|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"AMOR EM FUGA"
Cópia restaurada de longa de 1978 finaliza série dedicada ao alter ego do diretor François Truffaut
Episódio é digno fecho das aventuras de Doinel
CRÍTICO DA FOLHA
"Amor em Fuga", episódio
que fecha a série dedicada
a Antoine Doinel, pode ser descrito como uma sequência de variações em torno dos mesmos temas:
o amor, as mulheres, a família.
Pela primeira vez, no entanto,
François Truffaut faz uma meditação sobre a própria criação: o
que existe de autobiográfico e de
fictício em sua criatura, porque alguns episódios devem falsear a
verdade para produzir o equilíbrio entre os personagens.
Pela primeira vez, também, retoma os episódios anteriores como a sugerir um novo estágio na
vida de Doinel: aos 35 anos, ele já
tem um tempo a reencontrar.
O filme, no mais, é feito de alguns reencontros. Com Colette,
garota que lhe dá o fora no primeiro episódio, com o amante de
sua mãe, com a ex-mulher. É como se, através dos encontros,
Truffaut se perguntasse sobre o
mistério dos destinos, das coincidências que nos levam para tal ou
tal parte e fazem dele o que é.
Talvez seja só uma maneira gentil de dizer que, a essa altura, Antoine já era um personagem esgotado. Se no início havia a amarga
revolta e mais tarde uma alegre
perplexidade, o fato é que o personagem tirava seu encanto da permanente descoberta da vida.
Desta vez, seu romance com a
jovem Sabine não traz um conteúdo novo. Antoine já passou pela busca da mãe, pela fascinação
dos primeiros amores, pelo casamento e pela separação. Que lhe
resta, então? Recomeçar. Na vida
é isso o que acontece. Na arte, o
cansaço tende a se impor.
É esse perigo que Truffaut consegue driblar com astúcia, impondo o diálogo com o passado de
Antoine como enquete sobre o
desenvolvimento do próprio personagem e da própria ficção.
Assim, este filme, recebido com
certa reserva a seu tempo, revela-se um digno fecho dessa série curiosa, em que a comédia não raro
rola solta, mas sempre deixa a
suspeita de que algo ainda está
por se dizer e que vai contrariar
profundamente sua leveza.
Truffaut a encerra sem abdicar
da leveza e do equilíbrio como características essenciais de um personagem que parece ser seu próprio borrador, na medida em que
vivencia profundamente a instabilidade das coisas e a própria instabilidade.
(INÁCIO ARAUJO)
Amor em Fuga
L'Amour en Fuite
Direção: François Truffaut
Produção: França, 1978
Com: Jean-Pierre Léaud, Claude Jade
Quando: a partir de hoje no Top Cine
Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Michael Stipe abre o jogo após novo disco do R.E.M. Índice
|