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Comentário
"Geleia do Rock" deixa pouco espaço para a música
"BBB" musical traz jovens músicos desconhecidos disputando vaga em banda
PAULO RICARDO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Eddie Sullivan que me desculpe, mas a televisão sempre
foi um veículo perigoso para o
rock and roll. Pequenos e ridículos alto-falantes embutidos
castram qualquer possibilidade
de barulho, ingrediente fundamental do gênero.
A telinha parece decidida a
conter, cortar e editar qualquer
movimento pélvico ou gesto fora dos padrões. O controle remoto, ameaçador, vigilante,
sempre atento às dissonâncias,
pronto para mudar de canal,
exerce seu poder silencioso nas
mãos do telespectador. Sem falar no apresentador, no diretor,
e no poder supremo da TV, o
patrocinador.
São notórios na história do
rock dois episódios protagonizados pelo tal Eddie Sullivan
(há um DVD com o melhor dos
musicais de seu programa, vale
a pena conferir): quando os Rolling Stones são intimados a
trocar "let's spend the night together" por "let's spend some
time together", com Jagger revirando os olhinhos sublinhando a ironia, e quando The Doors
são proibidos de cantar "girl,
you couldn't get much higher",
o que é solenemente ignorado
por Jim Morrison (eles nunca
puderam voltar ao programa).
Vantagens da TV ao vivo.
Tempos românticos, em que
ainda havia algo de ameaçador
nesse tal de "roquenrow". Pobre Andy Warhol, não tinha
ideia do que viria quando vaticinou que "no futuro, todos serão famosos por quinze minutos". Bem-vindos à era do reality show, uma contradição em
termos, na qual a busca pela fama é mais importante do que o
prêmio ou qualquer outra razão para se estar ali.
Neste programa do Multishow, o formato não é muito diferente dos outros. Alguns poucos eleitos disputam a glória de
montar uma superbanda, escolhida, é claro, pela audiência,
que terá direito a um especial
no canal, e depois, quem sabe,
uma brilhante carreira. Enquanto outros sofrerão a humilhação pública de serem defenestrados, suas limitações expostas e suas carreiras ceifadas
no pé. Para muitos, a melhor
parte.
Beto Lee segura a difícil tarefa de Bial da balança com segurança e seriedade. A Toca do
Bandido, notório estúdio no
Rio, é a perfeita casa do "BBB"
do rock. Os depoimentos emocionados, a puberdade transbordando como a espuma de
um copo de guaraná, as poses
calculadas, as referências explicitadas, a orientação dos experts, a participação de meu
parceiro querido, o Barão Roberto Frejat, a produção sempre caprichosa da Conspira.
Eu só me pergunto: cadê a
música? De onde possivelmente poderá surgir boa música,
novas canções, uma banda de
verdade dessa "glass house"
monitorada? Penso no documentário "One Plus One", em
que Jean-Luc Godard captura
os Stones criando "Symphathy
for the Devil", penso em "Let it
Be", o filme, mas tudo acaba parecendo um episódio de "The
Monkees"...
Confesso que nunca entendi
programas como "Fama", "Ídolos" e outros do gênero, como
se a fama fosse um fim em si, e
não a consequência de um trabalho bem feito. Sinto falta dos
festivais de música que revelaram Chico, Gil e Milton, entre
outros, de Rita Lee vestida de
noiva grávida, de Hermeto Paschoal tirando som de um porco,
de Caetano dizendo "vocês não
estão entendendo absolutamente nada", diante de vaias
estrondosas.
E vocês, estão entendendo?
PAULO RICARDO é cantor e compositor.
GELEIA DO ROCK
Quando: terças, às 22h30; reprises
quarta, às 7h30 e às 15h30, sexta, às
12h30, sábado, às 18h, e domingo, às
9h30 e às 13h
Onde: no canal pago Multishow
Classificação indicativa: livre
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