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O presidente precisa de um livro de auto-ajuda
ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas
²
Que está acontecendo com o
governo de FHC? Não passa
uma semana sem que haja uma
sabotagem a seus planos, uma
traição, uma rasteira, uma casca de banana. Estão querendo
levar o homem à loucura. Num
país sem fidelidade partidária,
sem fidelidade a nada, a não ser
aos cargos e às gorjetas, é destino de todo presidente ficar cada
vez mais sozinho.
FHC é prisioneiro de um labirinto... Por quê? A culpa não é
só dessa cáfila de políticos que o
cercam, a culpa não é só desse
país de devoradores picaretas.
A culpa deve ser também dele.
Que diria um livro de auto-ajuda para FHC? Aqui vão os conselhos ao presidente:
Vossa excelência, como muitos intelectuais, tem o perverso
prazer de ser uma espécie de
"herói traído", um "mártir da
razão", saboreando a incompreensão dos que o cercam, o
que mostraria sua solidão superior e gloriosa. Saia da posição
de "mártir iluminista", presidente. Vossa excelência é respeitado lá fora e desrespeitado
aqui dentro. Oxford compara-o
a Julio Cesar vencedor e aqui o
senhor vive como um Julio Cesar traído. Vossa excelência
quer cruzar o Rubicão ou morrer apunhalado?
O povo tem por vossa excelência uma simpatia real, mas imprecisa. Expressou-a nas urnas,
pelo fim da inflação etc., e também por intuir uma decência
diferente neste governo. Mas,
ele não sabe bem por quê. Faça
um esforço e aproxime-se da
opinião pública, presidente, explique-lhe que reformas são essas, que ajuste é esse, que crise
mundial é essa que nos atinge.
Seu maior erro até agora foi esse
horror a um "populismo decente", enquanto seus adversários
caem de boca na demagogia
mais deslavada.
Explique à população que se
esse projeto político-econômico
parar no meio a explosão das
galáxias vai ser terrível.
Aliás, presidente, demita sua
equipe de comunicação social, a
pior da história.
Seu gesto mais original, presidente, foi justamente cair de cabeça no Brasil real, feito de
alianças perigosas e até espúrias. Vossa excelência botou a
mão na... massa. Tudo bem.
Mas 2002 já raiou no horizonte
e a temporada das traições já
começou. O senhor não tem
apoio da esquerda para medidas "contra os ricos": taxar
grandes fortunas etc. E não tem
apoio da direita na hora azeda
de ter de ser "impopular". O
PFL, PMDB e o PPB vão posar
de amantes do povo, às custas
de vossa excelência.
Sua tática irresistível sempre
foi a do "camaleão simpático":
concordar com todo mundo e ir
fazendo o que puder. Só que
vossa excelência foi virando um
Zelig, aquele personagem de
Woody Allen que ia ficando
igual aos interlocutores.
Está acontecendo isto: em vez
de eles se transformarem no senhor, o senhor corre o risco de se
transformar neles. Diante de
sua nebulosidade ambígua,
presidente, seus inimigos se tornam nítidos. Todos ficam claros, menos o senhor... O senhor
tem de ser mais legível para a
população. Maluf é nítido. E
vossa excelência é quem?
No departamento de economia, um pouco mais de Keynes
e menos Adam Smith. O sonho
da "mão invisível do mercado"
deu na mão dando banana para os "emergentes". Tente recompor seu projeto original:
usar a economia de mercado
para dar um "twist" na inércia
política endêmica e para dissolver velhas estruturas ibéricas.
Mas não confie demais num
"espontaneísmo" econômico
que saneie estruturas fixas.
Apesar de seu moderno amor à
"complexidade", não pense que
o departamento de vendas da
Microsoft ou da Exxon-Mobil
acredita em "indeterminismo
de lucros".
O elogio da complexidade pode levá-lo à aceitação da indiferença ou da impotência. Não dá
para ser muito complexo num
país de simplistas. Sua vocação
para conciliar contrários -desde sua tese de doutorado sobre
capitalismo e escravidão, depois a teoria de dependência-
está fazendo o senhor virar uma
ponte solta no ar.
Diante de sua tolerância sorridente, todos se acham no direito de reclamar e de sabotá-
lo, porque depois serão "perdoados". Pau nos inimigos e
traidores.
Sua tentação de ser um "déspota esclarecido" o está levando
a ser um "déspota solitário".
Um déspota sem poder, preso
dentro de dois anéis concêntricos: o jugo da economia global,
externamente e a coleira das
alianças PMDB, PFL et caterva,
internamente.
Um influenciando o outro,
num círculo vicioso de profecias
auto-realizáveis. Duas leis de
Murphy "girando em oito". Maluf mexendo na Bolsa de Nova
York; PFL irritando o FMI. É a
globalização da escrotidão brasileira. Quem diria?
Democracia é vivida no Brasil
como "zona". Serve para condenar homens de bem sem provas
e para inocentar ladrões com
provas. Vosso ilustrado amor à
democracia trai um disfarçado
desejo de fracassar em nome dela, para um dia dizer, gloriosamente deprimido: "Tentei tudo
dentro da democracia... Mas
não deixaram!".
Vossa excelência já mostrou
que a paciência é uma virtude
revolucionária. Com todo o respeito, já sabemos que o saco de
vossa excelência é de ouro e diamantes. Mas agora o senhor está sendo encurralado por seus
próprios aliados, como um garoto de colégio que é "pele" da
turma. Só há uma saída: reagir.
Reaja, presidente, não adianta sensatez apenas. Exemplo: no
episódio das fitas e grampos,
vossa excelência podia ter ido à
TV denunciar o crime, não aceitar passivamente a demissão de
alguns dos seus melhores quadros. Está na hora de perder a
cabeça, presidente. Seu mais
hábil ato político foi o risco de,
antes das eleições, declarar ao
povo a seriedade da situação. O
povo leu bem sua sinceridade. O
analfabeto sabe ler.
O Congresso está exercitando
os músculos no doce esporte de
traí-lo. Se perderem o medo, o
senhor está perdido. O senhor
diz que vai punir os infiéis, cortando-lhes as "colheres de chá",
os pequenos favores, o "pork
barrel", como dizem os sábios
ingleses.
Mas eis o dilema: como construir outra base de apoio, negando o "porco" aos deputados
e senadores? Não faça ameaças,
cumpra-as primeiro.
Está chegando a hora do medo, presidente. Do Collor, eles
tinham medo até de levar porrada. O Itamar nos ameaçava
com sua ranhetice: "Se me provocarem, faço uma bobagem!...". Está na hora de o senhor provocar medo. Falando
em termos sociológicos, um
pouco mais de Hobbes e menos
Locke.
Depois da morte de Serjão, o
ACM é seu único homem mau.
O senhor conta muito com o
ACM para defendê-lo, como o
menino que depende do irmão
mais velho nas brigas de rua.
Está na hora de partir para a
porrada sozinho. Inclusive, porque um dia o ACM vai ter de
largá-lo para cuidar de 2002.
Seja menos pós-moderno. Seja
mais modernista, mais visionário. Vossa excelência precisa de
uma ideologia para poder viver.
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