São Paulo, sábado, 08 de julho de 2000


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"O IMPERIALISMO SEDUTOR"
Livro comprova queda perante brilho americano

GILBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um aspecto interessante do livro "O Imperialismo Sedutor", de Antonio Pedro Tota, é mostrar que estamos todos, de Pequim a Quixeramobim, fadados à condição de americanólogos.
Somos obrigados a dispor de um saber ou de um "logos" sobre os Estados Unidos. Os antecedentes em São Paulo são Eduardo Prado, Monteiro Lobato e Roland Corbusier, sem esquecer o jornalista carioca Paulo Francis, que se obnubilara "cidadão do mundo" em sua Nova York.
O historiador Antônio Pedro Tota é um estudioso obstinado do fenômeno da "americanização do Brasil" durante a Segunda Guerra Mundial.
Essa americanização começa paradoxalmente a partir de 1930, data em que o trenzinho caipira do presidente Getúlio Vargas anuncia o moderno nacionalismo na história do Brasil, depois do ensaio do patriarca pé-de-valsa José Bonifácio de Andrade e Silva.
O capítulo do livro que me comoveu foi sobre o intelectual nova-iorquino Waldo Frank, desbundado com a floresta e o sexo assumido das mulheres brasileiras, em contraste com o dólar-line puritano das matronas donas dos Estados Unidos.
Ainda que pelas mãos auspiciosas de Rockefeller, o escritor Waldo Frank é a representação delirante da cópula amorosa das Américas, tal qual o amor de perdição de Orson Welles no Brasil de 1942.
Às vezes imagino, olhando do presente para o passado, a reação do delicado Waldo Frank, amigo de Vinícius de Moraes, fã de Oswald de Andrade e alter ego do brasilianista Mathews Shirts, diante da notícia barra-pesada de que lá nos Estados Unidos atualmente os mapas escolares já trazem o Brasil esfacelado, território abaixo da Amazônia e do Pantanal, sendo essas duas regiões identificadas como "área sob controle internacional".
A particularidade imperialista da sedução audiovisual da comunicação precedeu à emissão mundial do dólar-Bretton-Woods.
O filme de guerra interfere no espelho desafortunado dos tristes trópicos. É de natureza midiática o xodó nosso pelos Estados Unidos da América.
A sedução do rádio dentro do automóvel está conectada à mais-valia ianque auferida pelo lucro da guerra.
A imagem do soldado é o cidadão educado no binômio gângster e caubói, ou seja: dinheiro e violência.
De todos os imperialismos no mundo, seja anglo, japonês, russo ou alemão, o predileto é o norte-americano, por causa do cinema falado e do jazz, conforme poetaram Noel Rosa e Lamartine Babo.
Atenção: no Brasil, o marxismo, internacionalista em sua essência, se deixou seduzir por Marlon Brando e Coca-Cola.
No livro de Antônio Pedro Tota o tesão dos brasileiros pelos "brothers" é analisado até o fim da guerra, em 1945. Doravante, o complexo dólar-petróleo-TV-bomba atômica complicará o mecanismo da sedução.
Há décadas saiu de moda o uso da palavra "imperialismo". Perdeu prestígio sociológico.
Nos anos 40, as "pictures" (som e imagem) se aproveitaram da alucinada aprontação de Adolf Hitler. Este foi o espectro responsável por tornar simpática para muita gente a democracia à norte-americana. Desse mito da Segunda Guerra Mundial resultou o ideário de um partido político chamado UDN, cuja "star" cinética foi o orador Carlos Lacerda.
O pirado do Adolf Hitler favoreceu indiretamente a americanização do Brasil e, por conseguinte, pode ser considerado o exu póstumo ou padrinho do golpe de 64.
O problema dessa sedução diabólica imperialista é sua persistência compulsiva e a relação esquizofrênica mantida com os outros "cucarachos" da América do Sul.
A combalida esquerda brasileira, desde a Segunda Guerra Mundial, não foi ainda capaz de persuadir a opinião pública com a palavra de ordem disjuntiva: independência nacional ou sedução "made in USA".


Gilberto Vasconcellos é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da Moeda" (ed. Espaço e Tempo), entre outros


O Imperialismo Sedutor      Autor: Antonio Pedro Tota Editora: Companhia das Letras Quanto: R$ 22,80 (235 págs.)




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