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ANTONIO CICERO
Os Babilaques de Waly Salomão
Eles não só não se reduzem à poesia visual como não se reduzem a nenhuma espécie de arte
CADA UM dos Babilaques de
Waly Salomão que estão sendo expostos no espaço Oi Futuro, no Rio de Janeiro, sob a curadoria de Luciano Figueiredo, consiste numa fotografia de uma página de
um caderno em espiral, ao lado de
diferentes objetos e sobre diferentes
superfícies: asfalto, grama, pedra,
roupas, outros cadernos etc. Na página, encontram-se desenhos e/ou
colagens e/ou letras, palavras, versos, textos em manuscrito etc.
Ao mesmo tempo que descrevia os
Babilaques como "performances-poético-visuais", Waly advertia que
"evitaria designá-los simplesmente
como poemas visuais, já que essa designação é desatenta à somatória de
linguagens".
De fato, o que chamamos de "poesia visual" é, naturalmente, uma espécie de poesia. No Ocidente, ela
possui uma tradição que remonta à
Antiguidade e passa pelo dadaísmo,
pelo futurismo, pela poesia concreta
etc., até os nossos dias.
Quando digo que a poesia visual é
uma espécie de poesia, estou supondo que uma arte chamada "poesia"
seja o gênero ao qual pertença a
"poesia visual". Isso, porém, supõe,
por sua vez, que esse gênero seja, ele
mesmo, uma das espécies do gênero
que chamamos "arte", ao qual pertencem também outras espécies, como a música, a pintura etc.
Penso que corresponde à intenção
mais profunda de Waly dizer que os
Babilaques não só não se reduzem à
poesia visual mas que não se reduzem a nenhuma dessas espécies de
arte: nem mesmo à poesia, quando
esta é tomada como uma espécie de
arte entre outras.
Longe de aceitar esse modo convencional de classificar a poesia,
Waly considera as diferentes artes
como diferentes técnicas por meio
das quais a poesia é capaz de se realizar. Por isso, seu poema "Exterior"
pergunta, por exemplo: "Por que a
poesia tem que se confinar/ às paredes da vulva do poema?".
Waly sublinha o caráter inter-relacional dos "textos, objetos, luzes,
planos, imagens, cores, superfícies"
que se encontram nos Babilaques.
Trata-se, segundo ele, de uma "multilinguagem". Não se empreende
com essas obras uma busca meramente pictórica, pois a linguagem
verbal funciona como "o agente que
hibridiza todo o campo sensorial da
experiência". Nesse sentido, os Babilaques constituem a radicalização
de um programa poético -articulado e realizado de diferentes modos,
em diferentes momentos da trajetória de Waly- voltado para o hibridismo e a "polinização cruzada".
Um texto dele com esse nome diz:
"Polinizações cruzadas entre o lido e
o vivido. Entre a espontaneidade coloquial e o estranhamento pensado.
Entre a confissão e o jogo. Entre o vivenciado e o inventado. Entre o propósito e o instinto. Entre a demiúrgica lábia e as camadas, superpostas
do refletido. Imbróglio d'álgebra e
jogo de azar".
"Uma foto de um pedaço de fruta
dentro de uma lata vazia", explica
Waly, "não pretende ser uma forma
insólita de "natureza morta", mas
instaura um discurso, uma fala, um
canto, uma música, cines imaginários". Há uma série de Babilaques,
intitulada "Amalgâmicas", que correspondem a essa descrição.
"Q a primeira única vez volte a se
fazer PRESENÇA", diz o poema
"Nota de Cabeça de Página". Assim
quer ser o Babilaque: "A composição
enquanto presença dalguma coisa".
A presença surge "dentro da composição através dela pela primeira única vez", quando, numa performance
poética, o artista põe ou surpreende,
por exemplo, tal pedaço de fruta
dentro de tal lata vazia. E "a fotografia", dizia Waly, "com seus elementos composicionais próprios: luz,
cor, ângulo, corte-transforma e fixa
a performance poética".
Observe-se nesses textos a insistência da palavra "composição" e
cognatas. Uma característica impressionante dos Babilaques -que,
aliás, os distingue de quase toda
"poesia verbal", conferindo-lhes
uma qualidade propriamente plástica- é exatamente a sua composição
sempre surpreendente e precisa.
A meu ver, a combinação dessa
realização visual com a expressão
cabal da vocação walyniana para
"[...] transbordar, pintar e bordar,
romper as amarras / soltar-se das
margens, desbordar, ultrapassar as /
bordas, transmudar-se, não restar
sendo si-mesmo, / virar ou-tros seres [...]" é uma das principais propriedades que tornam os Babilaques
admiráveis obras de arte.
Finalmente, cabe sublinhar a extraordinária sensibilidade, não digo
do curador, mas do artista Luciano
Figueiredo, ao conceber a dinâmica
planar que lhe permitiu, expondo os
Babilaques na parede, realçar maximamente as suas qualidades plástico-poéticas.
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