São Paulo, terça-feira, 08 de junho de 2004

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Contos de aprendiz

Diretor João Jardim prepara documentário sobre a relação dos adolescentes com a escola; em São Paulo, Rio e Pernambuco, alunos revelam o lugar do ensino na expectativa de futuro

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de perscrutar a metáfora do olhar humano com "Janela da Alma" (2002), o cineasta João Jardim volta ao campo do documentário com um tema tão palpável quanto diverso -como os adolescentes de hoje se relacionam com a escola?
A interrogação ocorreu a Jardim quando fazia pesquisa sobre gravidez precoce. Entrevistando jovens, o diretor diz que começou a perceber "como a escola era difícil para eles e, ao mesmo tempo, tão importante".
Jardim reorientou seu trabalho para a produção de um documentário em que estudantes de três Estados brasileiros (São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco) relatam suas experiências e expectativas -todas mediadas pela escola- em relação ao futuro (ter ou não uma profissão?), ao amor (é o ciúme que está na base da maioria das brigas escolares, descobriu o documentarista) e à família.
O foco do filme são alunos de escolas públicas, onde, segundo Jardim, está "o princípio de toda a desigualdade social brasileira: o sujeito com 12, 13, 14 anos de idade, percebendo que não está recebendo o que poderia dar a ele os instrumentos para melhorar de vida [educação adequada]".

Sem culpados
Mas o documentário, que tem como título provisório "Pro Dia Nascer Feliz", não pretende ser um filme-denúncia, nem mesmo apontar suspeitos. "Encontrei uma situação só com vítimas. Sem culpados", diz o cineasta. "As escolas são boas. Têm condições. Mas acontece alguma coisa no meio que faz com que não funcione", afirma.
No Rio e em São Paulo, Jardim filmou alunos de escolas da periferia que detêm um selo de bom desempenho em gestão dado pela Unesco. Em Pernambuco, no município de Manari, que registra o menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país, o cineasta foi ao encontro de alunos que, para estudar, precisam viajar de ônibus durante uma hora até a cidade mais próxima, Inajá.
Como contraponto a essas condições, falam também estudantes de dois reputados colégios particulares -o Santa Cruz em São Paulo e o Santo Inácio no Rio.
O documentário será filmado em duas etapas. A primeira terminou na última sexta. Em setembro, Jardim voltará a procurar seus personagens, para saber o desfecho de seus pequenos dramas. "Existem meninas envolvidas em brigas. Tenho curiosidade de saber se vão sair da escola por causa disso. E há meninos que estão indo mal nos estudos."

Brigas
As brigas das garotas são quase sempre motivadas pela disputa por namorados, explica o cineasta. Jardim registrou diversos relatos de alunas, mas traçou um limite claro no qual se ater quando a questão é a violência nas escolas.
O filme trará, no máximo, o registro de episódios de "intimidação" -agressão verbal, uma constante no cotidiano escolar. As ocorrências mais graves, de agressão física e mesmo crimes perpetrados por alunos, não estão no âmbito do interesse do filme.
Jardim acredita que filmar adolescentes autores de um crime seria estigmatizá-los definitivamente. Mas diz que o flerte com a marginalidade é inescapável no universo que aborda.
"É muito difícil mantê-los fora da marginalidade. De todo tipo de marginalidade, desde os pequenos delitos até o assalto a banco e o tráfico", diz. A sedução do crime, para Jardim, é conseqüência da falta de perspectivas profissionais. "Se a instrução que têm só lhes permite ter um salário de R$ 400, é muito difícil não ir para a marginalidade, vendo tudo que há para consumir no mundo."

Perdidos
O professor Antônio José Teixeira Neto, 50, que há 15 anos leciona história na Escola Estadual Levi Carneiro, no Jardim Mirna, zona Sul de São Paulo, endossa a tese do documentarista. "Os alunos não têm perspectiva de futuro. Estão perdidos, sem saber por que estão vindo para a escola."
Teixeira Neto diz que a média de alunos do Levi Carneiro que consegue ingressar na faculdade gira em torno de 2% a 3%. "Eles terminam o colegial sem uma profissão. Vão fazer o quê? Ou ficam desempregados ou, quando conseguem um emprego, é de balconista de shopping, com salário de R$ 280. Eles mesmos dizem: por que estudar?"
O professor continua respondendo aos alunos que "o caminho da humanidade ainda é o estudo". E tenta dar o exemplo, indo trabalhar todos os sábados e domingos, quando a escola é aberta para atividades recreativas.
Os estudantes ligam o aparelho de som na quadra e dançam em grupo. Com a seriedade de quem cumpre uma missão, Teixeira Neto assiste, de terno e gravata.


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