São Paulo, sexta, 8 de maio de 1998

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TEATRO - CRÍTICAS
"O Senhor Paul" anuncia a vitória do velho

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

Uma das peças de Tchecov que escaparam das montagens inspiradas pelo centenário do Teatro de Arte de Moscou foi "O Jardim das Cerejeiras". Retrata o confronto, no fim do século passado, entre a Rússia nobre e uma nova era que se estabelece, burguesa.
Confronta dois personagens de muito carinho um pelo outro, a aristocrata falida Raniévskaia e o negociante Lopakine, que lhe compra o cerejal do título. Tankred Dorst, em novo fim de século, desenhou em "O Senhor Paul" um espelho distorcido de "O Jardim das Cerejeiras".
O confronto é novamente entre o velho e o novo -o velho Paul, que mora nas ruínas de uma fábrica que era do pai de Helm, o jovem que acaba de herdar o lugar e quer tirar Paul dali, para tornar o prédio em algo "produtivo". As ruínas não são nenhum jardim de cerejeiras, nada têm de nobre.
Escrita há quatro anos por um dramaturgo que pode ser dado como o grande autor alemão, agora que Heiner Mueller morreu, a peça é pós-queda do muro. E Tankred Dorst, que já foi um profeta pós-moderno em peças como "Merlim ou A Terra Deserta", escreveu "O Senhor Paul" ainda mais desesperançado.
As ruínas da fábrica são, se assim se quiser entender, uma metáfora das ruínas do século 20. Helm, por outro lado, é um jovem "eficiente" que quer ultrapassar as barreiras impostas pelas ruínas do século para erguer algo novo, que tenha utilidade -sobretudo, que dê dinheiro para ele viver.
Mas é também Helm, um jovem que cresceu ouvindo histórias sobre Paul, que vê nele alguém venerável, até atemorizante.
Por aí vai o conflito. Paul se nega a aceitar a vontade de Helm, embora pudesse ser tirado dali sem a menor dificuldade, pelo jovem. Ele luta por se manter ineficiente, um "parasita", como o qualifica Helm. O conflito se avoluma, menos pela resistência do velho do que pelas dúvidas do jovem.
Até que "O Senhor Paul" atinge um clímax de terror físico, afinal uma impostura do velho -ou da inação.
A peça termina no extremo oposto de "O Jardim das Cerejeiras", anunciando o nada, mudança nenhuma -a estagnação em lugar da revolução.
É Tankred Dorst, mais desesperançoso do que nunca nestes tempos pós-queda do muro de Berlim -o que para ele, alemão, tem significados imediatos, reais, maiores do que a quase alegoria que o acontecimento representou para o restante do mundo.
E trata-se de uma comédia, por estranho que seja, e no mais das vezes realista, simples, com grandes deixas para uma comediante como Iara Jamra, que faz a namorada de Helm, Lilo.
Sem a voz esganiçada de outros momentos, mais contida ao menos, Iara Jamra/Lilo não leva a sério a batalha existencial violenta de Paul e Helm. Brinca, conversa, cria cumplicidade com ambos, como que a anunciar que, afinal, nada vai mudar mesmo, ou nada vale tanto suor e angústia.
É a interpretação mais atraente, em que pesem os bons trabalhos de Luiz Damasceno (que vem de ser o ator típico de Gerald Thomas) como Paul e de Marco Antônio Pâmio (que foi o Romeu da conhecida montagem de Antunes Filho) como Helm.
Talvez venha dos personagens, mais do que deles, mas a contrição de ambos dá à montagem uma carga dramática que o texto não aponta.
De volta a "O Jardim das Cerejeiras", o que Dorst parece buscar, como Tchecov, está mais para uma farsa do que para um drama realista. Mas o trio central está bem, apoiado ainda por uma impagável Beatriz Tragtemberg, como Luise, a irmã despachada de Paul.


Peça: O Senhor Paul
Direção: Sérgio Ferrara
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h e 20h
Onde: Instituto Goethe (r. Lisboa, 974, tel. 011/971-5262)
Quanto: R$ 15



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