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OPINIÃO
Um prêmio sem surpresas, entregue ao senso comum
LAURA JANINA HOSIASSON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Se Mario Vargas Llosa se
mostrar muito surpreso com
a sua premiação, ele não estará sendo sincero.
Como escritor, desde os
primeiros romances, seu horizonte foi largo, totalizante.
Vargas Llosa transmite isso à
forma de sua escrita que, longe do tratamento intimista
ou de foco reduzido, preferiu
sempre a lente maior, a grande angular que dá espaço a
grandes contingentes de personagens ou a grupos de seres que, na soma das performances, oferecem uma visão
panorâmica do conjunto.
Já como intelectual, sua
trajetória foi sempre na direção de uma expansão de interesses. O escritor desenhou
a figura de homem público
que pauta sua ensaística e
sua longa atuação como cronista e colunista de jornais.
Creio que pode se pensar
na trajetória de Vargas Llosa
como um emblema de todo
um percurso possível de certo pensamento da esquerda
latino-americana. Ele é o primeiro a ratificar isso.
Ainda jovem, com olhar
crítico e revolucionário, perscruta uma realidade endemicamente injusta, pondo o dedo na ferida de preconceitos,
atrasos e desenvolvimentos
perversos de uma modernidade atrapalhada.
Nos anos 1970, começaria
a dar os passos de distanciamento com a intervenção no
caso do poeta cubano Heberto Padilla, perseguido pelo
regime de Fidel Castro.
Desse momento até as eleições presidenciais como o
candidato conservador e,
mais recentemente, como articulista de assuntos de interesse internacional, Vargas
Llosa "endireitou", ou seja,
amenizou, contemporizou,
aparou arestas... Não haverá
aqui uma analogia com a
curva dos movimentos liberais desde o século 19?
O galardão que agora ele
recebe é sabidamente um
prêmio que vai além do reconhecimento literário. Premia
toda uma atuação intelectual
e, se alguém dentro do cenário intelectual de hoje se perfila como um homem do seu
tempo, é Vargas Llosa.
Só a modo de coda final e
para não deixar de levantar
um problema, penso que a
fórmula que o grande escritor peruano encontrou para
costurar sua vocação literária com a do político está na
raiz de uma retração na qualidade da escrita.
Não há de fato como pensar a literatura latino-americana do século 20 sem tê-lo
lido. Mas também é verdade
que pela mão do exímio narrador desfilam há muitos
anos, ideias fracas, lugares-comuns e conciliadores,
afastados de uma grande experiência artística.
LAURA JANINA HOSIASSON é professora
de literatura hispano-americana na
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP
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