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CONTARDO CALLIGARIS
Made in Brazil
O economista Alfredo
Behrens, de São Paulo, planeja uma interessante pesquisa
sobre "a competitividade das exportações de tecnologia e o medo
de concorrer". Ele constata que
várias empresas brasileiras concebem softwares valiosos, mas, na
hora de exportar, encontram resistências que não são só de ordem econômica ou administrativa.
Existem, no Brasil, muitas razões que dificultam a exportação.
Na segunda metade do século 20,
o protecionismo comercial foi
acompanhado pelo fim da imigração. Prevaleceu o modelo patrimonialista da riqueza. Ou seja,
ganhou a idéia do bolo que seria
melhor dividir entre poucos, e foi
derrotada a idéia de que a riqueza é o fruto do trabalho de cérebros e braços (idéia que orientou
a política de imigração aberta do
Canadá, dos EUA e da Austrália).
Consequência: em média, explica
Behrens, no Brasil dos anos 40,
era preciso conhecer apenas 30
pessoas para que uma fosse um
estrangeiro; "já na última década
do milênio, era necessário conhecer 200 pessoas antes de esbarrar
em um estrangeiro residente no
Brasil". Também, coletivamente,
os brasileiros telefonam para o
exterior menos que outros povos
cujo Produto Interno Bruto é
igual ou inferior ao do Brasil. Lidar com o estrangeiro é, no Brasil,
uma prática pouco familiar.
No caso da alta tecnologia, parece haver mais um problema:
quase "uma sensação de inferioridade quanto ao trabalho intelectual". Às vezes, os brasileiros
desistiriam ou fracassariam, apesar da qualidade de sua produção, por serem atrapalhados pela
sensação de que os produtos da
inteligência não são coisa de brasileiro.
Questão de baixa auto-estima,
dirão alguns, culpando-se. Questão de imagem, dirão outros, responsabilizando a caricatura exótica do Brasil, na qual o país é ótimo para matérias-primas, biquínis e parangolés, mas certamente
não para tecnologia.
Na verdade, não há diferença
entre a auto-estima e a imagem
que os outros têm de nós. O que
encontramos no espelho é o que
os outros apreciam ou desprezam
em nós. Isso vale para cada sujeito, assim como para as identidades coletivas.
Portanto, para melhorar a pretensa auto-estima, não adianta
sobrepor ao espelho um retrato
mais avantajado. Podemos, a
longo prazo, tentar modificar
nossas relações com os outros e
influenciar assim seus olhares.
Mas, antes disso, é urgente aceitar
a imagem que é a nossa e descobrir ou desenvolver seus charmes
possíveis.
A missão da Apex (Agência de
Promoção de Exportações) é promover as exportações e a imagem
do Brasil. A equipe da Apex acaba de publicar um pequeno livro
("A Primeira Exportação a Gente
Nunca Esquece", ed. Qualitymark) em que um capítulo é dedicado à necessidade de propor
uma imagem do país que motive
os compradores de produtos brasileiros e que não iniba os brasileiros vendedores. Aprende-se
que, no ano passado, a pedido do
Ministério do Desenvolvimento, a
agência McCann Erickson fez um
"levantamento de como as pessoas, especialmente os importadores e empresários (estrangeiros), "percebem" o Brasil". Foi efetuada uma pesquisa nos dez países prioritários para as exportações brasileiras. As respostas foram cinco "S": soccer (futebol),
sound (música), sand (praia), sexiness (sensualidade) e sun (sol,
trópicos).
Muitos devem achar esse resultado previsível e desanimador.
Prefeririam que o Brasil fosse conhecido pela precisão alemã (a
Engesa seria a BMW do futuro)
ou pelo requinte culinário francês
(nas delicatessens do mundo, o
feijão tropeiro enlatado seria
substituído pelo "foie gras" mineiro).
Entendo, mas discordo. Já disse
que a arte de melhorar a auto-estima, ou seja, de modificar a opinião que os outros têm da gente
não passa por uma mudança radical e veleidosa. Como se verifica
em qualquer psicoterapia, não
adianta recusar nossas caretas.
Mesmo que elas nos pareçam grotescas, é melhor aceitá-las, assumi-las, examiná-las com carinho
e enxergar nelas as razões possíveis de um apreço. Ou seja, em vez
de querer ser outro, é mais interessante inventar o que podemos
fazer com o que somos.
Nos anos 80, viajei à Itália para
apresentar minha mulher, brasileira, à minha família. Ao conhecê-la, meu irmão, que não sabia
nada do Brasil e procurava algo
cativante para dizer, comentou:
"Ah, o Brasil! Aqui em Milão está
cheio de travestis brasileiros competindo com as prostitutas". Minha mulher, gaúcha e afiada, não
deixou por menos e respondeu:
"Se vêm aqui, é que há freguesia;
os milaneses devem gostar". Ou
seja, os travestis eram, para meu
irmão, a imagem do Brasil; então,
que sua complexa sensualidade e
suas vidas corajosas valessem não
como fonte de vergonha, mas pelo
desejo suscitado (que sempre se
esconde atrás do escárnio).
Na semana passada, o ministro
do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, propôs que os brasileiros reconhecidos internacionalmente, por exemplo os jogadores de futebol e as modelos, promovessem o país e seus produtos.
Alguns podem torcer o nariz,
mas, sem ironia, o ministro está
certo.
ccalligari@uol.com.br
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