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São Paulo, segunda-feira, 08 de setembro de 2003

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Compositor e acadêmico lança "Pérolas aos Poucos" e fala sobre momento cultural do país

Lá vem o Wisnik subindo a ladeira

Tuca Vieira/Folha Imagem
Zé Miguel Wisnik, 54, na ladeira Porto Geral, centro de São Paulo, cenário de seu videoclipe


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

O músico e professor de literatura Zé Miguel Wisnik, 54, move-se pelo mar de camelôs de quinquilharias da ladeira Porto Geral, no centro de São Paulo. Depara-se com uma banca de CDs piratas que vende, por R$ 4, às dezenas, exemplares de seu novo disco, "Pérolas aos Poucos".
A cena parece sonho de um artista que nunca saiu do compartimento do underground. Mas não é, é um videoclipe. Nele, Wisnik brinca com o baixo consumo comercial de sua obra, enquanto procura multiplicar os sentidos da citação bíblica sobre atirar "pérolas aos porcos".
Entende que poucos consumirão seu novo disco independente, como poucos o verão nos dois shows de lançamento que faz amanhã e quarta, em São Paulo. E joga com isso em "Pérolas aos Poucos", nome também da faixa de abertura e fecho do CD.
"O título pode ser lido em muitos sentidos, mas sinaliza a música feita em outra escala, em outra frequência", afirma, contrapondo-a a "um modelo em que se supõe que as coisas só valem pelos recordes que batem".
Refuta, entre as leituras possíveis, a de que ele se colocaria como um produtor privilegiado de obras que o público "comum" não conseguiria captar ou compreender.
"Não é "pérolas aos porcos", isso não é comigo. Não tenho nada contra a lama. É uma provocação, só para contrariar, pegar no contrapé", explica, dizendo que aquela primeira leitura "é desqualificada pelo próprio disco".
Pelo próprio disco passam, pouco a pouco, as participações vocais (de menor ou maior popularidade) de Ná Ozzetti, Luciana Alves, Caetano Veloso, Jussara Silveira e Elza Soares.
E passa, sobretudo, o piano que Wisnik aprendeu desde a infância, chegou a praticar como integrante jovem de orquestra, mas que abandonou em favor da vida acadêmica e, mais à distância, da influência que recebeu da música popular da era dos festivais.
Terceiro álbum solo de Wisnik desde que começou a compor canções, por volta de 1968, "Pérolas aos Poucos" é o primeiro que ele conduz totalmente ao piano.
"O pianista ficou guardado num lugar mais íntimo. O menino pianista queria fazer literatura, tinha interesse em letra e música e não sabia direito como juntar essas duas coisas", lembra, ainda atraído pela canção popular como lugar de encontro entre elas.
Diz compreender como traço geracional o hiato que o afastara da música popular. "Minha geração demorou para se definir, houve um ciclo interrompido de 20 anos. Guinga foi ser dentista, depois voltou à música", compara.

Paternidade
Independente dos rótulos de mercado por trajetória ou por hiato, Wisnik tem sido mais constante em música nesta última década (o primeiro álbum saiu em 93). E vê um ponto de inflexão em sua participação no festival de MPB de 2000 na Rede Globo, com "DNA", que só agora sai em CD.
A canção fala de um tema incomum em música popular -o reconhecimento de uma paternidade. "Era tão íntima, e apresentei da forma mais escandalosamente pública que há. Tenho essa tentação de juntar contrários."
Abre-se quanto ao efeito que teve: "O festival foi um desastre em si, mas eu apresentar "DNA" lá foi maravilhoso na minha vida. Fiquei melhor em todos os sentidos, minha filha também adorou".
É que ali ele tornava pública a existência de Daniela, que teve fora de seu primeiro casamento e só veio a conhecer quando ela tinha 17 anos. "Era uma zona sombria para mim, localizada bem no fato de ser pai, que foi a coisa mais luminosa que me aconteceu."
Ressalta que não há "novela mexicana" no caso: "Eu sabia, minha mulher sempre soube, minha filha sabia que eu era seu pai. Mas nos guardamos, esperamos 17 anos para nos conhecer".

Tabus
Diz que a partir de "DNA" pessoas lhe contaram histórias semelhantes, mostrando a ele que "a família humana é desgarrada". E se sente participando de fase de rompimento de alguns tabus.
"Um trabalhador na Presidência da República significa um tabu que caiu. Quando um cai outros vacilam também", afirma.
"Sinto uma abertura, uma ventilação no país. Essas coisas aquecem a cultura. Me preocupo com os desdobramentos, é claro, mas não faço parte dos intelectuais decepcionados com o governo".
Mas Wisnik sente, de fato, um aquecimento cultural no Brasil? "Não, muito sutilmente, não é que veja sinais", corrige-se.
Diz que é afirmativo, mas não um otimista. "Há muito tempo o mundo tem girado em torno da disputa por lugar no mercado, ficou marcado que as pessoas têm que se lançar como produtos."
Eis-nos de volta à ladeira Porto Geral, às cópias de "Pérolas aos Poucos" vendidas no camelô, ao sonho-videoclipe de Wisnik.


ZÉ MIGUEL WISNIK. Onde: Sesc Vila Mariana (r. Pelotas, 141, São Paulo, tel. 0/xx/11/ 5080-3000). Quando: amanhã e quarta, às 21h. Quanto: R$ 20.


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