São Paulo, quarta-feira, 08 de agosto de 2001

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MARCELO COELHO

Preconceito contra empresários é uma questão de hábito

Todo mundo fica meio desligado enquanto está de férias. Mais tolerante também. Pode ser que isso tenha acontecido comigo. O fato é que não consigo entender o destaque que adquiriu a tragédia do helicóptero em Maresias.
O caso assusta, certamente. Ondas enormes, chuva, frio, escuridão total, pessoas nadando até a exaustão. Acrescente-se o fato de que a modelo Fernanda Vogel era muito bonita. A história tem um forte "interesse humano", como se diz.
Só que o interesse parece ser outro. Reportagens tão pormenorizadas mal reprimem a intenção de sugerir que a história está mal contada. Há uma vontade acusatória no ar.
João Paulo Diniz não tem, reconheço, uma cara das mais simpáticas. Aparenta certa frieza. Salvou-se. A família é dona do Pão de Açúcar. Tudo somado, acredita-se que ele esconde alguma coisa.
A revista "IstoÉ" começa perguntando: "De quem é a culpa?". E diz que "o acidente levanta a polêmica sobre a relação patrão/ empregado a bordo de uma perigosa inversão de hierarquia, na qual o comandante da aeronave passa a obedecer passivamente ao dono do helicóptero, atropelando todas as normas de segurança e pondo em risco a vida dos passageiros".
Menos do que "levantar uma polêmica", o texto da revista parece resolvê-la. Patrões arrogantes decidem que pilotos de helicóptero devem desafiar ciclones em alto-mar: dito assim, vilões e vítimas são fáceis de identificar.
Não vejo como responsabilizar alguém diretamente. Mas vejo a desconfiança geral quanto ao comportamento de João Paulo Diniz. Ele afirma que, no meio do mar, voltou várias vezes para ajudar Fernanda Vogel e terminou perdendo-a de vista.
Pois bem: e se não tiver sido assim? Suponha-se que o empresário tivesse tratado apenas de se salvar, sem cuidar da namorada. Não acho simples condenar uma pessoa por isso.
O que eu faria em tal situação? É possível que o pânico, o instinto de sobrevivência ou o puro egoísmo tomassem conta de mim. Não tenho muita certeza quanto à minha capacidade de ser herói e creio que, num naufrágio, ela diminuiria a cada minuto.
Não sei de quem é a culpa. Sei que não quero culpar ninguém. Nem mesmo revistas, jornais, repórteres ou leitores. Pois é natural que, num acidente como esse, as pessoas não se conformem com o simples acontecimento, com o absurdo da tragédia.
Há preconceito contra João Paulo Diniz por ele ser empresário? Essa questão me parece mais interessante. Certamente todo empresário se considera vítima de preconceito. Muitos deles, aliás, fazem mais "pelo social" do que seus críticos.
A desconfiança com relação ao empresariado não me parece ser pura questão de militância política, de arraigada convicção ideológica. Nem acho que a palavra "preconceito" se aplique aí: pode ser mais uma questão de hábito.
Isso por várias razões. Como um empresário tem mais poder do que um balconista, é matemático que associemos esse poder à capacidade de fazer coisas condenáveis.
O mesmo acontece com parlamentares ou com o presidente da República: quanto mais poder, mais pecados terão.
Além disso, um fabricante de roupas ou um dono de supermercado estão necessariamente comprometidos com uma versão benigna de sua atividade. "Eu vendo mais barato." "Esta camisa dura mais." Pode até ser verdade, mas, se for mentira, a frase será a mesma -logo, estão ocultando alguma coisa de mim.
Todo empresário, ademais, reclama da crise, dos impostos e do governo. Isso é público. Não parece tão desejável, contudo, que queiram dar publicidade ao fato de viajarem de helicóptero nos fins de semana.
Os empresários "públicos", como Antônio Ermírio de Moraes ou o falecido comandante Rolim, são figuras cada vez mais raras num mundo em que o sistema financeiro, os investidores externos, os fundos de pensão ou os bancos de investimento exercem um poder anônimo sobre a vida do país. Invisíveis, sua culpa ou sua responsabilidade torna-se difícil de apontar.
Mas a opinião pública -imprensa e leitores- não pode deixar de raciocinar "moralmente". Alguns dirão "moralisticamente". Claro que existe muito "moralismo" na imprensa. Assume muitas vezes um tom exagerado. Paciência. Em geral, quem reclama disso tem culpa no cartório.



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