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crítica
Mojica volta com sangue e imaginação
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Há mais ou menos 40
anos José Mojica Marins
não filmava (se não contarmos aqui uns pornôs
para sobreviver e a reutilização de cenas antigas).
Talvez um dia seja possível
apontar os responsáveis
pelo crime de lesa-arte
que consiste em deixar na
geladeira um talento dessa
extensão, enquanto somos
castigados com filmes nacionais aguados.
Fazia também quase isso, desde "Delírios de um
Anormal", que Zé do Caixão estava fora de circulação. "Delírios" foi uma
tentativa de fuga, desde
que a censura o podara de
uma vez, na entrada dos
anos 70. E, quando começa "A Encarnação do Demônio", fazia 40 anos que
Zé do Caixão estava recolhido a uma penitenciária.
Mesmo preso, diz-se em
determinado momento,
matou 29 pessoas.
Com toda essa ficha, ele
consegue sair da cadeia e,
de início, toma contato
com um mundo de violência inesperada: quase morre atropelado, é agredido
verbalmente, é achacado
num bar, cruza com meninos que se drogam.
Tudo isso pode ser surpreendente, mas não basta
para desviar o velho maldito de seus propósitos:
encontrar a mulher capaz
de gerar o filho perfeito
com que pretende eternizar seu sangue e desafiar
os homens fracos, que
acreditam nas coisas de
Deus e da fé.
Sem colocar em questão
o mérito de cada proposta,
o fato é que Zé as desenvolve muito bem, isto é:
seu retorno se dá com
mais sanguinolência e ainda mais imaginação.
A beleza plástica do filme (a fotografia de José
Roberto Eliezer não trai o
encanto popular dos primeiros Zé do Caixão) se
impõe seqüência após seqüência. E cenas como a
transa com a menina coberta de sangue mereciam
estar em qualquer antologia do gênero.
Zé do Caixão não esquenta, em todo caso, com
esses detalhes: vai tecendo
seu mundo de horrores e
se firmando de uma vez
por todas como um dos
maiores personagens do
cinema brasileiro.
Ao sair da sessão, um
crítico indaga a outro:
"Mas este é um B.O.?".
Bem, ele custou R$ 1,8 milhão (mais R$ 500 mil para
o lançamento). É um baixo
orçamento (embora B.O.
possa bem significar, no
caso, boletim de ocorrência, tais as carnificinas que
o velho maldito apronta).
O certo é que entre seus
crimes não está o de desperdiçar dinheiro: Mojica
chega a essa obra-prima
com economia de recursos, belas atuações (Jece
Valadão e Adriano Stuart
brilham como policiais
que podem ser muito bem
estudados como exemplo
do "estado policial em que
vivemos"), Helena Ignez,
efeitos e maquiagem modestos e eficientes, e um
roteiro provocativo e
cheio de imaginação. Tudo
isso parece existir para demonstrar que, mais do que
dinheiro, o cinema brasileiro e o público precisam
é começar a reconhecer
onde estão seus talentos.
ENCARNAÇÃO DO
DEMÔNIO
Produção: Brasil, 2008
Direção: José Mojica Marins
Com: José Mojica Marins, Jece
Valadão, Adriano Stuart
Onde: estréia hoje nos cines
Bristol, Villa-Lobos e circuito
Classificação indicativa: não
recomendado para menores
de 16 anos
Avaliação: ótimo
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