São Paulo, Quarta-feira, 08 de Dezembro de 1999


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LITERATURA
Escritor carioca lança "Vento Sudoeste", romance policial protagonizado por personagem que não resolve os próprios casos
"Faço "pulp fiction" pop", diz Garcia-Roza


CYNARA MENEZES
especial para a Folha

Um detetive que não é o protagonista e que não resolve seus próprios casos. Assim é Espinosa, o herói -também sem sê-lo- de "Vento Sudoeste", terceiro livro de Luiz Alfredo Garcia-Roza, filósofo e psicanalista que trocou os escritos acadêmicos pelo romance policial.
Há três anos, o carioca Garcia-Roza, 63, publicou seu primeiro relato detetivesco, "O Silêncio da Chuva", com o mesmo Espinosa que vai aparecer em seu livro seguinte, "Achados e Perdidos".
"Ele é o elemento central em torno do qual as personagens gravitam, sendo que, como personagem central, não é a mais importante", explica. "As secundárias são mais densas e até mesmo mais desenhadas, talvez."
Esse brasileiro Op ou Marlowe passeia atônito pelo livro, enquanto tenta desvendar o mistério de um caso que tampouco chega a existir concretamente. E faz lembrar, às avessas, os detetives dos escritores norte-americanos Dashiell Hammet e Raymond Chandler, ícones da juventude de Garcia-Roza.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que o autor concedeu à Folha, por telefone.

Folha - Por que o seu detetive se chama Espinosa? Por causa do filósofo?
Luiz Alfredo Garcia-Roza -
O nome Espinosa é uma homenagem ao filósofo, sim, mas não há qualquer semelhança entre eles. Isso aí foi uma homenagem ao meu passado filosófico. É um delegado de polícia, que funciona como um elemento que costura as demais personagens. Mas a personagem mais importante não é Espinosa, são as que seriam as personagens secundárias, que passam a ser mais importantes em termos da trama, pela ênfase que eu concedo a elas, até pela própria espessura da personagem. São personagens mais densas, até mais desenhadas, talvez.

Folha - Ele não chega a resolver o caso, não é?
Garcia-Roza -
Em nenhum deles. É um protagonista meio "gauche", meio excêntrico, no sentido de que não está bem encaixado em lugar nenhum. Ele não é o herói. Não é como as personagens dos romances policiais da década de 40, que eram, por exemplo, aventureiras por excelência. É um ser mais reflexivo, sem ser um intelectual. E sobretudo tem um mal-estar na vida.

Folha - Como o Nero Wolfe de Rex Stout, a sua personagem não chega nem a fazer diligências?
Garcia-Roza -
Nero Wolfe não faz isso porque é um gordo, ele não pode fazer. Mas eu acho que boa parte do que a polícia faz é burocrática. A idéia do detetive durão, que persegue, que dá tiros, entra em luta, é uma visão romântica do detetive particular da década de 30.

Folha - O sr. deixou os ensaios pelo policial porque pode dar melhor seu recado assim?
Garcia-Roza -
Não, porque achei que poderia dar outro recado, não no sentido de fazer uma coisa melhor, mas diferente. Para mim é melhor, em termos de satisfação pessoal. Mas quando eu fazia teoria, procurava fazer o melhor possível, como agora. São duas coisas separadas mesmo.

Folha - O sr. acha que esse conceito do policial como subliteratura acabou?
Garcia-Roza -
Em todos os países, o policial tem dado frutos notáveis. Eu brinco com meus amigos que faço "pulp fiction". "Pulp" e "pop", no sentido de popular. Não quero fazer uma coisa sofisticada, erudita, difícil, nada disso. Não escrevo no sentido de produzir literatura ou literatice, escrevo para fazer boa ficção.

Folha - Pode-se observar, no seu livro, uma preocupação em descrever os cenários do Rio. Faz parte da sua intenção fazer com que o livro possa ser lido em outros países?
Garcia-Roza -
Sim. O que faz com que um Dashiell Hammet ou um Raymond Chandler tenham a universalidade que eles têm é exatamente essa dimensão que eles deram à cidade deles, Los Angeles. A cidade é parte de uma história tanto quanto as personagens. Toda história implica uma geografia. Uma história sem geografia é como se fosse a alma sem um corpo.

Folha - Espinosa vai ter outras aventuras?
Garcia-Roza -
Vai, o Espinosa ganhou vida, as pessoas me perguntam por ele. Todos os grandes escritores policiais criaram um tipo, a começar pelo Conan Doyle com o Sherlock Holmes. Acho que a força desse tipo de ficção é isso, você acaba ganhando uma intimidade com a personagem. Quero que o Espinosa passe a ser uma espécie de demanda.

Folha - E ele vai passar a resolver casos?
Garcia-Roza -
Minha preocupação não é fazer um romance de mistério. Estou mais preocupado com o perfil da personagem do que com o mistério.

Folha - Embora o que mova o policial seja tentar adivinhar o assassino...
Garcia-Roza -
Claro, é o ingrediente fundamental, senão vira comida de hospital, não tem graça nenhuma. O sal, a pimenta e os condimentos do romance policial são, sem dúvida alguma, quem é o assassino. Mas não necessariamente vai chegar um ponto em que você vai ligar para mim e dizer: já sei quem é o assassino. O leitor pode ficar na dúvida.


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