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MARCELO COELHO
Preconceito contra empresários é uma questão de hábito
Todo mundo fica meio desligado enquanto está de férias. Mais tolerante também. Pode ser que isso tenha acontecido
comigo. O fato é que não consigo
entender o destaque que adquiriu
a tragédia do helicóptero em Maresias.
O caso assusta, certamente. Ondas enormes, chuva, frio, escuridão total, pessoas nadando até a
exaustão. Acrescente-se o fato de
que a modelo Fernanda Vogel era
muito bonita. A história tem um
forte "interesse humano", como
se diz.
Só que o interesse parece ser outro. Reportagens tão pormenorizadas mal reprimem a intenção
de sugerir que a história está mal
contada. Há uma vontade acusatória no ar.
João Paulo Diniz não tem, reconheço, uma cara das mais simpáticas. Aparenta certa frieza. Salvou-se. A família é dona do Pão
de Açúcar. Tudo somado, acredita-se que ele esconde alguma coisa.
A revista "IstoÉ" começa perguntando: "De quem é a culpa?".
E diz que "o acidente levanta a
polêmica sobre a relação patrão/
empregado a bordo de uma perigosa inversão de hierarquia, na
qual o comandante da aeronave
passa a obedecer passivamente ao
dono do helicóptero, atropelando
todas as normas de segurança e
pondo em risco a vida dos passageiros".
Menos do que "levantar uma
polêmica", o texto da revista parece resolvê-la. Patrões arrogantes decidem que pilotos de helicóptero devem desafiar ciclones
em alto-mar: dito assim, vilões e
vítimas são fáceis de identificar.
Não vejo como responsabilizar
alguém diretamente. Mas vejo a
desconfiança geral quanto ao
comportamento de João Paulo
Diniz. Ele afirma que, no meio do
mar, voltou várias vezes para ajudar Fernanda Vogel e terminou
perdendo-a de vista.
Pois bem: e se não tiver sido assim? Suponha-se que o empresário tivesse tratado apenas de se
salvar, sem cuidar da namorada.
Não acho simples condenar uma
pessoa por isso.
O que eu faria em tal situação?
É possível que o pânico, o instinto
de sobrevivência ou o puro egoísmo tomassem conta de mim. Não
tenho muita certeza quanto à minha capacidade de ser herói e
creio que, num naufrágio, ela diminuiria a cada minuto.
Não sei de quem é a culpa. Sei
que não quero culpar ninguém.
Nem mesmo revistas, jornais, repórteres ou leitores. Pois é natural
que, num acidente como esse, as
pessoas não se conformem com o
simples acontecimento, com o absurdo da tragédia.
Há preconceito contra João
Paulo Diniz por ele ser empresário? Essa questão me parece mais
interessante. Certamente todo
empresário se considera vítima de
preconceito. Muitos deles, aliás,
fazem mais "pelo social" do que
seus críticos.
A desconfiança com relação ao
empresariado não me parece ser
pura questão de militância política, de arraigada convicção ideológica. Nem acho que a palavra
"preconceito" se aplique aí: pode
ser mais uma questão de hábito.
Isso por várias razões. Como
um empresário tem mais poder
do que um balconista, é matemático que associemos esse poder à
capacidade de fazer coisas condenáveis.
O mesmo acontece com parlamentares ou com o presidente da
República: quanto mais poder,
mais pecados terão.
Além disso, um fabricante de
roupas ou um dono de supermercado estão necessariamente comprometidos com uma versão benigna de sua atividade. "Eu vendo mais barato." "Esta camisa
dura mais." Pode até ser verdade,
mas, se for mentira, a frase será a
mesma -logo, estão ocultando
alguma coisa de mim.
Todo empresário, ademais, reclama da crise, dos impostos e do
governo. Isso é público. Não parece tão desejável, contudo, que
queiram dar publicidade ao fato
de viajarem de helicóptero nos
fins de semana.
Os empresários "públicos", como Antônio Ermírio de Moraes
ou o falecido comandante Rolim,
são figuras cada vez mais raras
num mundo em que o sistema financeiro, os investidores externos, os fundos de pensão ou os
bancos de investimento exercem
um poder anônimo sobre a vida
do país. Invisíveis, sua culpa ou
sua responsabilidade torna-se difícil de apontar.
Mas a opinião pública -imprensa e leitores- não pode deixar de raciocinar "moralmente".
Alguns dirão "moralisticamente". Claro que existe muito "moralismo" na imprensa. Assume
muitas vezes um tom exagerado.
Paciência. Em geral, quem reclama disso tem culpa no cartório.
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