São Paulo, sábado, 08 de setembro de 2001

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LIVRO/LANÇAMENTO

LITERATURA

Escritor argentino naturalizado canadense discorre sobre aspectos da produção artística de diversos nomes

Alberto Manguel convida a ler imagens

CYNARA MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL

Pareceria até vingança de brasileiro frustrado com a última derrota no futebol, não fossem de um homem nascido na Argentina as seguintes palavras: "Tenho carinho pela Argentina como tenho por uma pessoa que está morrendo de câncer".
Quem diz é o escritor Alberto Manguel, autor de "Uma História da Leitura", "Stevenson sob as Palmeiras" e do recém-lançado "Lendo Imagens"; no ano que vem, sai por aqui seu livro mais famoso, o "Guia de Lugares Imaginários", obra que mapeia terras criadas pela imaginação humana ao longo dos séculos.
Manguel, 53, pertence a uma geração que deixou a Argentina durante o regime militar, abraçou outra nacionalidade e hoje tem opiniões sobre a terra natal que beiram o desprezo completo -pode-se observar idêntico sentimento, por exemplo, no filósofo Enrique Lynch, radicado na Espanha e, não por casualidade, seu colega de escola.
"Interessa-me mais dizer que sou canadense do que argentino", assume o escritor, naturalizado desde 1985 e cuja obra é escrita em inglês. A opção por se dizer canadense, embora ele não goste de "letreiros", é explicada por uma certa valorização da maneira como se organiza a sociedade de lá em detrimento da argentina, para a qual não vê futuro.
"A ditadura destruiu muita coisa e, quando há uma corrupção tão profunda e uma violência tão grande, isso repercute em todas as áreas da vida. A Argentina não se recuperou disso e não se recuperará", prevê. Em decorrência, nossos vizinhos teriam ganhado uma falta de "confiança na honestidade, na noção de uma ética".
"Não é que não haja roubo ou delinquência no Canadá, mas ocorre num marco social onde isso não está permitido. Na Argentina, se diz "não se pode fazer, mas o que importa?". No Canadá, se diz "não se pode fazer" e pronto."
Já sobre o Brasil, que visitou nas últimas semanas como convidado da Jornada de Literatura de Passo Fundo (RS), Manguel diz ter esperanças, sobretudo depois que viu o módulo do Inconsciente na exposição Brasil 500 Anos.
"Reconhecer ter um inconsciente me parece de uma inteligência e de uma confiança no país extraordinárias. Creio que, se necessitamos de provas de que o Brasil vai sobreviver, é o fato de reconhecer esse seu outro lado."
Alberto Manguel, que na juventude leu livros para um cego ilustre -Jorge Luis Borges-, também fala da dificuldade de alguns escritores de serem leitores de si próprios. É assim com o peruano Mario Vargas Llosa, sobre quem se debruça no texto "O Fotógrafo Cego", de "No Bosque do Espelho", ou o próprio Borges.
"Borges foi criticado com razão, disse coisas espantosas, idiotas, racistas, sexistas. E escreveu sua obra. Quase diria que não tem nada a ver, mas tem a ver, naturalmente. Esse é o paradoxo e é quase mais maravilhoso que, de uma pessoa com preconceitos, inclusive com sentimentos quase anti-humanistas, saia uma obra que os contradiga", diz Manguel.
"A musa parece escolher com critérios muito estranhos", continua. "Como criadores, há um processo mágico que não leva em conta as qualidades do ser humano. Há pessoas encantadoras que são maus poetas. E há gente atroz que faz maravilhosa poesia. Vargas Llosa é um grande escritor, mas é uma personalidade corrupta e cheia de preconceitos."
Em seu último livro lançado no Brasil, o escritor reivindica para as pessoas comuns a leitura das imagens, em geral, diz, restrita pela sociedade aos críticos e aos guias dos museus. Na obra, discorre sobre aspectos da produção artística de diversos nomes, desde Aleijadinho até Picasso; de van Gogh a Caravaggio. Sem necessariamente se deter apenas neles e traçando um panorama amplo sobre a arte ocidental.
Mas tanta interpretação não prejudica o desfrute da imagem? Manguel responde: "Se prejudica, não faça. Isso não é uma obrigação. É importante não sacralizar nem a imagem nem o texto. A imagem é uma reação química sobre o papel, uma tinta sobre uma tela ou um pedaço de madeira da qual lhe tiraram pedaços. O resto depende de nós".


LENDO IMAGENS. Reading Pictures: A History of Love and Hate. De Alberto Manguel. Tradução de Rubens Figueiredo, Rosaura Eichemberg e Cláudia Strauch. Companhia das Letras (r. Bandeira Paulista, 702, cj. 32, SP, tel. 0/ xx/11/3846-0801, www.companhiadasletras.com.br). 362 págs. R$ 42.



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