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Lynch introduz gênese do pesadelo
DA REDAÇÃO
Num cenário industrial, um homem tem sua cabeça arrancada.
Ela sai voando em direção a rua,
onde um garotinho a encontra e a
vende por uns trocados em uma
fábrica. Lá, uma máquina vai
transformá-la em uma borracha
de lápis.
Seqüência de um filme sem sentido? Se o cineasta em questão for
David Lynch, há toda a coerência
do mundo nestas cenas de "Eraserhead" (1977), seu primeiro
longa-metragem, que é a atração
de hoje do Cine Comodoro, ao lado de "O Homem de Palha"
(1973), de Robin Hardy.
Sob um certo ângulo, Lynch é
um cineasta azarado. Produz numa época em que as coisas precisam ter lógica. Fosse um longa
convencional, a sinopse seria:
Henry, homem solitário, engravida uma mulher e não consegue
aceitar o filho, que nasce deformado. Como trata-se de Lynch,
veremos uma criatura-monstro
com cara de peixe, minhocas/espermatozóides gigantes, frangos
assados que começam a se mexer
no prato, uma moça que vive
num aquecedor, e por aí segue.
Certa vez, no programa de TV
"Independent Focus", Lynch deu
a melhor explicação sobre seu
universo: "Sabe quando você tem
uma idéia e você simplesmente
não sabe de onde ela veio? Ter
uma idéia é como uma pescaria.
Você tem que ficar esperando,
porque uma hora ela chega".
Pois o cineasta teve tempo de
sobra para pescar seu peixe e fazer
esse filme. Mais exatamente cinco
anos. Em 1972, Lynch finalizava
seus estudos no American Film
Institute, em Los Angeles. Com os
recursos que recebeu, reuniu uma
pequena equipe para realizar seu
primeiro longa. Quando o dinheiro minguava, Lynch interrompia
as filmagens e buscava fontes alternativas. Chegou a trabalhar como entregador do "Wall Street
Journal". O diretor praticamente
viveu o filme e morou no estúdio.
Quando finalmente estreou, em
1977, o filme foi um "desastre",
nas palavras do diretor. Nas primeiras sessões, o público e crítica
detestaram. Não é para menos.
Em certo sentido, "Eraserhead" é
um filme mudo -portanto não
se preocupe com as legendas em
francês. Há poucos diálogos, mas
muitos barulhos. Sons de indústrias, sussurros e choros criam
uma atmosfera de pesadelo.
Expressionismo, escatologia,
humor negro e nonsense vão
moldando esse filme, cuja referência mais imediata é "O Bebê de
Rosemary", de Roman Polanski.
"Eraserhead", que em princípio
causou apenas repulsa, virou objeto de culto. Graças à simpatia de
um distribuidor de Nova York,
conseguiu uma sala onde seu filme era exibido numa sessão
"maldita", à meia-noite (conexões com o Cine Comodoro, portanto). De boca em boca, virou
um pequeno sucesso.
Com ele, Lynch entraria em
Hollywood. Um dos fãs era o comediante Mel Brooks, que, após
assisti-lo, fez o meio de campo para que Lynch dirigisse "O Homem-Elefante" (1980).
"Eraserhead" já contém elementos que marcariam Lynch.
Estão lá a criatura deformada
("Homem-Elefante"), as minhocas ("Duna"), mudança de corpos
("Estrada Perdida") e a narrativa
que mistura sonho e realidade
("Cidade dos Sonhos").
Iria também inspirar artistas ligados ao pop (esquisito, claro),
como a banda Pixies e as góticas
do Miranda Sex Garden (ambos
registraram versões para "In Heaven (Everything Is Fine)", música
cantada pela "moça do aquecedor"); o quadrinista Daniel Clowes também tem uma personagem parecidíssima com o bebê
monstro em "Como uma Luva de
Veludo Moldada em Ferro".
O próprio Lynch diria que, cada
vez que o assiste, encontra novos
significados: "É um filme abstrato, uma espécie de sonho; foi feito
de um modo intuitivo e não-intelectual". Significados fechados
são apenas detalhes.
(BYS)
CINECLUBE COMODORO. Exibição de
"O Homem de Palha" e "Eraserhead".
Onde: Cinesesc (r. Augusta, 2.075, SP, tel.
0/xx/11/3082-0213). Quando: hoje, às
21h30 (retirar senha às 21h).
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