São Paulo, domingo, 08 de junho de 2008

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CDs recordam "ídolo da juventude"

Um dos galãs da jovem guarda e autor do sucesso "O Ritmo da Chuva", Demetrius tenta reengrenar como compositor

Ex-parceiro de pescarias de Roberto Carlos, para quem criou "Preciso lhe Encontrar", ele chegou a ficar 20 anos afastado de shows e discos


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA REPORTAGEM LOCAL

Pode haver quem olhe a capinha no outro lado desta página, do disco "Demetrius - Ídolo da Juventude" (1962), e pense que a foto foi puro marketing. Nem tanto: Demetrio Zahra Neto e seu topete deixavam realmente as meninas e seus coques em alvoroço.
Isto foi antes de Roberto Carlos estourar, durante o boom da jovem guarda ("Era uma religião, uma maluquice", ainda se assusta) e até um pouco depois. Como tantas outras, sua carreira foi ficando sentada à beira do caminho enquanto o Rei consolidava seu Olimpo solitário.
É possível relembrar esses anos dourados (para ele, pelo menos) ouvindo quatro discos do cantor só agora lançados em CD. Além do já citado, há um de 63, outro de 67 e mais um de 68. Fazem parte de uma coleção de 25 títulos de jovem guarda da Warner, que inclui Joelma, Giane, Martinha, Vanusa, Os Vips, Os Brasas e outros.
Aos 66, cabelos brancos e sem topete, Demetrius soube da novidade pela Folha. Encomendou à gravadora e pagou por seus próprios discos. Não fala disso nem de coisa nenhuma com amargura -com algum sarcasmo, sim. Há duas semanas, por exemplo, deixou, após muita insistência, um CD com uma música nova sua no escritório do empresário de Bruno e Marrone.
"Não consigo falar com ninguém mais. Tem que passar pela secretária do primo do jardineiro para começar", diz, afirmando que, na jovem guarda, todos eram muito próximos, e que ele até pescava com Roberto Carlos na represa Billings. "Talvez também seja assim hoje. Um pega o helicóptero e vai na casa do outro", brinca.

"Dedé" de São Bernardo
Demetrius pega seu carro todo dia e vai ao bar Ferradura, em São Bernardo, onde mora há um ano -nasceu no Rio, mas com seis meses já estava em São Paulo. Para Nancy Santos, dona do bar e filha do grande cantor Agostinho dos Santos (1932-1973), e para os outros freqüentadores, ele é o "Dedé".
Vive de direitos autorais de sucessos como "Preciso lhe Encontrar" (lançada pelo Rei em 70) e as versões de canções estrangeiras "Ternura" (origem do apelido de Wanderléa, a Ternurinha) e "O Ritmo da Chuva" (gravada por um amplo leque que vai de Raça Negra a Fernanda Takai).
"Olho para a chuva que não quer cessar/ Nela vejo o meu amor...". É para cantar esses versos -em playback, na verdade- que Demetrius ainda é chamado para alguns programas de TV. "Se eu cansar de cantar "O Ritmo da Chuva", significa que parei de cantar. O problema é que, como não tenho gravado coisas novas, parece que sou um intérprete de uma música só. Mas gravei um caminhão delas", ressalta.
Durante 20 anos de carreira (1960 a 80), foram sete LPs e dezenas de compactos. Até que, segundo conta, ouviu a voz de seu filho de 14 anos ficando adulta e resolveu trocar a vida mambembe pela familiar.
"Não estava vendo meus três filhos crescerem. Decidi não gravar mais, fui viajar com eles e tirei um ano sabático", relata.
Para sustentar a prole, virou corretor de imóveis ("Eu era campeão de vendas, porque sempre perguntavam: "Você não é o cantor?'"), dono de imobiliária, abriu loja de artigos náuticos em Ubatuba e um quiosque. Largou a vista da praia e entrou numa zona escura depois que seu caçula, aos 18 anos, morreu afogado em 92.
Desalentado, recusou convites para celebrações da jovem guarda, e parecia que nunca mais tocaria seu violão de canhoto. Voltou em 99, gravando um CD com seus sucessos, até para combater a tristeza. Desde então, tem feito aparições e shows esporádicos.
Enquanto fuma alguns dos 30 cigarros que consome diariamente ("Meu médico está me matando desde os anos 60") e toma um Underberg, ele ri até de dinheiro perdido. Vendeu terrenos em Alphaville, antes da ultravalorização da área, para comprar uma chácara em Iperó, no sudoeste paulista -também vendida sem gerar fortunas. Hoje, tem um cantinho, um violão e pouca coisa mais, como discos de Norah Jones e Peninha e um exemplar de cada LP seu.
"Minha vida é simples, como a vida tem que ser. Para que complicar?", ensina ele, com desejos de ser um compositor novamente gravado, mas sem fantasias de voltar aos tempos de astro. "Não gosto de insistir em coisas impossíveis ou complicadas."


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