São Paulo, quarta-feira, 08 de novembro de 2000

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"UMA OUTRA CIDADE"
Ugo Giorgetti documenta poesia que São Paulo soterrou

JOSÉ GERALDO COUTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Uma Outra Cidade", documentário de Ugo Giorgetti que pré-estréia para convidados hoje no Espaço Unibanco e vai ao ar sábado às 21h na TV Cultura, é um desses raros filmes que captam o espírito de um local e de um tempo por meio de uns poucos personagens singulares.
O local é a cidade de São Paulo, em especial seu centro, entre a praça da República e a praça da Sé. O tempo é a virada dos anos 50 para os 60, quando a Paulicéia ainda vivia um misto de provincianismo e cosmopolitismo.
Os personagens são meia dúzia de poetas, os chamados "Novíssimos": Roberto Piva, Jorge Mautner, Cláudio Willer, Antônio Fernando de Franceschi, Rodrigo de Haro e Carlos Felipe Moisés.
Avessos à poesia concreta, que consideravam demasiado cerebral e fria, e à arte engajada, que julgavam pobre, eram influenciados pelos surrealistas e pelos autores da "beat generation". Eram herdeiros do espírito romântico.
Ao longo do vídeo, que entrelaça preciosas imagens de época aos depoimentos dos membros do grupo, vão se delineando outras referências importantes: o existencialismo de Sartre e Camus, o cinema japonês e, no caso de Mautner, o taoísmo, Nietzsche e Heidegger. Perambulando pelas livrarias do centro, como a Francesa, a Italiana, a Mestre Jou e o Palácio do Livro, confabulando em bares como o Brahma e o Paribar, formavam uma turma diversificada e original, orgulhosamente à margem do "establishment".
Eram uma espécie de "exército Brancaleone" da inteligência e da sensibilidade, que em poucos anos seria dispersado pela ditadura militar, pelo mercado da cultura, pelo embrutecimento da cidade e do país. O que o filme flagra é o momento anterior à dispersão, o momento em que São Paulo aprendia a ler e reinventar o mundo, e tudo ainda parecia possível.
Numa passagem emblemática, Rodrigo de Haro conta que, numa viagem a Florianópolis, foi jogando pela janela do ônibus exemplares de seu livro, para quem quisesse pegar. Havia uma concepção da poesia como "mensagem na garrafa". Uma concepção pré-mercado. Antônio de Franceschi diz que o que cimentava aquele grupo não eram nem as afinidades políticas nem as estéticas, e sim a afetividade. Essa mesma afetividade impregna o documentário de Giorgetti. Percebe-se o tempo todo que ele está falando dos seus amigos e da sua cidade.
Embora o tom não seja nostálgico, é impossível evitar uma certa melancolia quando se contrasta a São Paulo do filme com a megalópole infernal em que se transformou. À sua maneira, Giorgetti acabou por fazer um manifesto contra a destruição da cidade como espaço de convívio humano e criação de cultura. No fundo, esse é o tema de todos os seus filmes.


Uma Outra Cidade
     Diretor: Ugo Giorgetti Quando: sábado, às 21h, na TV Cultura




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