São Paulo, quarta-feira, 08 de agosto de 2001

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"O LIVRO DE UMA SOGRA"

Azevedo teoriza sobre o casamento

CYNARA MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL

O amor pode até durar para sempre, mas é possível amar alguém todo dia? Aluísio de Azevedo (1857-1913), em seu "Livro de uma Sogra", assegura que não. "Não há estômago que resista a faisão dourado todos os dias; o melhor acepipe, se não for discretamente servido, enfastiará no fim de algum tempo", prega.
Pelo menos 50 anos antes de que Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre aparecessem com seu casamento de casas separadas, inspiração para muitas uniões de hoje em dia, o naturalista brasileiro já se preocupava em teorizar, com humor, sobre um novo (e infalível) modelo de matrimônio.
Isso porque, àquela altura -o livro foi publicado em 1895 e é o último de Azevedo-, tudo indicava que o futuro só serviria para lançar nuvens ainda mais negras sobre a instituição, fadada, segundo o escritor, ao fracasso e à desilusão desde a falsamente idílica lua-de-mel dos tempos em que a mulher se casava virgem.
O próprio Aluísio jamais se deixou iludir por ela: não se casou. Talvez porque não tenha encontrado mulher que se dispusesse a enfrentar as regras ditadas pela sogra Olímpia, odiado personagem do folclore familiar que no livro é alçado à sabedoria suprema em forma de parente.
Olímpia, ela mesma "vítima" do casamento, filosofa e trama as condições que irão propiciar felicidade à filha vivendo sob a égide do matrimônio.
É preciso lembrar aos leitores mais jovens que, sim, existiu um tempo em que as pessoas se casavam até que os separasse a morte -e não as agendas cheias, como anunciam atualmente os famosos após recolher os trapinhos unidos outrora por um par de meses, no máximo.
O primeiro princípio estabelecido pela sogra -e ela é mais irredutível que qualquer outra- é o da separação de corpos. Cada um dos cônjuges deve viver em sua própria casa. O marido segue, então, visitando e sendo visitado pela mulher, como nos tempos de namorados, em dias alternados, e nem sempre pode desfrutar de uma noite inteira a seu lado.
É que a sábia sogra acredita que a convivência no dia-a-dia é a pior inimiga do casamento, porque transforma os cônjuges em amigos. O amor sensual, prega Olímpia, deve ser diligentemente preservado pelo casal, a partir da saudade. Ou ambos arranjarão amantes para satisfazer seus desejos, o que seria ainda pior.
Olímpia/Azevedo se preocupa com a satisfação sexual da mulher, descrevendo seus anseios e expectativas em relação ao prazer carnal que espera obter com o casamento, e a excitação crescente do casal nos meses anteriores às núpcias.
Claro que, com isso, no apagar do século 19, atraiu a ira dos puritanos, e logo a obra ganharia a pecha de "imoral".
Os conselhos da sogra, porém, se mostram de uma utilidade incontestável ainda hoje. Os afastamentos propiciam momentos de solidão indispensáveis, por exemplo. E a idéia de que ambos devem ter um amigo íntimo do sexo oposto -sem sexo incluído, por suposto- também é atraente.
A sogra erra ao defender alguns princípios baseados no branqueamento das raças, tão em voga na época, que levam o autor de "O Mulato" a fazer reparos às uniões interraciais: "É mais natural e aceitável ver um branco casado com uma mulata ou um mulato com uma preta, do que ver uma branca ligada a um preto ou a um mulato", diz Azevedo/Olímpia.
Outra "dica" discutível é o afastamento total do casal durante a gestação, já que, acredita Olímpia -e Leila Diniz nem sonhava aparecer em biquíni para desmenti-la-, "a gravidez deixa a mulher abatida, desbotada, com as pernas trôpegas, estômago em revolta e um mau hálito insuportável"...
Tampouco se há de aceitar a tese de que a mulher precisa ser inferior em todos os aspectos: mais frágil, mais baixa e até mais feia. O homem, por outro lado, é obrigado a aceitar a própria mediocridade para se tornar um "bom marido", porque gênios e artistas dão péssimos cônjuges, assevera Olímpia. Quem sabe tenha lá sua pontinha de razão.


O Livro de uma Sogra
    
Autor: Aluísio de Azevedo
Lançamento: Casa da Palavra (tel. 0/ xx/21/2220-5252, www.casadapalavra.com.br)
Quanto: R$ 23 (256 págs.)



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