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TEATRO
"O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO"
Paulo Goulart salva a montagem vivendo um Deus português
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
José Saramago, como todo
bom ateu, é fascinado pela religião. Em seu mais polêmico romance, "O Evangelho Segundo
Jesus Cristo", de 1991, examina os
fundamentos do cristianismo
com uma desenvoltura e humor
que soariam desrespeitosos não
estivesse ele comovido com a trajetória humana de Cristo.
Livre de dogmas, faz Cristo inverter sua súplica na cruz: "Homens, perdoai-Lhe, porque Ele
não sabe o que fez" e sustenta sua
trama, por um lado, em intensos
debates retóricos. Por outro, na
análise semiológica dos ícones religiosos.
José Possi Neto vem querendo
fazer uma adaptação para o teatro
da obra desde 1996. Para a versão
que finalmente estreou em novembro, a adaptação ficou a cargo
de Maria Adelaide Amaral, que
fez um excelente trabalho. Aproveitando fielmente os principais
diálogos e episódios, utilizando-se da técnica do teatro épico ao
encarregar os atores das narrativas de ligação, soube também sintetizar quando foi preciso, como
na primeira cena que reúne os três
grandes temas do romance: a crucificação, o nascimento e o pesadelo pela culpa.
Confiando que o texto estava
em boas mãos, Possi pôde se concentrar na realização das imagens
do texto contando com um elenco
de apoio que une beleza física a
uma entusiasmada competência
coreográfica.
A eficácia da imagem, no entanto, leva à diluição do texto. É como se Possi, para amenizar diálogos mais áridos, se dedicasse a
criar efeitos que acabam por roubar o foco. Walderez de Barros,
que faz Maria, e Celso Frateschi, o
misterioso anjo que acompanha
Jesus, limitados a poucas funções,
têm sua larga experiência e talento subaproveitados, como se fossem atores convidados a quem
não se deve exigir muito.
Por outro lado, para os difíceis
papéis de Madalena e Jesus, de
quem acompanhamos no romance a trajetória não como um
exemplo cristalizado, mas como
uma dura aprendizagem, Maria
Fernanda Cândido e Eriberto
Leão ainda são bastante inexperientes. Parecem temer não corresponder à imagem bela e limpa
que criaram na televisão e aproveitam pouco a experiência dos
veteranos atores de teatro, atuando mais para a platéia.
A montagem parece se resumir
a uma bela, reverente e um pouco
tediosa ilustração do texto de Saramago, na qual faltaria imperdoavelmente a insolência, quando entra em cena Paulo Goulart,
como um verdadeiro deus-ex-machina. Em uma atuação antológica, faz o papel de Deus encarnando a liberdade e o humor que
tanto caracterizam o texto, ressaltando em cada frase a bonomia
sarcástica feita à imagem e semelhança de seu criador Saramago:
um Deus português.
Salva a peça, e mostra o que ela
poderia ter sido desde o início, se
fosse seguido um princípio teatral
simples, embora pouco lembrado: um texto só pode soar inteligente em cena pelo intermédio da
inteligência do ator.
O Evangelho Segundo Jesus Cristo
Direção: José Possi Neto
Com: Eriberto Leão, Paulo Goulart, Celso
Frateschi, Walderez de Barros, Maria
Fernanda Cândido e outros
Onde: Sesc Vila Mariana - teatro (r.
Pelotas, 141, SP, tel. 0/xx/11/5080-3000)
Quando: de qui. a sáb., às 21h; dom., às
18h. Até 3/2
Quanto: de R$ 10 a R$ 30
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