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"A Mulher Desiludida", volume que contém três novelas da ensaísta francesa, é o lançamento de amanhã
Beauvoir reflete sobre a prioridade do vivido
CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN
Na era das celebridades instantâneas e fugazes (e vazias) não
deixa de ser difícil compreender
como uma dupla pôde obter a fama e manter-se célebre (com consistência) por mais de 50 anos.
Pois foi o caso de Simone de
Beauvoir e de seu companheiro,
Jean-Paul Sartre. Ela, escritora e
ensaísta de peso; ele, escritor, dramaturgo e um dos mais importantes filósofos do século passado.
Do relacionamento entre eles, a
história conservou a aura mítica
de seus engajamentos políticos e
sociais e o protótipo de uma relação sentimental aberta. Companheiros por décadas, Sartre (1905-80) e o Castor, o apelido com que
tratava Beauvoir (1908-86), viajaram juntos pelo mundo, mas jamais compartilharam o mesmo
teto em Paris, onde viviam.
E, mesmo que um escutasse e
solicitasse do outro comentários e
avaliações dos próprios escritos, a
influência de fato foi afetiva e sentimental. Tal como valia para a vida, a regra "juntos, mas não sob o
mesmo teto" aplicava-se com rigor também às respectivas obras.
No caso de Beauvoir, que aqui é
o que interessa, sua produção literária e ensaística amplia-se e repercute após a Liberação, com o
fim da Segunda Guerra e da ocupação nazista da França.
Seu texto mais difundido, "O
Segundo Sexo", data de 1949. Não
muito depois, em 1954, ela é agraciada com o Goncourt (o mais importante prêmio literário francês)
por "Os Mandarins".
Em seus escritos, como de praxe
nos representantes do chamado
existencialismo francês, vida e
obra formam um amálgama.
Não se deve confundir, porém, a
incorporação literária de biografemas por esses autores com o
exercício da autoficção, hoje difundido numa certa literatura.
Àqueles interessava transmitir,
por meio do texto, um "estar no
mundo", uma experiência que
passa necessariamente pelo sujeito (que a vive e a expressa para
outros sujeitos que prezam a vida
do ponto de vista de seus compromissos, dívidas e angústias). Enquanto aos praticantes da modalidade exibicionista da autoficção o
mundo não interessa além do
próprio umbigo.
As três novelas reunidas no volume "A Mulher Desiludida" tomam a fundo essa prioridade do
vivido. Ademais, seus temas incorporam de maneira mais fluida
as teses biográficas (no sentido de
relativas à vida, não apenas à pessoa) expostas por Simone de
Beauvoir em "O Segundo Sexo" e
em "A Velhice" (publicado em
1970, dois anos apenas após "A
Mulher Desiludida").
O título da primeira novela, "A
Idade da Discrição", flerta com o
célebre romance "A Idade da Razão", de Sartre. Nela, uma senhora ensaísta dialoga com a vida
passada e o cinzento futuro anunciado com a chegada do que hoje
se chama "terceira idade".
O ponto de confluência é a crise:
do corpo cansado, da obra superada e da paixão realizada. Mas
não se trata de crise que prenuncia a ruína e, sim, de um fracasso
capaz de renovar a esperança.
Beauvoir resume ambiguamente
ao citar a fórmula de Sainte-Beuve: "Endurecemos em alguns lugares, apodrecemos em outros,
não amadurecemos nunca".
Na segunda novela, "Monólogo", trata-se de uma operação de
vingança realizada por meio da
escritura. A estrutura é a do fluxo
de consciência e, com ele, a pontuação caótica permite vazar sem
pudores a fúria de uma anti-heroína que acusa a vida de não tê-la
permitido viver. Sublime!
A terceira novela, que dá título
ao volume, toma do diário sua
forma. E capta, através das grades
da prisão subjetiva, o drama de
uma mulher abandonada pelo
marido por outra. Em sua obsessão, emerge a confissão de uma
servidão voluntária, da submissão a ideais femininos que Beauvoir se aprimorou em destruir.
Pois, de "O Segundo Sexo" a "A
Cerimônia do Adeus", o empenho principal de Beauvoir foi o de
construir uma nova identidade,
sobretudo feminina, mas comum
a todos na exigência da liberdade.
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