São Paulo, sábado, 08 de dezembro de 2001

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TEATRO

"O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO"

Paulo Goulart salva a montagem vivendo um Deus português

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

José Saramago, como todo bom ateu, é fascinado pela religião. Em seu mais polêmico romance, "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", de 1991, examina os fundamentos do cristianismo com uma desenvoltura e humor que soariam desrespeitosos não estivesse ele comovido com a trajetória humana de Cristo.
Livre de dogmas, faz Cristo inverter sua súplica na cruz: "Homens, perdoai-Lhe, porque Ele não sabe o que fez" e sustenta sua trama, por um lado, em intensos debates retóricos. Por outro, na análise semiológica dos ícones religiosos.
José Possi Neto vem querendo fazer uma adaptação para o teatro da obra desde 1996. Para a versão que finalmente estreou em novembro, a adaptação ficou a cargo de Maria Adelaide Amaral, que fez um excelente trabalho. Aproveitando fielmente os principais diálogos e episódios, utilizando-se da técnica do teatro épico ao encarregar os atores das narrativas de ligação, soube também sintetizar quando foi preciso, como na primeira cena que reúne os três grandes temas do romance: a crucificação, o nascimento e o pesadelo pela culpa.
Confiando que o texto estava em boas mãos, Possi pôde se concentrar na realização das imagens do texto contando com um elenco de apoio que une beleza física a uma entusiasmada competência coreográfica.
A eficácia da imagem, no entanto, leva à diluição do texto. É como se Possi, para amenizar diálogos mais áridos, se dedicasse a criar efeitos que acabam por roubar o foco. Walderez de Barros, que faz Maria, e Celso Frateschi, o misterioso anjo que acompanha Jesus, limitados a poucas funções, têm sua larga experiência e talento subaproveitados, como se fossem atores convidados a quem não se deve exigir muito.
Por outro lado, para os difíceis papéis de Madalena e Jesus, de quem acompanhamos no romance a trajetória não como um exemplo cristalizado, mas como uma dura aprendizagem, Maria Fernanda Cândido e Eriberto Leão ainda são bastante inexperientes. Parecem temer não corresponder à imagem bela e limpa que criaram na televisão e aproveitam pouco a experiência dos veteranos atores de teatro, atuando mais para a platéia.
A montagem parece se resumir a uma bela, reverente e um pouco tediosa ilustração do texto de Saramago, na qual faltaria imperdoavelmente a insolência, quando entra em cena Paulo Goulart, como um verdadeiro deus-ex-machina. Em uma atuação antológica, faz o papel de Deus encarnando a liberdade e o humor que tanto caracterizam o texto, ressaltando em cada frase a bonomia sarcástica feita à imagem e semelhança de seu criador Saramago: um Deus português.
Salva a peça, e mostra o que ela poderia ter sido desde o início, se fosse seguido um princípio teatral simples, embora pouco lembrado: um texto só pode soar inteligente em cena pelo intermédio da inteligência do ator.


O Evangelho Segundo Jesus Cristo
   
Direção: José Possi Neto
Com: Eriberto Leão, Paulo Goulart, Celso Frateschi, Walderez de Barros, Maria Fernanda Cândido e outros
Onde: Sesc Vila Mariana - teatro (r. Pelotas, 141, SP, tel. 0/xx/11/5080-3000) Quando: de qui. a sáb., às 21h; dom., às 18h. Até 3/2
Quanto: de R$ 10 a R$ 30



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