|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Nixon e Gaddafi vão ao teatro londrino
Duas montagens usam as histórias do presidente norte-americano e do ditador líbio como matéria-prima de seus textos
Peça "Frost/Nixon" faz especulações e reconstitui os bastidores da entrevista de Nixon para o jornalista
inglês David Frost, em 1977
MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DE LONDRES
Enquanto os ingleses acompanham a guerra no partido
trabalhista contra Tony Blair,
em Londres, duas peças mostram os níveis a que controvérsia e desgraça política podem
chegar.
A mais destacada das montagens, "Frost/Nixon", encenada
no Donmar Warehouse, reproduz a célebre entrevista que o
ex-presidente norte-americano Richard Nixon (1913-1994),
deu ao jornalista britânico David Frost em maio de 1977.
A outra peça, "Gaddafi: A Living Myth", narra a trajetória
do ditador líbio Muammar
Gaddafi.
"Frost/Nixon", que mistura a
entrevista real com lances fictícios de bastidores, foi escrita
por Peter Morgan, um especialista na dramatização da história política atual.
Morgan é autor de "The
Deal" (o acordo), telefilme sobre a relação do premiê Blair
com seu provável substituto,
Gordon Brown, e roteirista do
novo filme de Stephen Frears,
"The Queen", que foca o comportamento da rainha Elizabeth 2ª no episódio da morte da
princesa Diana.
Redenção
A peça é construída como
uma história de redenção, na
qual os dois personagens do título vêem na entrevista a chance de reviver suas carreiras então decadentes.
O ex-presidente carregava o
peso da vergonhosa renúncia
em meio ao escândalo Watergate. O jornalista perdera seus
programas de TV e convivia
com a fama de playboy. Centrado no embate entre os dois homens, o texto analisa a interseção entre mídia e política.
Cotejado por todas as redes
norte-americanas, Nixon decide falar com um jornalista que
julgava "fraco", em vez de encarar o renomado Mike Wallace,
do "60 Minutes".
Frost, por sua vez, precisa
gastar US$ 600 mil para conseguir a entrevista, sem apoio de
nenhum canal e chegando a colocar dinheiro do próprio bolso.
O cenário minimalista da peça -um tapete azul, duas poltronas- é complementado por
um painel de 36 televisões, que
formam uma espécie de telão.
Nele, "closes" nos personagens no embate lembram quão
reveladora -e destruidora- a
imagem televisiva pode ser.
Como o próprio Nixon destaca debochadamente, lembrando sua derrota no debate presidencial para o jovem John Kennedy, um rosto suado pode custar uma eleição.
Nos dois papéis principais,
há uma curiosa inversão. O britânico Michael Sheen, que ganhou fama personificando um
político (Tony Blair, em "The
Deal" e "The Queen"), interpreta o jornalista Frost.
Já o norte-americano Frank
Langella -cujos dois últimos
papéis foram de jornalistas, em
"Boa Noite, e Boa Sorte" e "Superman, o Retorno"- encarna
o político Nixon.
Os dois atores seguem com
perfeição o ritmo do texto de
Morgan: seus personagens são
caricaturais no início, provocando risadas da platéia e recuperando o estereótipo coletivo
dos dois ícones.
Mas à medida que a peça entra nas sessões de gravação da
entrevista -que estabeleceu o
recorde de audiência do gênero-, a gravidade da situação
passa a transparecer no gestual
e nas falas de ambos.
E é justamente nesta parte,
baseada em fatos, que "Frost/
Nixon" mostra todo o potencial
de seu texto.
Embate
O ex-presidente domina os
três primeiros blocos do embate, utilizando as perguntas de
Frost para divagar sobre suas
boas ações, tomando todo o
tempo e desenvolvendo uma
personalidade afável.
No último, quando a equipe
do jornalista já se desmantelava ante ao fraco desempenho
do entrevistador, vem a virada
histórica de Frost, a partir da
descoberta de novas gravações
da Casa Branca que deixaram
Nixon encurralado.
Num grande (e real) diálogo
entre os dois, Nixon admite ter
cometido erros (mas não crimes) e chega o mais próximo
possível das desculpas formais
que nunca pediria.
David Frost iria adquirir, a
partir de então, um novo status
de respeitabilidade. Desde então, o britânico entrevistou os
seis últimos primeiros-ministros ingleses e igual número de
presidentes norte-americanos.
Atualmente, aos 69 anos, é
apresentador do canal internacional da rede árabe Al Jazira.
Já Richard Nixon, isolado e
politicamente nulo até sua
morte, em 1994, deixaria como
único legado o sufixo "gate"
-que, acrescido a qualquer nome, é sinônimo de escândalo
político.
Texto Anterior: Mundo Livre volta a dançar em novo CD Próximo Texto: Gaddafi ganha ar de ícone pop em musical Índice
|