São Paulo, domingo, 08 de outubro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/"Morango e Chocolate"

Filme de amor cubano vai além da limitação panfletária

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Filme político é um gênero que costuma provocar reações alérgicas na maioria dos freqüentadores de locadoras, quase sempre em busca de entretenimento sem conseqüências. Mas passar ao largo de "Morango e Chocolate" seria menosprezar a riqueza de sentidos possíveis para a palavra "política".
O filme cubano, dirigido por Tomás Gutiérrez Alea e Juan Carlos Tabió, em 1994, vai além de qualquer limitação panfletária. O engajamento aqui diz respeito a um valor crucial -liberdade- pelo qual todos lutam.
A obra narra primeiro uma tentativa fracassada de sedução, depois, o envolvimento de um homossexual culto -duas características suficientes para se tornar um perseguido pelo regime de Fidel Castro- e um jovem entusiasta dos valores da revolução cubana. De um lado, a consciência libertária; de outro, a paixão cega como sinônimo de ideologia. De um lado, o desejo livre de amarras; de outro, o preconceito.
Como já indica o título, não interessa à dupla Alea/Tabió reduzir a um simplismo a oposição entre caracteres estereotipados, nem conduzir o espectador a assumir um dos partidos. Não existe a opção de escolher o sabor morango (o da delicadeza do homossexual Diego) ou o chocolate (o da macheza do heterossexual David). Trata-se de fazer ver, por meio de um relacionamento calcado na oposição e na disputa, que a exclusão da diferença é o caminho mais curto para a supressão do humano.
Quando se aponta o elemento político na obra não se quer dizer que se trata de um filme de propaganda. Com uma abordagem quase romântica de ideais libertários, Alea e Tabió permitem ao público identificar valores concretos da revolução como superados àquela altura. Mas nem por isso a obra funda suas qualidades em um posicionamento anticastrista.
Rever "Morango e Chocolate", passada mais de uma década, permite compreender que, mais que um filme político, Alea e Tabió realizaram um belíssimo filme de amor. Do amor entre dois homens que avançam sobre suas diferenças e concretizam sua bela história com base no entendimento. Do amor por Havana, filmada com uma única poesia capaz de revelar mesmo suas ruínas e seu folclore sob a luz da exuberância. Por fim, do amor a um país e a uma cultura, na devoção que Diego dispensa para elevar David à altura onde se encontram os deuses da arte cubana.


MORANGO E CHOCOLATE     
Direção:
Tomás Gutiérrez Alea e Juan Carlos Tabió
Distribuidora: Versátil (R$ 37,50)


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Diretor foi entusiasta da revolução
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.