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BIA ABRAMO
Homens, mulheres e carros
Para a propaganda, o
carro é um objeto de
valor fálico, que confere
poder, status e virilidade
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VOCÊ , certamente, já deve ter
visto a propaganda: uma câmera hiper-realista exibe
imagens muito nítidas e bonitas de
uma mulher (ou de um homem, numa segunda versão do mesmo "conceito") e de um carro. "Você e seu..."
e o locutor enuncia a marca automobolística.
Primeiro, um plano americano
mostra rosto e pescoço da mulher;
depois, parte do capô de um carro.
Detalhes de uma e de outro vão se alternando: olhos são comparados a
faróis, o interior do veículo ao do
corpo humano e assim vai. No início,
as imagens do ser humano e do automóvel sucedem-se em intervalos
maiores, que vão diminuindo, e o ritmo vai crescendo, como numa relação sexual, até o paralelo homem-máquina atingir uma espécie de paroxismo orgástico.
E vem a bonança: "Sabe que cada
vez vocês estão mais parecidos?".
Aparece o logotipo, clássico, em prata sobre preto, e o resto é silêncio.
Estamos, provavelmente, diante
de um marco histórico da publicidade a partir daqui, os automóveis estão pau-a-pau, parafuso-a-parafuso
com seres humanos.
Homens e mulheres devem passar
a procurar suas caras-metades entre
carros, entre marcas de carro, entre
modelos daquela marca específica,
não mais, nunca mais, entre outros
homens e mulheres.
Para a propaganda clássica, o carro
nunca foi o veículo utilitário, barulhento, poluidor que de fato é, e, sim,
um objeto de valor fálico, que confere poder, status, virilidade e sabe-se
lá que outros buracos existenciais
que se supõe que o carro possa
preencher. Agora, abre-se uma nova
era, em que de objeto o carro passa a
ser sujeito.
Uau!
É evidente que não é lá muita surpresa o fato de a propaganda não ter
o menor pudor em atribuir significados afetivos, morais, espirituais aos
objetos que tem por objetivo vender.
Digamos que, numa sociedade que
colocou o mercado em uma posição
de deus a ser apaziguado, com sacrifícios rituais em que excluídos, pobres e outros perdedores devem ser
oferecidos em holocausto para agradá-lo, essa é uma operação que soa
quase que natural.
O que indica estarmos em outro
patamar de desfaçatez, digamos assim, é essa imposição de uma intimidade (desejável e necessária) entre
homem e máquina, na qual não é o
homem quem conduz a máquina,
mas a máquina que impõe suas formas e seu ritmo ao homem. E disso
extrai-se um novo tipo de gozo, não
mais humano.
biabramo.tv@uol.com.br
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