São Paulo, sexta-feira, 08 de junho de 2001

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TELEVISÃO

Cadê o anormal em "Os Normais"?

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Não existe nada de anormal em "Os Normais". O humorístico da Rede Globo, que estreou semana passada e segue adiante hoje à noite, nasceu sob o compromisso da dessemelhança.
"A idéia é revelar a intimidade das pessoas de uma maneira diferente, como não se costuma fazer na televisão", definiu o talentoso Guel Arraes, diretor do núcleo responsável pelo programa. Falava à imprensa, nos corredores da emissora.
Sua equipe explicou melhor: que haveria dois protagonistas no ar, os noivos Vani (Fernanda Torres) e Rui (Luiz Fernando Guimarães). Que o casal -de classe média, bacaninha- viveria situações do cotidiano. E que tais situações, por se apresentarem corriqueiras, mas também constrangedoras ou irritantes, criariam empatia com os telespectadores e acabariam lhes arrancando o riso. O público se reconheceria nos personagens e riria de si próprio.
Não funcionou -pelo menos, não na estréia. Riu-se pouco e o inusitado que Guel prometera mostrou-se apenas... normal.
Por mais de três décadas (anos 50, 60, 70 e parte dos 80), o humor da TV se apoiou justamente na ausência do inesperado. Era a época em que os bordões -aquelas frases repetidas à exaustão pelos comediantes ("O macaco tá certo", "Sou, mas quem não é", "Cala a boca, Batista", "Mui amigo...")- reinavam absolutos.
Concebia-se o riso como um reflexo condicionado. Supunha-se que a platéia gargalhava quando ouvia uma, duas, três, cem vezes o mote batidíssimo. Daí a claque, a risada eletrônica que soava invariavelmente depois de cada bordão. Chico Anysio, Jô Soares, Agildo Ribeiro e tantos outros tornaram-se populares por seguirem com maestria a cartilha da comédia previsível.
Uma cartilha que, não raro, sofria pequenos abalos. Ronald Golias e Renato Aragão adoravam promovê-los. Consagraram-se como os reis dos "cacos", dos improvisos, da piada fora do script.
Uniam a histrionice de circo às troças de última hora, normalmente reveladoras da precariedade com que se produziam os programas daquele período. Os "cacos" subvertiam os bordões -sem, entretanto, os eliminar.
"Os Normais" descende de outra escola, que incendiou a televisão brasileira no finzinho dos anos 80 e, desde então, divide a cena com a velha guarda. É a escola do "humor anárquico", expressão frequentemente usada para designar a comédia que se libertou da gangorra "caco"/bordão.
O telespectador, aqui, tem a impressão de que nada lhe condiciona o riso. Abolem-se as repetições, as claques automáticas e, ainda assim, o público ri. Parece que a gargalhada não depende mais de regras.
Pura ilusão. Há, sim, uma regra implícita, que norteia a graça dos novos tempos: a surpresa. Se o humor dos bordões alimentava a platéia com o açúcar da mesmice, o humor anárquico deve pegá-la no contrapé. Precisa surpreendê-la, quase desconcertá-la.
Não à toa, Guel Arraes invocou a dessemelhança na entrevista de corredor. Ele sabe que, se não oferecer às feras algo "diferente", estará rondando o insucesso. Na seara em que se embrenhou, a surpresa é a alma do negócio.
Eis o ponto. "Os Normais" simplesmente não surpreende. Por quê? Podem-se arriscar duas hipóteses:
1) O lema do programa -construir o riso sobre ocorrências banais do cotidiano- virou lugar-comum. Atrações recentes da própria Globo já exploraram o filão com mais competência.
2) Na falta das antigas frases de efeito, Luiz Fernando Guimarães, Fernanda Torres e outros atores de igual linhagem se converteram, eles mesmos, em bordões. Criaram um modo de interpretar que, de tanto dar certo, começa a se esgotar. O público já lhes adivinha os gestos e as entonações. Quando ri, ri a priori, só por vê-los na tela. Dispensa-os de contar a piada.
Se há saída? Há e não há: um dia, alguém vai descobrir nova pólvora que, meses, anos, décadas depois, amargará o desgaste. Sucumbirá à maldição da cultura de massas.
Quantas estrelas? O normal: duas.


Os Normais
  
Quando: sextas, às 23h10, na Globo




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