São Paulo, domingo, 08 de novembro de 2009

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Funcionário modelo

Em São Paulo para seu oitavo longa, no qual vive um personagem gay, Cauã Reymond diz que os bailes de debutante o livraram de peças caça-níqueis e que o dinheiro dos comerciais o permite fazer cinema com cachês simbólicos

João Wainer/Folha Imagem
Cauã Reymond dá entrevista em hotel de São Paulo

"Bem-vindo ao nosso filme e a São Paulo", diz o diretor Toni Venturi a Cauã Reymond, no segundo andar de um antigo depósito de equipamentos eletrônicos na Barra Funda, alugado como base de produção pela equipe de "Estamos Juntos", próximo trabalho do cineasta. O ator espera sua vez para ganhar o figurino e a maquiagem de seu personagem, Murilo, um DJ e produtor gay que é uma das figuras centrais do longa.

 

Revelado em 2002, quando estreou em "Malhação", na Globo, Cauã já contabiliza, aos 29 anos, mais filmes do que novelas no currículo: oito contra seis. Em 2009, apareceu na tela grande como coadjuvante em "Divã", de José Alvarenga Jr., e "À Deriva", de Heitor Dhalia, e como o protagonista de "Se Nada Mais Der Certo", de José Eduardo Belmonte, no qual interpretou um jornalista em crise em meio a vários problemas financeiros. "O desejo de fazer cinema sempre existiu. O que não tinha eram convites", diz. Sem citar nomes, afirma que os diretores, "com certeza, torciam o nariz" para o jovem galã da televisão.

 

"Quando você faz TV e não começou no teatro nem no cinema, é mais difícil virem os convites para os bons projetos." No auge do sucesso em "Malhação", ele foi campeão de cartas da Globo e "teve que segurar a onda" para rejeitar convites que não tinham "nada a ver": peças que reuniam os atores do seriado no palco, buscando fisgar o público juvenil. "A galera quer se juntar para ganhar um dinheiro e eu não tenho preconceito, não. Eu mesmo fiz muito baile de debutante, jabá. Se não tivesse feito, também iria querer um pé de meia e poderia entrar em uma peça dessas para juntar um pouco mais de dinheiro. Mas teria deixado de fazer projetos que me permitiram amadurecer". Cauã conta que chegou a fazer presença VIP, ou seja, aparecer em uma festa em troca de cachê, em três cidades diferentes em uma mesma noite. "Várias vezes, o motorista pegava no sono e eu tinha que assumir a direção", lembra. Atualmente, ele chega a ganhar R$ 30 mil para ir a um camarote no Carnaval.

 

Um segurança acompanha o ator pela quadra que separa o QG do filme do clube Berlin, onde ele filmaria cenas em que se apresenta como DJ. "Não quero a casa inteira brincando nem paquerando o Cauã. Senão eu tiro do set", diz Toni Venturi às figurantes, na pista de dança. "Aqui não é o Cauã, é um cara chamado Murilo, uma biba que gosta de bibas." "É uma menina!", completa o ator.

 

Para viver o DJ gay, Cauã visitou points GLS de SP, como a boate The Week. Na balada, foi abordado por um homem, acompanhado do namorado. "Ele me disse: "Sou homossexual e trabalho no mercado financeiro. Retrata a gente legal, não vai fazer uma bichinha quá, quá, hein?". O cara me deu a maior enquadrada!". Diante da câmera, teve que fazer uma cena sensual com o ator argentino Nazareno Casero, de quem ficou amigo nas filmagens. "Isso facilitou. Eu falava "vou te tocar" e ele respondia: "Pode tocar, Cauá [imitando o sotaque portenho]". Foi homofobia zero. Quem é muito bem resolvido sexualmente não sofre com isso. Quando a pessoa está na dúvida é que fica com medo de despertar algum sentimento." As cenas no Berlin atravessam a madrugada.

 

Na tarde seguinte, Cauã recebe a coluna no L'Hotel, na região da avenida Paulista, um dos lugares onde gosta de se hospedar em SP. Na van a caminho do set, para no hotel Emiliano, na rua Oscar Freire, para buscar as alianças, que esqueceu durante um trabalho. Ele usa duas. A primeira, de prata, simboliza o irmão, que tem 21 anos e estuda veterinária. "Ele morou comigo nos últimos três anos. Agora que foi fazer faculdade em Teresópolis, a aliança é uma forma de mostrar que, apesar de separados, estamos cada vez mais juntos." A segunda, de ouro, representa "meu relacionamento": o namoro de quase três anos com a atriz Grazi Massafera. "Eu raramente falo sobre isso, hein, cara? A gente tenta manter a relação o mais longe possível [da mídia]."

 

Embora sempre apareçam juntos nos lançamentos dos trabalhos de ambos, eles evitam, por exemplo, fazer par na publicidade -experiência que Cauã teve com a ex-namorada, a também atriz Alinne Moraes, e prefere não repetir. "Não vou te dizer que, daqui a pouco, se a gente tiver vários filhos e estiver há dez anos casados, que não vamos fazer. Mas trabalhamos muito bem por conta própria", diz.

 

"Já que você mencionou a Grazi, uma das coisas que prefiro falar sobre a minha mulher é que ela me trouxe calma e mais religiosidade." Católico, Cauã acha que a Igreja deveria "aprovar o uso de preservativos". "É difícil falar contra, porque a Igreja Católica ainda tem uma força muito grande. Meu comercial foi tirado do ar pela associação das avós", diz ele, se referindo aos protestos de telespectadoras contra o anúncio das sandálias Havaianas em que uma idosa sugeria que a neta ficasse com Cauã, mas não para casar -"Estou falando de sexo", dizia ela no filme. "Achei meio hipócrita."

 

Cauã conta que já se recusou -"agradeci, o que é diferente. Você tem que ser mais educado, não pode fechar a porta"- a fazer um comercial de telefonia em que teria que fingir estar traindo uma namorada. "E olha que estava louco para ganhar aquele dinheiro, porque eu não tinha tanto na época."

 

Contratado da Globo há sete anos e com o compromisso renovado no início de 2009, depois de "A Favorita", Cauã diz que não ouviria uma proposta da Record porque "ando muito bem" com a rede da família Marinho. "Mas é aquele caso: respeito quem foi. Acho que tem bons atores na Record. Gosto muito do trabalho do Marcelo Serrado." No intervalo da filmagem, na calçada em frente ao set, Cauã questiona o repórter sobre o motivo das perguntas envolvendo seu trabalho em comerciais. "Uma frase bacana que resumiria a questão é que isso [a publicidade] te dá uma base, que proporciona fazer melhores escolhas artísticas. Acho que é por isso que hoje eu consigo fazer tanto cinema."

 

O primeiro filme, "Ódiquê" (2006), Cauã fez de graça. O inédito "Reis e Ratos", de Mauro Lima, também. "Com cachê simbólico, foram praticamente todos", incluindo "Se Nada Mais Der Certo", rodado em 2007 e que considera um "divisor de águas". "Eu me lembro de um momento, na preparação com o Zé [o diretor José Eduardo Belmonte], em que comecei a ter medo de fumar [para o papel], encarar um personagem brocha e entrar no fracasso que ele vivia. O Zé me disse: "Vem comigo que você vai voltar melhor"."


Reportagem DIÓGENES CAMPANHA


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