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TEATRO - CRÍTICAS
"O Senhor Paul" anuncia a vitória do velho
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
Uma das peças de Tchecov que
escaparam das montagens inspiradas pelo centenário do Teatro de
Arte de Moscou foi "O Jardim das
Cerejeiras". Retrata o confronto,
no fim do século passado, entre a
Rússia nobre e uma nova era que
se estabelece, burguesa.
Confronta dois personagens de
muito carinho um pelo outro, a
aristocrata falida Raniévskaia e o
negociante Lopakine, que lhe
compra o cerejal do título. Tankred Dorst, em novo fim de século, desenhou em "O Senhor Paul"
um espelho distorcido de "O Jardim das Cerejeiras".
O confronto é novamente entre
o velho e o novo -o velho Paul,
que mora nas ruínas de uma fábrica que era do pai de Helm, o jovem
que acaba de herdar o lugar e quer
tirar Paul dali, para tornar o prédio em algo "produtivo". As ruínas não são nenhum jardim de cerejeiras, nada têm de nobre.
Escrita há quatro anos por um
dramaturgo que pode ser dado como o grande autor alemão, agora
que Heiner Mueller morreu, a peça é pós-queda do muro. E Tankred Dorst, que já foi um profeta
pós-moderno em peças como
"Merlim ou A Terra Deserta", escreveu "O Senhor Paul" ainda
mais desesperançado.
As ruínas da fábrica são, se assim
se quiser entender, uma metáfora
das ruínas do século 20. Helm, por
outro lado, é um jovem "eficiente" que quer ultrapassar as barreiras impostas pelas ruínas do século para erguer algo novo, que tenha utilidade -sobretudo, que dê
dinheiro para ele viver.
Mas é também Helm, um jovem
que cresceu ouvindo histórias sobre Paul, que vê nele alguém venerável, até atemorizante.
Por aí vai o conflito. Paul se nega
a aceitar a vontade de Helm, embora pudesse ser tirado dali sem a
menor dificuldade, pelo jovem.
Ele luta por se manter ineficiente,
um "parasita", como o qualifica
Helm. O conflito se avoluma, menos pela resistência do velho do
que pelas dúvidas do jovem.
Até que "O Senhor Paul" atinge
um clímax de terror físico, afinal
uma impostura do velho -ou da
inação.
A peça termina no extremo
oposto de "O Jardim das Cerejeiras", anunciando o nada, mudança nenhuma -a estagnação em
lugar da revolução.
É Tankred Dorst, mais desesperançoso do que nunca nestes tempos pós-queda do muro de Berlim
-o que para ele, alemão, tem significados imediatos, reais, maiores do que a quase alegoria que o
acontecimento representou para o
restante do mundo.
E trata-se de uma comédia, por
estranho que seja, e no mais das
vezes realista, simples, com grandes deixas para uma comediante
como Iara Jamra, que faz a namorada de Helm, Lilo.
Sem a voz esganiçada de outros
momentos, mais contida ao menos, Iara Jamra/Lilo não leva a sério a batalha existencial violenta
de Paul e Helm. Brinca, conversa,
cria cumplicidade com ambos, como que a anunciar que, afinal, nada vai mudar mesmo, ou nada vale
tanto suor e angústia.
É a interpretação mais atraente,
em que pesem os bons trabalhos
de Luiz Damasceno (que vem de
ser o ator típico de Gerald Thomas) como Paul e de Marco Antônio Pâmio (que foi o Romeu da conhecida montagem de Antunes Filho) como Helm.
Talvez venha dos personagens,
mais do que deles, mas a contrição
de ambos dá à montagem uma
carga dramática que o texto não
aponta.
De volta a "O Jardim das Cerejeiras", o que Dorst parece buscar,
como Tchecov, está mais para
uma farsa do que para um drama
realista. Mas o trio central está
bem, apoiado ainda por uma impagável Beatriz Tragtemberg, como Luise, a irmã despachada de
Paul.
Peça: O Senhor Paul
Direção: Sérgio Ferrara
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h e
20h
Onde: Instituto Goethe (r. Lisboa, 974, tel.
011/971-5262)
Quanto: R$ 15
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