann, em 1822, às vésperas da morte, nos ensina, hoje, a ver na multidão. (NOEMI JAFFE)


A JANELA DE ESQUINA DO MEU PRIMO

Autor: E.T.A. Hoffmann
Tradução: Maria Aparecida Barbosa
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 45 (80 págs.)
Avaliação: ótimo




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