São Paulo, quinta-feira, 08 de outubro de 2009

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Comentário

"Geleia do Rock" deixa pouco espaço para a música

"BBB" musical traz jovens músicos desconhecidos disputando vaga em banda

PAULO RICARDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Eddie Sullivan que me desculpe, mas a televisão sempre foi um veículo perigoso para o rock and roll. Pequenos e ridículos alto-falantes embutidos castram qualquer possibilidade de barulho, ingrediente fundamental do gênero.
A telinha parece decidida a conter, cortar e editar qualquer movimento pélvico ou gesto fora dos padrões. O controle remoto, ameaçador, vigilante, sempre atento às dissonâncias, pronto para mudar de canal, exerce seu poder silencioso nas mãos do telespectador. Sem falar no apresentador, no diretor, e no poder supremo da TV, o patrocinador.
São notórios na história do rock dois episódios protagonizados pelo tal Eddie Sullivan (há um DVD com o melhor dos musicais de seu programa, vale a pena conferir): quando os Rolling Stones são intimados a trocar "let's spend the night together" por "let's spend some time together", com Jagger revirando os olhinhos sublinhando a ironia, e quando The Doors são proibidos de cantar "girl, you couldn't get much higher", o que é solenemente ignorado por Jim Morrison (eles nunca puderam voltar ao programa).
Vantagens da TV ao vivo. Tempos românticos, em que ainda havia algo de ameaçador nesse tal de "roquenrow". Pobre Andy Warhol, não tinha ideia do que viria quando vaticinou que "no futuro, todos serão famosos por quinze minutos". Bem-vindos à era do reality show, uma contradição em termos, na qual a busca pela fama é mais importante do que o prêmio ou qualquer outra razão para se estar ali.
Neste programa do Multishow, o formato não é muito diferente dos outros. Alguns poucos eleitos disputam a glória de montar uma superbanda, escolhida, é claro, pela audiência, que terá direito a um especial no canal, e depois, quem sabe, uma brilhante carreira. Enquanto outros sofrerão a humilhação pública de serem defenestrados, suas limitações expostas e suas carreiras ceifadas no pé. Para muitos, a melhor parte.
Beto Lee segura a difícil tarefa de Bial da balança com segurança e seriedade. A Toca do Bandido, notório estúdio no Rio, é a perfeita casa do "BBB" do rock. Os depoimentos emocionados, a puberdade transbordando como a espuma de um copo de guaraná, as poses calculadas, as referências explicitadas, a orientação dos experts, a participação de meu parceiro querido, o Barão Roberto Frejat, a produção sempre caprichosa da Conspira.
Eu só me pergunto: cadê a música? De onde possivelmente poderá surgir boa música, novas canções, uma banda de verdade dessa "glass house" monitorada? Penso no documentário "One Plus One", em que Jean-Luc Godard captura os Stones criando "Symphathy for the Devil", penso em "Let it Be", o filme, mas tudo acaba parecendo um episódio de "The Monkees"...
Confesso que nunca entendi programas como "Fama", "Ídolos" e outros do gênero, como se a fama fosse um fim em si, e não a consequência de um trabalho bem feito. Sinto falta dos festivais de música que revelaram Chico, Gil e Milton, entre outros, de Rita Lee vestida de noiva grávida, de Hermeto Paschoal tirando som de um porco, de Caetano dizendo "vocês não estão entendendo absolutamente nada", diante de vaias estrondosas.
E vocês, estão entendendo?


PAULO RICARDO é cantor e compositor.

GELEIA DO ROCK

Quando: terças, às 22h30; reprises quarta, às 7h30 e às 15h30, sexta, às 12h30, sábado, às 18h, e domingo, às 9h30 e às 13h
Onde: no canal pago Multishow
Classificação indicativa: livre


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