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LIVROS/LANÇAMENTOS
"SHAKESPEARE NOSSO CONTEMPORÂNEO"
Livro de Jan Kott é de 1961
Estudo coloca história como protagonista de tragédias
RINALDO GAMA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Seria descabido não reconhecer a importância de "Shakespeare Nosso Contemporâneo",
do polonês Jan Kott (1914-2001),
para alguns diretores do porte de
Peter Brook e José Celso Martinez
Corrêa.
Por força disso, pode-se supor
que o interesse do livro, publicado
pela primeira vez em 1961, se restrinja aos profissionais da área
-quer dizer, que se trate de obra
distante tanto de teóricos da literatura quanto, especialmente, do
público em geral.
Embora se detenha sobretudo
nos aspectos "teatrais" da produção shakespeariana, o trabalho de
Kott -conforme enfatiza o prefácio, aliás assinado por Brook-
constitui "para o mundo erudito
uma contribuição preciosa (...), e
para o público, uma revelação".
Se é verdade que muito do vigor
das análises de Jan Kott se apóie
em exemplos de montagens então
recentes, e que mesmo no capítulo em que se debruça sobre os sonetos de William Shakespeare ele
os apresente como um "prólogo"
dos textos escritos para o palco,
não se pode negar que tal ênfase
no plano dramático acabe por
tornar o volume simultaneamente mais claro para o leitor comum
e original para os literatos.
Pode-se também imaginar que
Kott só enxergue o dramaturgo
inglês sob os impactos do século
20. Em "Sobre Shakespeare"
(1986), Northrop Frye comenta:
"Se estudarmos somente o Shakespeare histórico, eliminaremos
toda a sua relevância para o nosso
próprio tempo. Mas se pensarmos nele apenas como nosso contemporâneo, perderemos uma
das maiores recompensas do estudo das humanidades, que é a investigação das convicções e dos
valores de sociedades diferentes
da nossa e a percepção de o que
elas fizeram com estes".
Kott não incorre nesse erro.
Ainda que situe Shakespeare na
perspectiva do Novecentos, o estudioso não deixa de reconhecer a
inserção do escritor em sua época.
Segundo Kott, a protagonista
das tragédias shakespearianas é a
história. (Frye acreditava que a
personagem central das peças do
autor era o teatro.) Assim, não
importam os soberanos; prevalece o "Grande Mecanismo" histórico. Presente nas reflexões sobre
os dramas, essa noção está por
trás também dos ensaios dedicados a comédias. "O mundo é louco e louco é o amor. Nessa grande
loucura da natureza e da história,
os instantes de felicidade são raros", conclui Jan Kott no capítulo
dedicado a "O Sonho de uma Noite de Verão".
"Já se disse tanto a respeito de
Shakespeare que parece não restar mais nada para dizer", observava Goethe em 1826, acrescentando: "Contudo o espírito tem a
característica de estimular eternamente o espírito".
Isso explica porque William
Shakespeare está em Freud, em
Joyce, em Samuel Beckett; porque
ele se situa no centro do cânone
ocidental, como o colocou Harold
Bloom; porque tem sido, enfim, e
será sempre, contemporâneo a
qualquer era.
Shakespeare Nosso Contemporâneo
Autor: Jan Kott
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 59 (384 págs.)
Rinaldo Gama, mestre em comunicação
e semiótica pela PUC-SP, é coordenador
executivo do Instituto Moreira Salles e
autor de "O Guardador de Signos: Caeiro
em Pessoa" (Perspectiva/IMS).
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