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CINEMA - ESTRÉIAS
'Mera Coincidência' não é mera coincidência
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Até por conta do título idiota
que lhe deram no Brasil ("Mera
Coincidência"), "Wag the Dog"
poderia parecer apenas uma sátira
oportunista ao recente envolvimento do presidente dos EUA, Bill
Clinton, em escândalos sexuais.
De fato, lá está a história de um
presidente (Michael Belson) acusado de molestar sexualmente
uma impúbere bandeirante e dos
quiproquós improvisados por
seus assessores para abafar o caso,
às vésperas de uma eleição.
Mas o filme, surpreendentemente, é muito mais que isso. Primeiro, porque não está interessado no
que os presidentes americanos fazem ou deixam de fazer com garotinhas, mas sim na realidade paralela criada e difundida pela mídia e
pela publicidade.
Em decorrência disso, não é o
presidente o protagonista dessa
comédia arrasadora, mas sim os
dois homens convocados para
desviar a atenção do público do
escândalo inoportuno.
Eles são Conrad Brean (Robert
De Niro), especialista em quebrar
galhos de políticos, e Stanley
Motss (Dustin Hoffman), produtor hollywoodiano de grande renome e ego maior ainda.
Juntos, os dois bolam e colocam
na televisão (ou seja, tornam
"real") uma guerra contra a Albânia, encenada com todas as tintas
sentimentais e patrióticas que o
público adora.
Se Barry Levinson é um cineasta
impessoal, que costuma lançar
mão do sentimentalismo (vide
"Rain Man" e "Bom Dia, Vietnã"), aqui ele deixou de lado sua
caretice habitual e apostou tudo
num roteiro diabolicamente bem
feito (por Hilary Henkin e David
Mamet, a partir do romance
"American Hero", de Larry Beinhart) e na qualidade dos atores.
Não convém adiantar aqui as
confusões e reviravoltas do enredo. Basta dizer que, mesmo se
mantendo dentro das convenções
do cinema de espetáculo, essa comédia corrosiva esculhamba tudo
o que há de mais estúpido na sociedade norte-americana de hoje.
As manipulações da mídia, o cinismo do poder, a paranóia bélica,
a ignorância, a pieguice, o moralismo, a estupidez generalizada:
tudo o que há de mais americano
está concentrado ali.
Poder e informação
Isso vai soar como heresia, mas é
como se "Mera Coincidência"
fosse uma ilustração popular e cômica das teses de Jean Baudrillard
e Paul Virilio sobre as conexões
entre poder, guerra e informação.
Nesse aspecto, vai além de filmes
políticos que lhe são aparentados,
como "O Poder", de Sidney Lumet, e "Bob Roberts", de Tim
Robbins.
De acordo com o filme, cada vez
que surge um escândalo sexual na
Casa Branca o governo americano
inventa uma guerra em algum
ponto do planeta. Não deixa de ser
um retrato apropriado de uma nação composta de alto poderio militar, riqueza material, tecnologia
prodigiosa e mentalidade jeca.
Parece que "Mera Coincidência" não fez sucesso nos EUA. Não
admira. Num país onde gostar de
sexo é doença, onde crianças andam armadas mas são punidas por
beijar colegas, não poderia dar
certo uma comédia que não tem
humor histérico, nem música melosa, nem mensagens edificantes.
O grande público americano,
aparentemente, só gosta de comédias histéricas (Jim Carrey, Bette
Midler, Goldie Hawn, Dudley
Moore) ou daquelas séries televisivas que nos ensinam a hora certa
de dar risada.
Como no Brasil a regra é imitar,
mesmo na estupidez, tudo o que
acontece no norte da América, é
possível que aqui o filme também
fracasse. Será uma pena.
Filme: Mera Coincidência
Produção: EUA, 1997
Direção: Barry Levinson
Com: Dustin Hoffman, Robert De Niro
Quando: a partir de hoje, nos cines
Interlagos 2, Iguatemi 2, Bristol e circuito
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