São Paulo, sábado, 08 de dezembro de 2007

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Foco

Platéia gritou "Meeengo!" no refrão de "Everything She Does Is Magic", em 1982

RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

O show do Police no Maracanãzinho em 1982 já compete com o primeiro treino de Garrincha no Botafogo em 1953 e com o jogo Brasil x Uruguai, na final da Copa do Mundo de 1950, no Maracanã, em matéria de evento a que, a posteriori, todo mundo assistiu.
O caso do treino de estréia de Garrincha, então, é um espetáculo: um incrível sexto sentido fez com que milhares de botafoguenses, vivos e mortos, fossem ao campinho da rua General Severiano num dia de treino no meio da semana e vissem os primeiros dribles daquele jogador solidamente desconhecido que chegara ao clube, vindo da roça, meia hora antes.
E o público oficial de Brasil x Uruguai, estimado em 250 mil pessoas -espremendo-se de pé ou umas empoleiradas nas outras- terá de subir para mais de 1 milhão se se contar todo mundo que disse que estava lá. Acho até que, por usar na época fraldas ou calças curtas, sou a única pessoa de minhas relações que não compareceu à final da Copa de 50 ou ao primeiro treino de Garrincha.
Em compensação, assisti ao show do Police no Maracanãzinho, no dia 16 de fevereiro de 1982, uma terça-feira, às vésperas do Carnaval. E, por ter estado lá naquele dia, lembro-me de passagens que, misteriosamente, não ficaram na memória de ninguém que hoje me fala emocionado do show.
A primeira foi a do sujeito no balcão que, em meio a "Roxanne", "Walking on the Moon" ou algum outro número do trio, pendurou-se numa corda que pendia do teto do ginásio e sobrevoou a platéia que nem Tarzan no cipó, até ser abotoado pela polícia numa das vezes em que se aproximou do balcão. A polícia, é claro, foi vaiada. Meia hora depois, quando ninguém mais se lembrava dele, o sujeito reapareceu e repetiu a façanha, até ser novamente abotoado e, dessa vez, sumir para sempre.
O outro episódio se deu no final de "Everything She Does Is Magic", em que Sting, Andy Summers e Stewart Copeland faziam um vocalese composto de "yo" e "yeah", que soava exatamente como o refrão de "Meeengo!" cantado pela torcida rubro-negra no Maracanã. Ocorre que, menos de dois meses antes, o Flamengo tinha sido campeão mundial de clubes em Tóquio -e a platéia do Maracanãzinho, maciçamente flamengo, não perdoou: adaptou o vocalese ao seu canto de guerra. No bis, do qual "Everything She Does Is Magic" fez parte, Sting, muito vivo, já puxou ele mesmo o grito de "Meeengo!" na hora do vocalese. Foi a sua consagração.
Se tanta gente alega ter assistido ao Police no Maracanãzinho, como se explica que o ginásio estivesse pela metade? E que eu próprio, dispondo de dois ingressos, não tenha encontrado ninguém a fim de ir comigo?
O Police era então quase secreto no Brasil -dele, as rádios tocavam o gugu-dadá "De Do Do Do, De Da Da Da" e mais nada. Só os mais atentos conheciam "Message in a Bottle", "Don't Stand so Close to Me", "Can't Stand Losing You", "Demolition Man" ou "Spirits in the Material World". Mas os que já tinham se encantado pelo jazz-reggae do conjunto sabiam que sua qualidade musical estava acima dos dois acordes habituais do rock.
Talvez uma multidão tenha mesmo assistido ao Police no Rio em 1982. Mas só se foi no show do dia seguinte, 17 de fevereiro. Nesse dia, no entanto, alguém gritou evoé e meu coração se transformou num tamborim.


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