São Paulo, sexta-feira, 08 de outubro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

OPINIÃO

Um prêmio sem surpresas, entregue ao senso comum

LAURA JANINA HOSIASSON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se Mario Vargas Llosa se mostrar muito surpreso com a sua premiação, ele não estará sendo sincero. Como escritor, desde os primeiros romances, seu horizonte foi largo, totalizante.
Vargas Llosa transmite isso à forma de sua escrita que, longe do tratamento intimista ou de foco reduzido, preferiu sempre a lente maior, a grande angular que dá espaço a grandes contingentes de personagens ou a grupos de seres que, na soma das performances, oferecem uma visão panorâmica do conjunto.
Já como intelectual, sua trajetória foi sempre na direção de uma expansão de interesses. O escritor desenhou a figura de homem público que pauta sua ensaística e sua longa atuação como cronista e colunista de jornais.
Creio que pode se pensar na trajetória de Vargas Llosa como um emblema de todo um percurso possível de certo pensamento da esquerda latino-americana. Ele é o primeiro a ratificar isso.
Ainda jovem, com olhar crítico e revolucionário, perscruta uma realidade endemicamente injusta, pondo o dedo na ferida de preconceitos, atrasos e desenvolvimentos perversos de uma modernidade atrapalhada.
Nos anos 1970, começaria a dar os passos de distanciamento com a intervenção no caso do poeta cubano Heberto Padilla, perseguido pelo regime de Fidel Castro.
Desse momento até as eleições presidenciais como o candidato conservador e, mais recentemente, como articulista de assuntos de interesse internacional, Vargas Llosa "endireitou", ou seja, amenizou, contemporizou, aparou arestas... Não haverá aqui uma analogia com a curva dos movimentos liberais desde o século 19?
O galardão que agora ele recebe é sabidamente um prêmio que vai além do reconhecimento literário. Premia toda uma atuação intelectual e, se alguém dentro do cenário intelectual de hoje se perfila como um homem do seu tempo, é Vargas Llosa.
Só a modo de coda final e para não deixar de levantar um problema, penso que a fórmula que o grande escritor peruano encontrou para costurar sua vocação literária com a do político está na raiz de uma retração na qualidade da escrita.
Não há de fato como pensar a literatura latino-americana do século 20 sem tê-lo lido. Mas também é verdade que pela mão do exímio narrador desfilam há muitos anos, ideias fracas, lugares-comuns e conciliadores, afastados de uma grande experiência artística.


LAURA JANINA HOSIASSON é professora de literatura hispano-americana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP


Texto Anterior: Nobel premia estilo mordaz de Vargas Llosa
Próximo Texto: Últimos dez Nobel de Literatura
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.