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"O LIVRO DE UMA SOGRA"
Azevedo teoriza sobre o casamento
CYNARA MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL
O amor pode até durar para
sempre, mas é possível amar
alguém todo dia? Aluísio de Azevedo (1857-1913), em seu "Livro
de uma Sogra", assegura que não.
"Não há estômago que resista a
faisão dourado todos os dias; o
melhor acepipe, se não for discretamente servido, enfastiará no
fim de algum tempo", prega.
Pelo menos 50 anos antes de
que Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre aparecessem com seu
casamento de casas separadas,
inspiração para muitas uniões de
hoje em dia, o naturalista brasileiro já se preocupava em teorizar,
com humor, sobre um novo (e infalível) modelo de matrimônio.
Isso porque, àquela altura -o
livro foi publicado em 1895 e é o
último de Azevedo-, tudo indicava que o futuro só serviria para
lançar nuvens ainda mais negras
sobre a instituição, fadada, segundo o escritor, ao fracasso e à desilusão desde a falsamente idílica
lua-de-mel dos tempos em que a
mulher se casava virgem.
O próprio Aluísio jamais se deixou iludir por ela: não se casou.
Talvez porque não tenha encontrado mulher que se dispusesse a
enfrentar as regras ditadas pela
sogra Olímpia, odiado personagem do folclore familiar que no livro é alçado à sabedoria suprema
em forma de parente.
Olímpia, ela mesma "vítima" do
casamento, filosofa e trama as
condições que irão propiciar felicidade à filha vivendo sob a égide
do matrimônio.
É preciso lembrar aos leitores
mais jovens que, sim, existiu um
tempo em que as pessoas se casavam até que os separasse a morte
-e não as agendas cheias, como
anunciam atualmente os famosos
após recolher os trapinhos unidos
outrora por um par de meses, no
máximo.
O primeiro princípio estabelecido pela sogra -e ela é mais irredutível que qualquer outra- é o
da separação de corpos. Cada um
dos cônjuges deve viver em sua
própria casa. O marido segue, então, visitando e sendo visitado pela mulher, como nos tempos de
namorados, em dias alternados, e
nem sempre pode desfrutar de
uma noite inteira a seu lado.
É que a sábia sogra acredita que
a convivência no dia-a-dia é a pior
inimiga do casamento, porque
transforma os cônjuges em amigos. O amor sensual, prega Olímpia, deve ser diligentemente preservado pelo casal, a partir da saudade. Ou ambos arranjarão
amantes para satisfazer seus desejos, o que seria ainda pior.
Olímpia/Azevedo se preocupa
com a satisfação sexual da mulher, descrevendo seus anseios e
expectativas em relação ao prazer
carnal que espera obter com o casamento, e a excitação crescente
do casal nos meses anteriores às
núpcias.
Claro que, com isso, no apagar
do século 19, atraiu a ira dos puritanos, e logo a obra ganharia a pecha de "imoral".
Os conselhos da sogra, porém,
se mostram de uma utilidade incontestável ainda hoje. Os afastamentos propiciam momentos de
solidão indispensáveis, por exemplo. E a idéia de que ambos devem
ter um amigo íntimo do sexo
oposto -sem sexo incluído, por
suposto- também é atraente.
A sogra erra ao defender alguns
princípios baseados no branqueamento das raças, tão em voga na
época, que levam o autor de "O
Mulato" a fazer reparos às uniões
interraciais: "É mais natural e
aceitável ver um branco casado
com uma mulata ou um mulato
com uma preta, do que ver uma
branca ligada a um preto ou a um
mulato", diz Azevedo/Olímpia.
Outra "dica" discutível é o afastamento total do casal durante a
gestação, já que, acredita Olímpia
-e Leila Diniz nem sonhava aparecer em biquíni para desmenti-la-, "a gravidez deixa a mulher
abatida, desbotada, com as pernas trôpegas, estômago em revolta e um mau hálito insuportável"...
Tampouco se há de aceitar a tese de que a mulher precisa ser inferior em todos os aspectos: mais
frágil, mais baixa e até mais feia. O
homem, por outro lado, é obrigado a aceitar a própria mediocridade para se tornar um "bom marido", porque gênios e artistas dão
péssimos cônjuges, assevera
Olímpia. Quem sabe tenha lá sua
pontinha de razão.
O Livro de uma Sogra
Autor: Aluísio de Azevedo
Lançamento: Casa da Palavra (tel. 0/
xx/21/2220-5252, www.casadapalavra.com.br)
Quanto: R$ 23 (256 págs.)
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