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"UMA OUTRA CIDADE"
Ugo Giorgetti documenta poesia que São Paulo soterrou
JOSÉ GERALDO COUTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
"Uma Outra Cidade", documentário de Ugo Giorgetti que pré-estréia para convidados hoje no Espaço Unibanco e
vai ao ar sábado às 21h na TV Cultura, é um desses raros filmes que
captam o espírito de um local e de
um tempo por meio de uns poucos personagens singulares.
O local é a cidade de São Paulo,
em especial seu centro, entre a
praça da República e a praça da
Sé. O tempo é a virada dos anos 50
para os 60, quando a Paulicéia
ainda vivia um misto de provincianismo e cosmopolitismo.
Os personagens são meia dúzia
de poetas, os chamados "Novíssimos": Roberto Piva, Jorge Mautner, Cláudio Willer, Antônio Fernando de Franceschi, Rodrigo de
Haro e Carlos Felipe Moisés.
Avessos à poesia concreta, que
consideravam demasiado cerebral e fria, e à arte engajada, que
julgavam pobre, eram influenciados pelos surrealistas e pelos autores da "beat generation". Eram
herdeiros do espírito romântico.
Ao longo do vídeo, que entrelaça preciosas imagens de época aos
depoimentos dos membros do
grupo, vão se delineando outras
referências importantes: o existencialismo de Sartre e Camus, o
cinema japonês e, no caso de
Mautner, o taoísmo, Nietzsche e
Heidegger. Perambulando pelas
livrarias do centro, como a Francesa, a Italiana, a Mestre Jou e o
Palácio do Livro, confabulando
em bares como o Brahma e o Paribar, formavam uma turma diversificada e original, orgulhosamente à margem do "establishment".
Eram uma espécie de "exército
Brancaleone" da inteligência e da
sensibilidade, que em poucos
anos seria dispersado pela ditadura militar, pelo mercado da cultura, pelo embrutecimento da cidade e do país. O que o filme flagra é
o momento anterior à dispersão,
o momento em que São Paulo
aprendia a ler e reinventar o mundo, e tudo ainda parecia possível.
Numa passagem emblemática,
Rodrigo de Haro conta que, numa
viagem a Florianópolis, foi jogando pela janela do ônibus exemplares de seu livro, para quem quisesse pegar. Havia uma concepção da poesia como "mensagem
na garrafa". Uma concepção pré-mercado. Antônio de Franceschi
diz que o que cimentava aquele
grupo não eram nem as afinidades políticas nem as estéticas, e
sim a afetividade. Essa mesma
afetividade impregna o documentário de Giorgetti. Percebe-se
o tempo todo que ele está falando
dos seus amigos e da sua cidade.
Embora o tom não seja nostálgico, é impossível evitar uma certa
melancolia quando se contrasta a
São Paulo do filme com a megalópole infernal em que se transformou. À sua maneira, Giorgetti
acabou por fazer um manifesto
contra a destruição da cidade como espaço de convívio humano e
criação de cultura. No fundo, esse
é o tema de todos os seus filmes.
Uma Outra Cidade
Diretor: Ugo Giorgetti
Quando: sábado, às 21h, na TV Cultura
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