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CINEMA/ESTRÉIAS
"DIRIGINDO NO ESCURO"
Diretor se repete (bem) nas dúvidas sobre si mesmo
Medo da impostura move novo filme de Woody Allen
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Diretores de cinema não
são muito diferentes dos
prestidigitadores. Ambos vivem
de seus truques, como bem sabia
Orson Welles (que acumulava as
duas funções). E ambos correm o
risco de ser desmascarados a
qualquer momento.
É essa, em linhas gerais, a idéia
de "Dirigindo no Escuro".
Woody Allen aqui é Val Waxman,
realizador com dois Oscars, muito prestígio e nenhum futuro: não
filma há dez anos, tornou-se famoso por suas manias e estouros
de orçamento.
Por interferência de sua ex-mulher, Ellie, ele consegue um filme
para fazer, para o estúdio chefiado pelo atual marido de Ellie. Ou
seja, a coisa já não começa bem.
Vai piorar muito mais, pois a primeira providência de Val, às vésperas da filmagem, é passar a sofrer de cegueira psicológica.
Como não pode perder a oportunidade, Val (com a ajuda providencial do seu agente) buscará, e
achará, meios de realizar um filme sem ver o que está filmando.
Seria possível esperar que desse
ponto de partida surgisse um filme engraçado, mas não é o que
acontece. As piadas de Woody
Allen hoje em dia parecem, quase
sempre, variações de outras que já
conhecemos. Em certos momentos, elas conseguem arrancar risos, mas não tantos assim. No
mais, os atores de Woody Allen
têm a capacidade (que não vem
de hoje, aliás) de assimilar a entonação e a gesticulação de Woody
Allen, o que é no mínimo problemático.
Talvez isso não seja motivo para
tirar o filme do roteiro tão já. Na
vida nem tudo são risos, e "Dirigindo no Escuro" pode ser visto
como sequência de uma linha desenvolvida por Allen desde, pelo
menos, "Tiros na Broadway", há
dez anos.
São filmes sobre a suspeita que o
artista alimenta a respeito de si
mesmo, em diversos níveis. Em
"Tiros na Broadway", abordava-se a dramaturgia. Em "Dirigindo", a mise-en-scène propriamente dita. Como Val fica cego, é
o artista como impostor que o filme aborda -algo ainda mais
acentuado no cinema, onde uma
série de variáveis não custa a escapar ao controle do diretor, de tal
modo que dirigir às cegas está
longe de ser uma experiência inédita no ramo.
Admita-se que "Dirigindo no
Escuro" exagera um tanto na dose, de forma que às vezes parece
mais um filme de Mel Brooks: a
paródia de uma filmagem feita
pela caricatura de um autor (ou
"auteur", em francês, como fala o
produtor, com um misto de desprezo e desconforto).
Por vários motivos, esse é um
filme secundário de Woody Allen.
Talvez o principal deles seja que,
ao contrário de Val, Woody não
sente tão profundamente o medo
de ser desmascarado e aceita retomar uns tantos tiques há anos
presentes em sua obra. Mas certa
preguiça na realização não impede o prazer de acompanhar a reflexão sobre o ato de filmar que ali
se desenvolve.
Dirigindo no Escuro
Hollywood Ending
Produção: EUA, 2002
Direção: Woody Allen
Com: Woody Allen, Téa Leoni, George
Hamilton
Onde: a partir de hoje nos cines Belas
Artes, Cine Morumbi, Iguatemi, Pátio
Higienópolis e circuito
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