São Paulo, terça-feira, 08 de novembro de 2005

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CINEMA

Rio está mais rico e menos alegre

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A MANAUS

Depois de vencer um Oscar com um título sobre o Holocausto ("O Pianista"), o diretor franco-polonês de origem judaica Roman Polanski "queria fazer um filme para jovens que fosse também um entretenimento para os seus pais". Encontrou em "Oliver Twist", de Charles Dickens, a história ideal.
"Minha mulher sempre me perguntava por que eu não fazia um filme para os nossos filhos [duas crianças, de 7 e 13 anos] que ela também pudesse sentar e assistir", diz o diretor, que está no Brasil para acompanhar a exibição de "Oliver Twist", amanhã, no 2º Amazonas Film Festival. O filme estréia no circuito comercial brasileiro no próximo dia 18.
É a segunda vez que o diretor visita a Amazônia. Do Rio, onde já esteve com freqüência desde 1965, diz ter a impressão de que a cidade se torna "mais rica e menos alegre".
Polanski, 72, afirma que procurou fugir, no filme, daquilo que o desagrada em muitas adaptações do livro: "Esse tipo de final cor-de-rosa". O diretor afirma que a cena final do reencontro do garoto Oliver com Fagin, que num momento da história foi seu algoz, "era importante pelo elemento do perdão, que faz o menino pensar". A seguir, trechos de sua entrevista para um grupo de jornalistas.

Pergunta - Como o sr. pode acrescentar uma nova dimensão a uma história já contada tantas vezes?
Roman Polanski -
Simplesmente contando-a bem. Existem boas piadas que algumas pessoas matam [ao contá-las]. E existem piadas medíocres que alguém, por contá-la bem, faz você rir. Achei que estava na hora de fazer uma nova versão [de "Oliver Twist"]. Mas não queria me afastar do livro original, porque acho que ele tem um escritor fabuloso [Charles Dickens] e uma história universal. É a história turbulenta de uma criança órfã. Em seu país vocês também têm esse problema. Enfim, é a arte de contar a história sem nenhum "twist" adicional.

Pergunta - Como o sr. define o personagem Oliver Twist?
Polanski -
Um menino que, no começo da história, não tem futuro e que se vira para encontrar um futuro no final. Não acho que você possa defini-lo de nenhuma outra maneira. Ele é como qualquer outro garoto.

Pergunta - É uma história triste?
Polanski -
Eu queria que as crianças também experimentassem o que significa a emoção no cinema, não apenas o impacto instantâneo de um choque. Isso é fácil de fazer. Mas, para fazer um filme assim [como "Oliver Twist"], você tem de lutar. Às vezes penso que sou meio Dom Quixote. Quando vejo filmes que não oferecem nada aos jovens... Existe esse formato específico de cinema que arruina o gosto deles. É como McDonald's ou Pizza Hut -muitas crianças hoje não podem provar nada sem ketchup. Eu queria fazer um filme sem ketchup.

Pergunta - O fato de o sr. ter tido uma infância difícil muda sua percepção a respeito deste filme?
Polanski -
Obviamente. Há muitas coisas do livro que experimentei quando criança. Fui órfão [a mãe dele foi assassinada pelo regime nazista], fui separado de meus pais [o pai do diretor foi preso num campo de concentração], poderia ter caminhado quilômetros sem meias e sofrido por pessoas que me hostilizaram. Foi fácil saber como dirigir meu ator.

Pergunta - Então o sr. se identifica com Oliver Twist. E existem certas semelhanças entre "O Pianista" e "Oliver Twist".
Polanski -
Existem semelhanças, mas não foi esta a razão para eu ter feito este filme. Depois de "O Pianista", o roteirista Ronald Harwood e eu queríamos fazer outra coisa juntos, porque adoramos trabalhar juntos. Começamos a procurar um assunto. Pensei o que poderia fazer após "O Pianista". Várias coisas me pareceram inapropriadas. "Oliver Twist" pareceu a coisa certa a fazer.

Pergunta - Este parece ser o seu filme mais terno. Todos os anteriores envolvem política, sexo e violência. Polanski está ficando leve?
Polanski -
Não sei. Ainda me sinto capaz de fazer filmes pesados.

Pergunta - À medida que fica mais velho, torna-se mais fácil ou difícil escolher o próximo projeto?
Polanski -
Mais difícil. Eu me lembro de uma fez em que conversei com [Stanley] Kubrick [1928-1999] por telefone. Eu estava filmando "O Quê?" (1972) e às vezes conversávamos longamente por telefone. Ele estava procurando um projeto e disse: "Você não acha terríveis esses intervalos entre filmes, quando você procura algo novo para fazer e é tão difícil encontrar. É o período mais frustrante". Eu disse: "sim, sim". Mas não tinha idéia do que ele estava falando. Para mim era tão fácil. Agora sei do que estava falando.

Pergunta - Por quê?
Polanski -
Porque você fica cada vez mais crítico com o seu próprio trabalho, com o das outras pessoas e com os projetos que você recebe.


A jornalista Silvana Arantes viajou a convite da organização do 2º Amazonas Film Festival


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