São Paulo, terça, 8 de dezembro de 1998

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O presidente precisa de um livro de auto-ajuda

ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas ²
Que está acontecendo com o governo de FHC? Não passa uma semana sem que haja uma sabotagem a seus planos, uma traição, uma rasteira, uma casca de banana. Estão querendo levar o homem à loucura. Num país sem fidelidade partidária, sem fidelidade a nada, a não ser aos cargos e às gorjetas, é destino de todo presidente ficar cada vez mais sozinho.
FHC é prisioneiro de um labirinto... Por quê? A culpa não é só dessa cáfila de políticos que o cercam, a culpa não é só desse país de devoradores picaretas. A culpa deve ser também dele. Que diria um livro de auto-ajuda para FHC? Aqui vão os conselhos ao presidente:
Vossa excelência, como muitos intelectuais, tem o perverso prazer de ser uma espécie de "herói traído", um "mártir da razão", saboreando a incompreensão dos que o cercam, o que mostraria sua solidão superior e gloriosa. Saia da posição de "mártir iluminista", presidente. Vossa excelência é respeitado lá fora e desrespeitado aqui dentro. Oxford compara-o a Julio Cesar vencedor e aqui o senhor vive como um Julio Cesar traído. Vossa excelência quer cruzar o Rubicão ou morrer apunhalado?
O povo tem por vossa excelência uma simpatia real, mas imprecisa. Expressou-a nas urnas, pelo fim da inflação etc., e também por intuir uma decência diferente neste governo. Mas, ele não sabe bem por quê. Faça um esforço e aproxime-se da opinião pública, presidente, explique-lhe que reformas são essas, que ajuste é esse, que crise mundial é essa que nos atinge. Seu maior erro até agora foi esse horror a um "populismo decente", enquanto seus adversários caem de boca na demagogia mais deslavada.
Explique à população que se esse projeto político-econômico parar no meio a explosão das galáxias vai ser terrível.
Aliás, presidente, demita sua equipe de comunicação social, a pior da história.
Seu gesto mais original, presidente, foi justamente cair de cabeça no Brasil real, feito de alianças perigosas e até espúrias. Vossa excelência botou a mão na... massa. Tudo bem. Mas 2002 já raiou no horizonte e a temporada das traições já começou. O senhor não tem apoio da esquerda para medidas "contra os ricos": taxar grandes fortunas etc. E não tem apoio da direita na hora azeda de ter de ser "impopular". O PFL, PMDB e o PPB vão posar de amantes do povo, às custas de vossa excelência.
Sua tática irresistível sempre foi a do "camaleão simpático": concordar com todo mundo e ir fazendo o que puder. Só que vossa excelência foi virando um Zelig, aquele personagem de Woody Allen que ia ficando igual aos interlocutores.
Está acontecendo isto: em vez de eles se transformarem no senhor, o senhor corre o risco de se transformar neles. Diante de sua nebulosidade ambígua, presidente, seus inimigos se tornam nítidos. Todos ficam claros, menos o senhor... O senhor tem de ser mais legível para a população. Maluf é nítido. E vossa excelência é quem?
No departamento de economia, um pouco mais de Keynes e menos Adam Smith. O sonho da "mão invisível do mercado" deu na mão dando banana para os "emergentes". Tente recompor seu projeto original: usar a economia de mercado para dar um "twist" na inércia política endêmica e para dissolver velhas estruturas ibéricas.
Mas não confie demais num "espontaneísmo" econômico que saneie estruturas fixas. Apesar de seu moderno amor à "complexidade", não pense que o departamento de vendas da Microsoft ou da Exxon-Mobil acredita em "indeterminismo de lucros".
O elogio da complexidade pode levá-lo à aceitação da indiferença ou da impotência. Não dá para ser muito complexo num país de simplistas. Sua vocação para conciliar contrários -desde sua tese de doutorado sobre capitalismo e escravidão, depois a teoria de dependência- está fazendo o senhor virar uma ponte solta no ar.
Diante de sua tolerância sorridente, todos se acham no direito de reclamar e de sabotá- lo, porque depois serão "perdoados". Pau nos inimigos e traidores.
Sua tentação de ser um "déspota esclarecido" o está levando a ser um "déspota solitário". Um déspota sem poder, preso dentro de dois anéis concêntricos: o jugo da economia global, externamente e a coleira das alianças PMDB, PFL et caterva, internamente.
Um influenciando o outro, num círculo vicioso de profecias auto-realizáveis. Duas leis de Murphy "girando em oito". Maluf mexendo na Bolsa de Nova York; PFL irritando o FMI. É a globalização da escrotidão brasileira. Quem diria?
Democracia é vivida no Brasil como "zona". Serve para condenar homens de bem sem provas e para inocentar ladrões com provas. Vosso ilustrado amor à democracia trai um disfarçado desejo de fracassar em nome dela, para um dia dizer, gloriosamente deprimido: "Tentei tudo dentro da democracia... Mas não deixaram!".
Vossa excelência já mostrou que a paciência é uma virtude revolucionária. Com todo o respeito, já sabemos que o saco de vossa excelência é de ouro e diamantes. Mas agora o senhor está sendo encurralado por seus próprios aliados, como um garoto de colégio que é "pele" da turma. Só há uma saída: reagir.
Reaja, presidente, não adianta sensatez apenas. Exemplo: no episódio das fitas e grampos, vossa excelência podia ter ido à TV denunciar o crime, não aceitar passivamente a demissão de alguns dos seus melhores quadros. Está na hora de perder a cabeça, presidente. Seu mais hábil ato político foi o risco de, antes das eleições, declarar ao povo a seriedade da situação. O povo leu bem sua sinceridade. O analfabeto sabe ler.
O Congresso está exercitando os músculos no doce esporte de traí-lo. Se perderem o medo, o senhor está perdido. O senhor diz que vai punir os infiéis, cortando-lhes as "colheres de chá", os pequenos favores, o "pork barrel", como dizem os sábios ingleses.
Mas eis o dilema: como construir outra base de apoio, negando o "porco" aos deputados e senadores? Não faça ameaças, cumpra-as primeiro.
Está chegando a hora do medo, presidente. Do Collor, eles tinham medo até de levar porrada. O Itamar nos ameaçava com sua ranhetice: "Se me provocarem, faço uma bobagem!...". Está na hora de o senhor provocar medo. Falando em termos sociológicos, um pouco mais de Hobbes e menos Locke.
Depois da morte de Serjão, o ACM é seu único homem mau. O senhor conta muito com o ACM para defendê-lo, como o menino que depende do irmão mais velho nas brigas de rua. Está na hora de partir para a porrada sozinho. Inclusive, porque um dia o ACM vai ter de largá-lo para cuidar de 2002. Seja menos pós-moderno. Seja mais modernista, mais visionário. Vossa excelência precisa de uma ideologia para poder viver.



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