São Paulo, sábado, 08 de setembro de 2007

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ANTONIO CICERO

Os Babilaques de Waly Salomão

Eles não só não se reduzem à poesia visual como não se reduzem a nenhuma espécie de arte CADA UM dos Babilaques de Waly Salomão que estão sendo expostos no espaço Oi Futuro, no Rio de Janeiro, sob a curadoria de Luciano Figueiredo, consiste numa fotografia de uma página de um caderno em espiral, ao lado de diferentes objetos e sobre diferentes superfícies: asfalto, grama, pedra, roupas, outros cadernos etc. Na página, encontram-se desenhos e/ou colagens e/ou letras, palavras, versos, textos em manuscrito etc.
Ao mesmo tempo que descrevia os Babilaques como "performances-poético-visuais", Waly advertia que "evitaria designá-los simplesmente como poemas visuais, já que essa designação é desatenta à somatória de linguagens".
De fato, o que chamamos de "poesia visual" é, naturalmente, uma espécie de poesia. No Ocidente, ela possui uma tradição que remonta à Antiguidade e passa pelo dadaísmo, pelo futurismo, pela poesia concreta etc., até os nossos dias.
Quando digo que a poesia visual é uma espécie de poesia, estou supondo que uma arte chamada "poesia" seja o gênero ao qual pertença a "poesia visual". Isso, porém, supõe, por sua vez, que esse gênero seja, ele mesmo, uma das espécies do gênero que chamamos "arte", ao qual pertencem também outras espécies, como a música, a pintura etc.
Penso que corresponde à intenção mais profunda de Waly dizer que os Babilaques não só não se reduzem à poesia visual mas que não se reduzem a nenhuma dessas espécies de arte: nem mesmo à poesia, quando esta é tomada como uma espécie de arte entre outras.
Longe de aceitar esse modo convencional de classificar a poesia, Waly considera as diferentes artes como diferentes técnicas por meio das quais a poesia é capaz de se realizar. Por isso, seu poema "Exterior" pergunta, por exemplo: "Por que a poesia tem que se confinar/ às paredes da vulva do poema?".
Waly sublinha o caráter inter-relacional dos "textos, objetos, luzes, planos, imagens, cores, superfícies" que se encontram nos Babilaques. Trata-se, segundo ele, de uma "multilinguagem". Não se empreende com essas obras uma busca meramente pictórica, pois a linguagem verbal funciona como "o agente que hibridiza todo o campo sensorial da experiência". Nesse sentido, os Babilaques constituem a radicalização de um programa poético -articulado e realizado de diferentes modos, em diferentes momentos da trajetória de Waly- voltado para o hibridismo e a "polinização cruzada".
Um texto dele com esse nome diz: "Polinizações cruzadas entre o lido e o vivido. Entre a espontaneidade coloquial e o estranhamento pensado. Entre a confissão e o jogo. Entre o vivenciado e o inventado. Entre o propósito e o instinto. Entre a demiúrgica lábia e as camadas, superpostas do refletido. Imbróglio d'álgebra e jogo de azar".
"Uma foto de um pedaço de fruta dentro de uma lata vazia", explica Waly, "não pretende ser uma forma insólita de "natureza morta", mas instaura um discurso, uma fala, um canto, uma música, cines imaginários". Há uma série de Babilaques, intitulada "Amalgâmicas", que correspondem a essa descrição.
"Q a primeira única vez volte a se fazer PRESENÇA", diz o poema "Nota de Cabeça de Página". Assim quer ser o Babilaque: "A composição enquanto presença dalguma coisa". A presença surge "dentro da composição através dela pela primeira única vez", quando, numa performance poética, o artista põe ou surpreende, por exemplo, tal pedaço de fruta dentro de tal lata vazia. E "a fotografia", dizia Waly, "com seus elementos composicionais próprios: luz, cor, ângulo, corte-transforma e fixa a performance poética".
Observe-se nesses textos a insistência da palavra "composição" e cognatas. Uma característica impressionante dos Babilaques -que, aliás, os distingue de quase toda "poesia verbal", conferindo-lhes uma qualidade propriamente plástica- é exatamente a sua composição sempre surpreendente e precisa.
A meu ver, a combinação dessa realização visual com a expressão cabal da vocação walyniana para "[...] transbordar, pintar e bordar, romper as amarras / soltar-se das margens, desbordar, ultrapassar as / bordas, transmudar-se, não restar sendo si-mesmo, / virar ou-tros seres [...]" é uma das principais propriedades que tornam os Babilaques admiráveis obras de arte.
Finalmente, cabe sublinhar a extraordinária sensibilidade, não digo do curador, mas do artista Luciano Figueiredo, ao conceber a dinâmica planar que lhe permitiu, expondo os Babilaques na parede, realçar maximamente as suas qualidades plástico-poéticas.


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