|
Texto Anterior | Índice
Com as inovações do estúdio Pixar e do iPod, Steve Jobs personifica o magnata da era digital
O homem que esnobou a Disney
JOHN MARKOFF
DO ""NEW YORK TIMES", EM SAN FRANCISCO
A decisão de Steven P. Jobs, presidente da Pixar Animation Studios, de desmanchar sua parceria
com Michael D. Eisner e a Walt
Disney Company é o indicativo
mais claro de que Jobs está se tornando a personificação do magnata da mídia digital.
O fracasso, na quinta-feira passada, das negociações entre a Disney e a Pixar para um novo acordo de distribuição parece ter sido
fruto de um choque de egos e de
interesses das duas empresas.
Mas foi também sinal da mudança no equilíbrio de poder entre as
gigantes da mídia convencional e
os empreendedores que dominam tecnologias digitais que estão
transformando rapidamente a
maneira como o conteúdo da mídia é feito e distribuído.
Comparado com as visões de
longo alcance, mas freqüentemente pouco claras dos executivos do boom das ponto.coms, como a estratégia, em grande medida falha, responsável pela fusão
da AOL e da Time Warner, Jobs é
suficientemente versado em tecnologia digital para poder enxergar não apenas as capacidades dela, mas também suas limitações.
Assim, no caso do aparelho de
som portátil iPod e da loja de música online iTunes da Apple Computer, de Jobs, um computador
de mão, de uso fácil, e um banco
de dados de rede acessível estão
transformando não apenas a própria música, mas a maneira como
ela é distribuída.
Apesar de vir falando em revolução há anos, Jobs abordou a mídia de uma maneira evolutiva e
disciplinada que vem tendo sucesso notável: a Apple é a líder no
mercado de downloads musicais
e ""Procurando Nemo", da Pixar, é
uma das animações de maior sucesso financeiro da história.
""Na medida em que mexe com
música, cinema e computadores,
está claro que Jobs já pode considerar-se em pé de igualdade com
outros magnatas", disse Danny
Hillis, ex-cientista da computação
na divisão de Imagem da Disney e
atual executivo tecnológico chefe
da Applied Minds, uma empresa
californiana de tecnologia.
Steve Jobs recusou-se a ser entrevistado para este artigo.
É claro que a Disney e a Pixar
podem retomar suas negociações
contratuais. E, mesmo que Jobs
de fato feche um acordo de distribuição com algum outro grande
estúdio, a Pixar pode ter dificuldade em conseguir termos melhores do que os que tinha com a
Disney, que fica com 12,5% da bilheteria e 50% dos lucros dos filmes da Pixar. Mas o fato de Jobs
estar disposto a abrir mão da poderosa máquina de marketing da
Disney indica que ele acha que a
Pixar já se tornou uma potência
de mídia, ela própria.
A carreira de Steve Jobs foi
construída sobre sua capacidade
de prever inovações técnicas que
o público vai desejar. Foi o que
aconteceu em 1976, quando tinha
19 anos e percebeu que um computador pessoal podia ser mais do
que um hobby para seus usuários.
Apesar disso, ele já sofreu revezes importantes, como sua saída
da Apple, em 1985, após uma disputa de poder, e a falência da empresa de computadores que abriu
em seguida, a Next. Jobs acabou
retornando à Apple em 1997. No
caso da Pixar, porém, Jobs tem
demonstrado muita perspicácia e
visão de futuro, aliados a sorte pura e simples. Quando ele comprou
a Pixar, em 1986, por US$ 10 milhões, ela era a divisão de imagens
computadorizadas da Lucasfilms.
Em 1989, com a companhia perdendo dinheiro, um grupo de tecnólogos da Pixar reuniu-se com
executivos da Apple que tentavam convencer a empresa a comprar a Pixar de Steve Jobs por US$
20 milhões. Steve Perlman, o co-fundador da WebTV, que na época era engenheiro da Apple, lembra que esta optou por não comprar a Pixar, em parte porque não
estava interessada em ajudar Jobs.
Seria preciso esperar seis anos para que o primeiro longa-metragem animado da Pixar, ""Toy
Story", criasse condições para a
Pixar abrir seu capital, transformando Jobs em bilionário.
Para Perlman, o mais notável no
sucesso da Pixar talvez seja que,
apesar da origem da empresa na
produção de ferramentas especializadas de animação e hardware
personalizado, seu sucesso se deve em boa parte à qualidade das
histórias que conta, mais do que a
qualquer dianteira tecnológica.
"A Pixar foi se tornando cada
vez menos uma companhia tecnológica", disse Perlman, observando que hoje em dia a empresa
freqüentemente faz seus filmes
com hardwares já prontos e ferramentas de software padronizadas. Na verdade, um dos pontos
estratégicos fortes de Jobs pode
ser justamente o fato de ele compreender os limites da tecnologia.
Na Feira de Eletrônica ao Consumidor deste ano, Bill Gates, o rival de longa data de Jobs, expôs
um tocador de mídia portátil que
ele prevê que vá superar o iPod da
Apple, na medida em que o aparelho da Microsoft toca não apenas música, mas também vídeos.
Alguns dias antes da feira, entretanto, numa entrevista concedida após ter apresentado uma
versão ainda menor do iPod, Jobs
disse que duvida que exista um
mercado de massa para um tocador de vídeo portátil pequeno.
""Com um par de fones de ouvidos de baixo preço, você tem algo
que se aproxima de um sistema de
caixas de som de US$ 10 mil", disse ele. ""Mas não existe alternativa
de vídeo portátil à tela de HDTV
de plasma de 50 polegadas."
Jobs reconheceu que a Apple já
faz experiências com vídeos portáteis, mas observou que já existem dois produtos portáteis ótimos para assistir a filmes: DVD
players portáteis e notebooks dotados de drives para DVDs.
Jobs observa que Hollywood
vem agindo com mais sofisticação do que o setor das gravadoras
quando se trata de ampliar sua estratégia de distribuição. Já é possível, por exemplo, assistir a filmes
de uma série de maneiras diferentes, entre elas a locação de vídeos e
o "pay-per-view".
Alguns executivos se perguntam se o fato de Jobs ter posto fim
às negociações com a Disney foi
em parte o prelúdio de um esforço para chegar ao cargo principal
em uma empresa de Hollywood
-talvez até mesmo para abocanhar o cargo de Eisner.
Outros, porém, observam que
Steve Jobs sempre se deu melhor
quando trabalhou com tecnologia. E prevêem que esse magnata
da nova mídia não terá necessidade alguma de ir a Hollywood.
Tradução de Clara Allain
Texto Anterior: Nelson Ascher: "My Way" Índice
|