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LITERATURA
Escritor carioca lança "Vento Sudoeste", romance policial protagonizado por personagem que não resolve os próprios casos
"Faço "pulp fiction" pop", diz Garcia-Roza
CYNARA MENEZES
especial para a Folha
Um detetive que não é o protagonista e que não resolve seus
próprios casos. Assim é Espinosa,
o herói -também sem sê-lo- de
"Vento Sudoeste", terceiro livro
de Luiz Alfredo Garcia-Roza, filósofo e psicanalista que trocou os
escritos acadêmicos pelo romance policial.
Há três anos, o carioca Garcia-Roza, 63, publicou seu primeiro
relato detetivesco, "O Silêncio da
Chuva", com o mesmo Espinosa
que vai aparecer em seu livro seguinte, "Achados e Perdidos".
"Ele é o elemento central em
torno do qual as personagens gravitam, sendo que, como personagem central, não é a mais importante", explica. "As secundárias
são mais densas e até mesmo mais
desenhadas, talvez."
Esse brasileiro Op ou Marlowe
passeia atônito pelo livro, enquanto tenta desvendar o mistério de um caso que tampouco
chega a existir concretamente. E
faz lembrar, às avessas, os detetives dos escritores norte-americanos Dashiell Hammet e Raymond
Chandler, ícones da juventude de
Garcia-Roza.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que o autor
concedeu à Folha, por telefone.
Folha - Por que o seu detetive
se chama Espinosa? Por causa
do filósofo?
Luiz Alfredo Garcia-Roza - O
nome Espinosa é uma homenagem ao filósofo, sim, mas não há
qualquer semelhança entre eles.
Isso aí foi uma homenagem ao
meu passado filosófico. É um delegado de polícia, que funciona
como um elemento que costura
as demais personagens. Mas a
personagem mais importante não
é Espinosa, são as que seriam as
personagens secundárias, que
passam a ser mais importantes
em termos da trama, pela ênfase
que eu concedo a elas, até pela
própria espessura da personagem. São personagens mais densas, até mais desenhadas, talvez.
Folha - Ele não chega a resolver o caso, não é?
Garcia-Roza - Em nenhum deles. É um protagonista meio "gauche", meio excêntrico, no sentido
de que não está bem encaixado
em lugar nenhum. Ele não é o herói. Não é como as personagens
dos romances policiais da década
de 40, que eram, por exemplo,
aventureiras por excelência. É um
ser mais reflexivo, sem ser um intelectual. E sobretudo tem um
mal-estar na vida.
Folha - Como o Nero Wolfe de
Rex Stout, a sua personagem
não chega nem a fazer diligências?
Garcia-Roza - Nero Wolfe não
faz isso porque é um gordo, ele
não pode fazer. Mas eu acho que
boa parte do que a polícia faz é
burocrática. A idéia do detetive
durão, que persegue, que dá tiros,
entra em luta, é uma visão romântica do detetive particular da década de 30.
Folha - O sr. deixou os ensaios
pelo policial porque pode dar
melhor seu recado assim?
Garcia-Roza - Não, porque
achei que poderia dar outro recado, não no sentido de fazer uma
coisa melhor, mas diferente. Para
mim é melhor, em termos de satisfação pessoal. Mas quando eu
fazia teoria, procurava fazer o melhor possível, como agora. São
duas coisas separadas mesmo.
Folha - O sr. acha que esse
conceito do policial como subliteratura acabou?
Garcia-Roza - Em todos os países, o policial tem dado frutos notáveis. Eu brinco com meus amigos que faço "pulp fiction".
"Pulp" e "pop", no sentido de popular. Não quero fazer uma coisa
sofisticada, erudita, difícil, nada
disso. Não escrevo no sentido de
produzir literatura ou literatice,
escrevo para fazer boa ficção.
Folha - Pode-se observar, no
seu livro, uma preocupação em
descrever os cenários do Rio.
Faz parte da sua intenção fazer
com que o livro possa ser lido
em outros países?
Garcia-Roza - Sim. O que faz
com que um Dashiell Hammet ou
um Raymond Chandler tenham a
universalidade que eles têm é exatamente essa dimensão que eles
deram à cidade deles, Los Angeles. A cidade é parte de uma história tanto quanto as personagens.
Toda história implica uma geografia. Uma história sem geografia é como se fosse a alma sem um
corpo.
Folha - Espinosa vai ter outras
aventuras?
Garcia-Roza - Vai, o Espinosa
ganhou vida, as pessoas me perguntam por ele. Todos os grandes
escritores policiais criaram um tipo, a começar pelo Conan Doyle
com o Sherlock Holmes. Acho
que a força desse tipo de ficção é
isso, você acaba ganhando uma
intimidade com a personagem.
Quero que o Espinosa passe a ser
uma espécie de demanda.
Folha - E ele vai passar a resolver casos?
Garcia-Roza - Minha preocupação não é fazer um romance de
mistério. Estou mais preocupado
com o perfil da personagem do
que com o mistério.
Folha - Embora o que mova o
policial seja tentar adivinhar o
assassino...
Garcia-Roza - Claro, é o ingrediente fundamental, senão vira
comida de hospital, não tem graça nenhuma. O sal, a pimenta e os
condimentos do romance policial
são, sem dúvida alguma, quem é o
assassino. Mas não necessariamente vai chegar um ponto em
que você vai ligar para mim e dizer: já sei quem é o assassino. O
leitor pode ficar na dúvida.
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