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LIVROS
Testemunho do nazismo é um monumento austero
MARCELO COELHO
da Equipe de Articulistas
Victor Klemperer nasceu na Alemanha em 1881. Era filho de um rabino. Converteu-se ao protestantismo, lutou nas tropas do Kaiser
durante a Primeira Guerra, foi
condecorado, casou-se com uma
não-judia, tornou-se professor titular em Dresden e era reconhecido como um grande especialista
em literatura francesa.
Na década de 30, seu nome já
constava como verbete em enciclopédias, ao lado do de seu irmão
Georg, que fôra médico de Lênin, e
de seu primo Otto Klemperer, famoso maestro. A família tem outro
membro conhecido, aliás: trata-se
de Werner Klemperer, que fazia o
papel do comandante Klink, o chefe do campo de prisioneiros no seriado "Guerra, Sombra e Água
Fresca". Victor Klemperer estava
acabando de construir uma bela
casa nos arredores de Dresden
quando Hitler tomou o poder.
Estes diários cobrem o período
do domínio nazista na Alemanha,
de 1933 até 1945. Klemperer não
fugiu do país, nem foi mandado
para um campo de concentração.
Continuou em Dresden, passando
por toda sorte de privações, angústias, sobressaltos e violências.
O leitor talvez hesite diante de tema tão sombrio, e do tamanho do
livro -quase 900 páginas. Mas
basta começar a leitura para não
largar mais. Não apenas porque se
trata de um documento histórico
riquíssimo, ou por ser o texto de
um observador culto, desenganado e lúcido.
O que mais fascina nestes diários
é a estrutura quase teatral que as
circunstâncias vão impondo à narrativa. Sabemos que Klemperer sobreviverá (ele morreu em 1960).
Mas ele não sabe. Sabemos que haverá o Holocausto, que o terror nazista vai se intensificar a cada ano.
Mas ele não sabe.
Por que não fugiu? Em primeiro
lugar, considera-se alemão, e não
judeu. Tem horror aos sionistas e
aos bolcheviques. Há a casa nova:
sua mulher teria um baque se tivessem de abandoná-la. Achar
emprego em alguma universidade
estrangeira era difícil para ele. Sente-se incapaz de dar aulas em francês ou em inglês.
O cerco, entretanto, se fecha. Os
alunos vão ficando cada vez mais
raros. Klemperer é obrigado a jurar fidelidade a Hitler. Em 1935, é
aposentado compulsoriamente.
Seus vencimentos sofrem cortes
sucessivos.
A imagem dos campos de concentração e os números do genocídio tendem naturalmente a obscurecer todos os outros exemplos de
opressão contra os judeus. Mas a
lista das barbaridades que se acumulam a cada ano deste diário é
impressionante.
A casa de Klemperer é "arianizada". O casal tem de mudar-se para
uma habitação coletiva (para judeus de boa situação social). Judeus são proibidos
de frequentar a biblioteca pública. São
proibidos de ir ao cinema. Não podem
mais guiar carro. Não
podem possuir animais domésticos.
Não podem tomar
sorvete; não podem
comprar rabanetes.
Afirma-se que a
idéia da "solução final" na câmara de
gás só foi decidida
quando os nazistas já
davam a derrota como certa. Mas a sequência de medidas
discriminatórias e de
perseguições parece,
desde muito antes,
ser a preparação para
o Holocausto. A cada
ano, a vigilância sobre os judeus e a expropriação de seus
bens se intensifica no sentido de
deixá-los quase só com a roupa do
corpo, prontos para o transporte
aos campos de concentração.
Em 1945, Klemperer é forçado a
entregar, aos últimos judeus que
restam na cidade, as cartas intimando-os a se apresentarem para
a deportação. É quando começa o
bombardeio de Dresden. As últimas cem páginas do livro, contando a fuga do casal pela Alemanha
destruída, já são em si mesmas um
romance.
Mas é bastante frívolo falar em
"romance" ou dizer que o livro
"prende o interesse". Esse testemunho do nazismo é um monumento austero, aterrorizante e incontornável.
Avaliação:
Livro: Os Diários de Victor Klemperer
Autor: Victor Klemperer
Lançamento: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39 (896 págs.)
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