São Paulo, quinta-feira, 08 de outubro de 2009

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Análise

Soderbergh ajuda atores a brilhar


Sem conseguir se impor como autor, diretor conduz com eficiência intérpretes e grandes produções, em filmografia irregular


INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"Ria de uma má reputação. Tema uma boa que você não possa sustentar."
A frase de Robert Bresson cai como uma luva em Steven Soderbergh, diretor de cinema a quem o mundo cometeu a injustiça de presentear com uma Palma de Ouro em Cannes logo em sua estreia no mundo da ficção, com "Sexo, Mentiras e Videotape", em 1989.
Como sustentar uma boa reputação tão instantânea? Talvez se afirmando como autor, há de ter pensado Steven, que produziu então "Kafka", o entojado "Kafka". Se, nos anos 90 permanece a fama de um dos principais cineastas independentes americanos, Soderbergh pula de gênero a gênero e não afirma um estilo. É na virada para o século 21, com Julia Roberts, que sua carreira volta a deslanchar. "Erin Brockovich - Uma Mulher de Talento" (2000) é a senha para o reconhecimento de público e crítica nos EUA. No mesmo ano, emplaca "Traffic".
"Erin" tocava na corda do feminismo e do politicamente correto: é a mulher que cria os filhos sozinha, após dois divórcios, e luta num mercado de trabalho machista. Começando por uma posição subalterna num escritório de advocacia meio decadente, ela conseguirá uma macroindenização para uma comunidade contaminada por dejetos lançados por uma poderosa empresa.
É Davi contra Golias, certamente. Pode-se objetar que, com o mesmo tema, mais fechado nas reações humanas e menos em chavões políticos, Sidney Lumet, por exemplo, fez muito melhor (em "O Veredicto"). É verdade. Mas dessa vez, Julia, estrela máxima de Hollywood, brilhou e ganhou o Oscar. Ao mesmo tempo, em "Traffic", com um tema mais grave, a luta contra os tóxicos, Soderbergh lançava-se num filme mais "sério", no qual Michael Douglas era o juiz alçado à posição de líder da luta contra o tráfico que descobria ter em casa uma viciada: sua própria filha. A ideia era forte: empregue-se no front repressivo contra o tráfico com o empenho e a força que quiser, a luta tende ao fracasso. Com esse filme, Soderbergh levou, no mesmo ano, o Oscar de melhor direção.
Difícil pedir mais. No entanto, seus filmes continuam a manter a estranha tendência a se mostrarem olvidáveis, a pouco terem de marcantes, a não ser a direção de atores. Essa virtude o levará a dirigir máquinas com estrelas por todos os lados e, de certa forma, a descobrir sua vocação para o entretenimento, desde "Onze Homens e um Segredo".
A partir daí, mesmo quando busca o tema grave, como em "Che", biografia do líder revolucionário, o que se sobressai é o talento para a aventura (a primeira parte, referente aos anos de Sierra Maestra, é muito superior à segunda, referente à derrota e à morte na Bolívia) e a direção de atores (Benicio del Toro brilha em ambas as partes). Quando retorna à pequena produção e busca a ousadia, no entanto, como no recente "Confissões de uma Garota de Programa", em que trabalhou com a atriz pornô Sasha Grey, o resultado não convence.
É uma estranha trajetória: parece que Soderbergh encontra o reconhecimento quando e onde não procura. Quando o busca, as fragilidades de seus filmes dão a impressão de crescer. Tudo aponta para um independente que nunca se impõe como o autor que quer ser, mas demonstra vocação para um artesanato em que se mostra capaz de conduzir com eficiência grandes produções e ajudar atores a brilhar: é aqui que sua reputação se sustenta melhor.


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