São Paulo, terça, 8 de setembro de 1998

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FESTIVAL DE VENEZA
Filme de Makhmalbaf é reeducação dos sentidos

AMIR LABAKI
enviado especial a Veneza

Prossegue ladeira abaixo a disputa pelo Leão de Ouro da 55ª Mostra Internacional de Arte Cinematográfica de Veneza.
A ida cotidiana ao Palalido, a sala das sessões oficiais para a imprensa, é a confirmação diária do triunfo da esperança sobre a experiência. A safra 1998 definitivamente não ajuda.
O isolado concorrente latino- americano, "A Nuvem", do argentino Fernando Solanas ("Tangos"), tenta hoje cancelar o tédio.
Tem a brasileira Angela Correa no elenco, ao lado de Eduardo Pavlowsky e de Christophe Malavoy. A comédia portuguesa "Tráfico", de João Botelho, também se apresenta à noite para a disputa. É torcer.
O iraniano Mohsen Makhmalbaf ("Salve o Cinema") foi ontem a exceção, ainda que não totalmente convincente. "O Silêncio" tem o mérito do inconformismo. É uma ode à vida e um chamado à reeducação dos sentidos.
A trama, como sempre na escola iraniana, é esquelética e secundária. Na ex-república soviética do Tadjiquistão, um menino cego ajuda a sustentar a mãe trabalhando na afinação de instrumentos. Seus constantes atrasos comprometem seu emprego exatamente quando o proprietário pede de volta a casa em que vivem.
A cegueira permite a Makhmalbaf destacar o poder da música e a poesia das cores.
Canções populares iranianas mesclam-se com a introdução à "Quinta Sinfonia" de Beethoven. "O Silêncio" é uma espécie de "Gabbeh" para os ouvidos.
Tudo iria bem se Makhmalbaf apostasse na síntese. Seu filme é curiosamente esticado, apesar de durar não mais que 76 minutos.
A batalha pela "ressensibilização" do homem exige economia -não reiteração. "O Silêncio" peca pelo excesso -mas se destaca, dada a mediocridade reinante.
Os demais concorrentes dos últimos dias merecem quando muito notas telegráficas. "I Piccoli Maestri" (Os Pequenos Mestres), de Daniele Luchetti, é uma visão melodramática e superficial de um grupo de jovens resistentes italianos durante a Segunda Guerra.
Baseado num romance autobiográfico de Luigi Meneghello, é um misto de "Sociedade dos Poetas Mortos" e "Paisà", ainda que resulte a anos-luz de ambos.
Já "Hilary e Jackie", de Anand Tucker, é uma exploração barata do drama real da grande violoncelista Jacqueline Du Pré.
Fenômeno musical dos anos 60, casada com o pianista argentino Daniel Barenboim, Du Pré morreu precocemente, vítima de esclerose múltipla. Nem Emily Watson ("Ondas do Destino") evita o ridículo em mais essa caricatura do artista genial nos palcos e monstruoso fora deles.



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