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São Paulo, sábado, 08 de novembro de 2003

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"SHAKESPEARE NOSSO CONTEMPORÂNEO"

Livro de Jan Kott é de 1961

Estudo coloca história como protagonista de tragédias

RINALDO GAMA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Seria descabido não reconhecer a importância de "Shakespeare Nosso Contemporâneo", do polonês Jan Kott (1914-2001), para alguns diretores do porte de Peter Brook e José Celso Martinez Corrêa.
Por força disso, pode-se supor que o interesse do livro, publicado pela primeira vez em 1961, se restrinja aos profissionais da área -quer dizer, que se trate de obra distante tanto de teóricos da literatura quanto, especialmente, do público em geral.
Embora se detenha sobretudo nos aspectos "teatrais" da produção shakespeariana, o trabalho de Kott -conforme enfatiza o prefácio, aliás assinado por Brook- constitui "para o mundo erudito uma contribuição preciosa (...), e para o público, uma revelação".
Se é verdade que muito do vigor das análises de Jan Kott se apóie em exemplos de montagens então recentes, e que mesmo no capítulo em que se debruça sobre os sonetos de William Shakespeare ele os apresente como um "prólogo" dos textos escritos para o palco, não se pode negar que tal ênfase no plano dramático acabe por tornar o volume simultaneamente mais claro para o leitor comum e original para os literatos.
Pode-se também imaginar que Kott só enxergue o dramaturgo inglês sob os impactos do século 20. Em "Sobre Shakespeare" (1986), Northrop Frye comenta: "Se estudarmos somente o Shakespeare histórico, eliminaremos toda a sua relevância para o nosso próprio tempo. Mas se pensarmos nele apenas como nosso contemporâneo, perderemos uma das maiores recompensas do estudo das humanidades, que é a investigação das convicções e dos valores de sociedades diferentes da nossa e a percepção de o que elas fizeram com estes".
Kott não incorre nesse erro. Ainda que situe Shakespeare na perspectiva do Novecentos, o estudioso não deixa de reconhecer a inserção do escritor em sua época.
Segundo Kott, a protagonista das tragédias shakespearianas é a história. (Frye acreditava que a personagem central das peças do autor era o teatro.) Assim, não importam os soberanos; prevalece o "Grande Mecanismo" histórico. Presente nas reflexões sobre os dramas, essa noção está por trás também dos ensaios dedicados a comédias. "O mundo é louco e louco é o amor. Nessa grande loucura da natureza e da história, os instantes de felicidade são raros", conclui Jan Kott no capítulo dedicado a "O Sonho de uma Noite de Verão".
"Já se disse tanto a respeito de Shakespeare que parece não restar mais nada para dizer", observava Goethe em 1826, acrescentando: "Contudo o espírito tem a característica de estimular eternamente o espírito".
Isso explica porque William Shakespeare está em Freud, em Joyce, em Samuel Beckett; porque ele se situa no centro do cânone ocidental, como o colocou Harold Bloom; porque tem sido, enfim, e será sempre, contemporâneo a qualquer era.


Shakespeare Nosso Contemporâneo   
Autor: Jan Kott
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 59 (384 págs.)

Rinaldo Gama, mestre em comunicação e semiótica pela PUC-SP, é coordenador executivo do Instituto Moreira Salles e autor de "O Guardador de Signos: Caeiro em Pessoa" (Perspectiva/IMS).



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