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LIVRO/LANÇAMENTO
LITERATURA
Escritor argentino naturalizado canadense discorre sobre aspectos da produção artística de diversos nomes
Alberto Manguel convida a ler imagens
CYNARA MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL
Pareceria até vingança de brasileiro frustrado com a última derrota no futebol, não fossem de um
homem nascido na Argentina as
seguintes palavras: "Tenho carinho pela Argentina como tenho
por uma pessoa que está morrendo de câncer".
Quem diz é o escritor Alberto
Manguel, autor de "Uma História
da Leitura", "Stevenson sob as
Palmeiras" e do recém-lançado
"Lendo Imagens"; no ano que
vem, sai por aqui seu livro mais
famoso, o "Guia de Lugares Imaginários", obra que mapeia terras
criadas pela imaginação humana
ao longo dos séculos.
Manguel, 53, pertence a uma geração que deixou a Argentina durante o regime militar, abraçou
outra nacionalidade e hoje tem
opiniões sobre a terra natal que
beiram o desprezo completo
-pode-se observar idêntico sentimento, por exemplo, no filósofo
Enrique Lynch, radicado na Espanha e, não por casualidade, seu
colega de escola.
"Interessa-me mais dizer que
sou canadense do que argentino",
assume o escritor, naturalizado
desde 1985 e cuja obra é escrita em
inglês. A opção por se dizer canadense, embora ele não goste de
"letreiros", é explicada por uma
certa valorização da maneira como se organiza a sociedade de lá
em detrimento da argentina, para
a qual não vê futuro.
"A ditadura destruiu muita coisa e, quando há uma corrupção
tão profunda e uma violência tão
grande, isso repercute em todas
as áreas da vida. A Argentina não
se recuperou disso e não se recuperará", prevê. Em decorrência,
nossos vizinhos teriam ganhado
uma falta de "confiança na honestidade, na noção de uma ética".
"Não é que não haja roubo ou
delinquência no Canadá, mas
ocorre num marco social onde isso não está permitido. Na Argentina, se diz "não se pode fazer, mas
o que importa?". No Canadá, se
diz "não se pode fazer" e pronto."
Já sobre o Brasil, que visitou nas
últimas semanas como convidado da Jornada de Literatura de
Passo Fundo (RS), Manguel diz
ter esperanças, sobretudo depois
que viu o módulo do Inconsciente na exposição Brasil 500 Anos.
"Reconhecer ter um inconsciente me parece de uma inteligência e de uma confiança no país
extraordinárias. Creio que, se necessitamos de provas de que o
Brasil vai sobreviver, é o fato de
reconhecer esse seu outro lado."
Alberto Manguel, que na juventude leu livros para um cego ilustre -Jorge Luis Borges-, também fala da dificuldade de alguns
escritores de serem leitores de si
próprios. É assim com o peruano
Mario Vargas Llosa, sobre quem
se debruça no texto "O Fotógrafo
Cego", de "No Bosque do Espelho", ou o próprio Borges.
"Borges foi criticado com razão,
disse coisas espantosas, idiotas,
racistas, sexistas. E escreveu sua
obra. Quase diria que não tem nada a ver, mas tem a ver, naturalmente. Esse é o paradoxo e é quase mais maravilhoso que, de uma
pessoa com preconceitos, inclusive com sentimentos quase anti-humanistas, saia uma obra que os
contradiga", diz Manguel.
"A musa parece escolher com
critérios muito estranhos", continua. "Como criadores, há um
processo mágico que não leva em
conta as qualidades do ser humano. Há pessoas encantadoras que
são maus poetas. E há gente atroz
que faz maravilhosa poesia. Vargas Llosa é um grande escritor,
mas é uma personalidade corrupta e cheia de preconceitos."
Em seu último livro lançado no
Brasil, o escritor reivindica para
as pessoas comuns a leitura das
imagens, em geral, diz, restrita pela sociedade aos críticos e aos
guias dos museus. Na obra, discorre sobre aspectos da produção
artística de diversos nomes, desde
Aleijadinho até Picasso; de van
Gogh a Caravaggio. Sem necessariamente se deter apenas neles e
traçando um panorama amplo
sobre a arte ocidental.
Mas tanta interpretação não
prejudica o desfrute da imagem?
Manguel responde: "Se prejudica,
não faça. Isso não é uma obrigação. É importante não sacralizar
nem a imagem nem o texto. A
imagem é uma reação química
sobre o papel, uma tinta sobre
uma tela ou um pedaço de madeira da qual lhe tiraram pedaços. O
resto depende de nós".
LENDO IMAGENS. Reading Pictures: A
History of Love and Hate. De Alberto
Manguel. Tradução de Rubens
Figueiredo, Rosaura Eichemberg e
Cláudia Strauch. Companhia das Letras
(r. Bandeira Paulista, 702, cj. 32, SP, tel. 0/
xx/11/3846-0801, www.companhiadasletras.com.br). 362 págs. R$ 42.
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