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Contos de aprendiz
Diretor João Jardim prepara documentário sobre a relação dos adolescentes com a escola; em São Paulo, Rio e Pernambuco, alunos revelam o lugar do ensino na expectativa de futuro
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Depois de perscrutar a metáfora
do olhar humano com "Janela da
Alma" (2002), o cineasta João Jardim volta ao campo do documentário com um tema tão palpável
quanto diverso -como os adolescentes de hoje se relacionam
com a escola?
A interrogação ocorreu a Jardim quando fazia pesquisa sobre
gravidez precoce. Entrevistando
jovens, o diretor diz que começou
a perceber "como a escola era difícil para eles e, ao mesmo tempo,
tão importante".
Jardim reorientou seu trabalho
para a produção de um documentário em que estudantes de três
Estados brasileiros (São Paulo,
Rio de Janeiro e Pernambuco) relatam suas experiências e expectativas -todas mediadas pela escola- em relação ao futuro (ter ou
não uma profissão?), ao amor (é o
ciúme que está na base da maioria
das brigas escolares, descobriu o
documentarista) e à família.
O foco do filme são alunos de
escolas públicas, onde, segundo
Jardim, está "o princípio de toda a
desigualdade social brasileira: o
sujeito com 12, 13, 14 anos de idade, percebendo que não está recebendo o que poderia dar a ele os
instrumentos para melhorar de
vida [educação adequada]".
Sem culpados
Mas o documentário, que tem
como título provisório "Pro Dia
Nascer Feliz", não pretende ser
um filme-denúncia, nem mesmo
apontar suspeitos. "Encontrei
uma situação só com vítimas.
Sem culpados", diz o cineasta.
"As escolas são boas. Têm condições. Mas acontece alguma coisa
no meio que faz com que não funcione", afirma.
No Rio e em São Paulo, Jardim
filmou alunos de escolas da periferia que detêm um selo de bom
desempenho em gestão dado pela
Unesco. Em Pernambuco, no município de Manari, que registra o
menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país, o cineasta foi ao encontro de alunos
que, para estudar, precisam viajar
de ônibus durante uma hora até a
cidade mais próxima, Inajá.
Como contraponto a essas condições, falam também estudantes
de dois reputados colégios particulares -o Santa Cruz em São
Paulo e o Santo Inácio no Rio.
O documentário será filmado
em duas etapas. A primeira terminou na última sexta. Em setembro, Jardim voltará a procurar
seus personagens, para saber o
desfecho de seus pequenos dramas. "Existem meninas envolvidas em brigas. Tenho curiosidade
de saber se vão sair da escola por
causa disso. E há meninos que estão indo mal nos estudos."
Brigas
As brigas das garotas são quase
sempre motivadas pela disputa
por namorados, explica o cineasta. Jardim registrou diversos relatos de alunas, mas traçou um limite claro no qual se ater quando
a questão é a violência nas escolas.
O filme trará, no máximo, o registro de episódios de "intimidação" -agressão verbal, uma
constante no cotidiano escolar. As
ocorrências mais graves, de agressão física e mesmo crimes perpetrados por alunos, não estão no
âmbito do interesse do filme.
Jardim acredita que filmar adolescentes autores de um crime seria estigmatizá-los definitivamente. Mas diz que o flerte com a marginalidade é inescapável no universo que aborda.
"É muito difícil mantê-los fora
da marginalidade. De todo tipo de
marginalidade, desde os pequenos delitos até o assalto a banco e
o tráfico", diz. A sedução do crime, para Jardim, é conseqüência
da falta de perspectivas profissionais. "Se a instrução que têm só
lhes permite ter um salário de R$
400, é muito difícil não ir para a
marginalidade, vendo tudo que
há para consumir no mundo."
Perdidos
O professor Antônio José Teixeira Neto, 50, que há 15 anos leciona história na Escola Estadual
Levi Carneiro, no Jardim Mirna,
zona Sul de São Paulo, endossa a
tese do documentarista. "Os alunos não têm perspectiva de futuro. Estão perdidos, sem saber por
que estão vindo para a escola."
Teixeira Neto diz que a média
de alunos do Levi Carneiro que
consegue ingressar na faculdade
gira em torno de 2% a 3%. "Eles
terminam o colegial sem uma
profissão. Vão fazer o quê? Ou ficam desempregados ou, quando
conseguem um emprego, é de
balconista de shopping, com salário de R$ 280. Eles mesmos dizem: por que estudar?"
O professor continua respondendo aos alunos que "o caminho
da humanidade ainda é o estudo".
E tenta dar o exemplo, indo trabalhar todos os sábados e domingos,
quando a escola é aberta para atividades recreativas.
Os estudantes ligam o aparelho
de som na quadra e dançam em
grupo. Com a seriedade de quem
cumpre uma missão, Teixeira Neto assiste, de terno e gravata.
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