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TELEVISÃO
Cadê o anormal em "Os Normais"?
ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL
Não existe nada de anormal
em "Os Normais". O humorístico da Rede Globo, que estreou
semana passada e segue adiante
hoje à noite, nasceu sob o compromisso da dessemelhança.
"A idéia é revelar a intimidade
das pessoas de uma maneira diferente, como não se costuma fazer
na televisão", definiu o talentoso
Guel Arraes, diretor do núcleo
responsável pelo programa. Falava à imprensa, nos corredores da
emissora.
Sua equipe explicou melhor:
que haveria dois protagonistas no
ar, os noivos Vani (Fernanda Torres) e Rui (Luiz Fernando Guimarães). Que o casal -de classe média, bacaninha- viveria situações do cotidiano. E que tais situações, por se apresentarem corriqueiras, mas também constrangedoras ou irritantes, criariam
empatia com os telespectadores e
acabariam lhes arrancando o riso.
O público se reconheceria nos
personagens e riria de si próprio.
Não funcionou -pelo menos,
não na estréia. Riu-se pouco e o
inusitado que Guel prometera
mostrou-se apenas... normal.
Por mais de três décadas (anos
50, 60, 70 e parte dos 80), o humor
da TV se apoiou justamente na
ausência do inesperado. Era a
época em que os bordões -aquelas frases repetidas à exaustão pelos comediantes ("O macaco tá
certo", "Sou, mas quem não é",
"Cala a boca, Batista", "Mui amigo...")- reinavam absolutos.
Concebia-se o riso como um reflexo condicionado. Supunha-se
que a platéia gargalhava quando
ouvia uma, duas, três, cem vezes o
mote batidíssimo. Daí a claque, a
risada eletrônica que soava invariavelmente depois de cada bordão. Chico Anysio, Jô Soares,
Agildo Ribeiro e tantos outros
tornaram-se populares por seguirem com maestria a cartilha da
comédia previsível.
Uma cartilha que, não raro, sofria pequenos abalos. Ronald Golias e Renato Aragão adoravam
promovê-los. Consagraram-se
como os reis dos "cacos", dos improvisos, da piada fora do script.
Uniam a histrionice de circo às
troças de última hora, normalmente reveladoras da precariedade com que se produziam os programas daquele período. Os "cacos" subvertiam os bordões
-sem, entretanto, os eliminar.
"Os Normais" descende de outra escola, que incendiou a televisão brasileira no finzinho dos
anos 80 e, desde então, divide a
cena com a velha guarda. É a escola do "humor anárquico", expressão frequentemente usada para
designar a comédia que se libertou da gangorra "caco"/bordão.
O telespectador, aqui, tem a impressão de que nada lhe condiciona o riso. Abolem-se as repetições, as claques automáticas e,
ainda assim, o público ri. Parece
que a gargalhada não depende
mais de regras.
Pura ilusão. Há, sim, uma regra
implícita, que norteia a graça dos
novos tempos: a surpresa. Se o
humor dos bordões alimentava a
platéia com o açúcar da mesmice,
o humor anárquico deve pegá-la
no contrapé. Precisa surpreendê-la, quase desconcertá-la.
Não à toa, Guel Arraes invocou
a dessemelhança na entrevista de
corredor. Ele sabe que, se não oferecer às feras algo "diferente", estará rondando o insucesso. Na
seara em que se embrenhou, a
surpresa é a alma do negócio.
Eis o ponto. "Os Normais" simplesmente não surpreende. Por
quê? Podem-se arriscar duas hipóteses:
1) O lema do programa -construir o riso sobre ocorrências banais do cotidiano- virou lugar-comum. Atrações recentes da
própria Globo já exploraram o filão com mais competência.
2) Na falta das antigas frases de
efeito, Luiz Fernando Guimarães,
Fernanda Torres e outros atores
de igual linhagem se converteram, eles mesmos, em bordões.
Criaram um modo de interpretar
que, de tanto dar certo, começa a
se esgotar. O público já lhes adivinha os gestos e as entonações.
Quando ri, ri a priori, só por vê-los na tela. Dispensa-os de contar
a piada.
Se há saída? Há e não há: um dia,
alguém vai descobrir nova pólvora que, meses, anos, décadas depois, amargará o desgaste. Sucumbirá à maldição da cultura de
massas.
Quantas estrelas? O normal:
duas.
Os Normais
Quando: sextas, às 23h10, na Globo
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