São Paulo, segunda-feira, 09 de fevereiro de 2004

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Com as inovações do estúdio Pixar e do iPod, Steve Jobs personifica o magnata da era digital

O homem que esnobou a Disney

JOHN MARKOFF
DO ""NEW YORK TIMES", EM SAN FRANCISCO

A decisão de Steven P. Jobs, presidente da Pixar Animation Studios, de desmanchar sua parceria com Michael D. Eisner e a Walt Disney Company é o indicativo mais claro de que Jobs está se tornando a personificação do magnata da mídia digital.
O fracasso, na quinta-feira passada, das negociações entre a Disney e a Pixar para um novo acordo de distribuição parece ter sido fruto de um choque de egos e de interesses das duas empresas. Mas foi também sinal da mudança no equilíbrio de poder entre as gigantes da mídia convencional e os empreendedores que dominam tecnologias digitais que estão transformando rapidamente a maneira como o conteúdo da mídia é feito e distribuído.
Comparado com as visões de longo alcance, mas freqüentemente pouco claras dos executivos do boom das ponto.coms, como a estratégia, em grande medida falha, responsável pela fusão da AOL e da Time Warner, Jobs é suficientemente versado em tecnologia digital para poder enxergar não apenas as capacidades dela, mas também suas limitações.
Assim, no caso do aparelho de som portátil iPod e da loja de música online iTunes da Apple Computer, de Jobs, um computador de mão, de uso fácil, e um banco de dados de rede acessível estão transformando não apenas a própria música, mas a maneira como ela é distribuída.
Apesar de vir falando em revolução há anos, Jobs abordou a mídia de uma maneira evolutiva e disciplinada que vem tendo sucesso notável: a Apple é a líder no mercado de downloads musicais e ""Procurando Nemo", da Pixar, é uma das animações de maior sucesso financeiro da história.
""Na medida em que mexe com música, cinema e computadores, está claro que Jobs já pode considerar-se em pé de igualdade com outros magnatas", disse Danny Hillis, ex-cientista da computação na divisão de Imagem da Disney e atual executivo tecnológico chefe da Applied Minds, uma empresa californiana de tecnologia.
Steve Jobs recusou-se a ser entrevistado para este artigo.
É claro que a Disney e a Pixar podem retomar suas negociações contratuais. E, mesmo que Jobs de fato feche um acordo de distribuição com algum outro grande estúdio, a Pixar pode ter dificuldade em conseguir termos melhores do que os que tinha com a Disney, que fica com 12,5% da bilheteria e 50% dos lucros dos filmes da Pixar. Mas o fato de Jobs estar disposto a abrir mão da poderosa máquina de marketing da Disney indica que ele acha que a Pixar já se tornou uma potência de mídia, ela própria.
A carreira de Steve Jobs foi construída sobre sua capacidade de prever inovações técnicas que o público vai desejar. Foi o que aconteceu em 1976, quando tinha 19 anos e percebeu que um computador pessoal podia ser mais do que um hobby para seus usuários.
Apesar disso, ele já sofreu revezes importantes, como sua saída da Apple, em 1985, após uma disputa de poder, e a falência da empresa de computadores que abriu em seguida, a Next. Jobs acabou retornando à Apple em 1997. No caso da Pixar, porém, Jobs tem demonstrado muita perspicácia e visão de futuro, aliados a sorte pura e simples. Quando ele comprou a Pixar, em 1986, por US$ 10 milhões, ela era a divisão de imagens computadorizadas da Lucasfilms.
Em 1989, com a companhia perdendo dinheiro, um grupo de tecnólogos da Pixar reuniu-se com executivos da Apple que tentavam convencer a empresa a comprar a Pixar de Steve Jobs por US$ 20 milhões. Steve Perlman, o co-fundador da WebTV, que na época era engenheiro da Apple, lembra que esta optou por não comprar a Pixar, em parte porque não estava interessada em ajudar Jobs. Seria preciso esperar seis anos para que o primeiro longa-metragem animado da Pixar, ""Toy Story", criasse condições para a Pixar abrir seu capital, transformando Jobs em bilionário.
Para Perlman, o mais notável no sucesso da Pixar talvez seja que, apesar da origem da empresa na produção de ferramentas especializadas de animação e hardware personalizado, seu sucesso se deve em boa parte à qualidade das histórias que conta, mais do que a qualquer dianteira tecnológica.
"A Pixar foi se tornando cada vez menos uma companhia tecnológica", disse Perlman, observando que hoje em dia a empresa freqüentemente faz seus filmes com hardwares já prontos e ferramentas de software padronizadas. Na verdade, um dos pontos estratégicos fortes de Jobs pode ser justamente o fato de ele compreender os limites da tecnologia.
Na Feira de Eletrônica ao Consumidor deste ano, Bill Gates, o rival de longa data de Jobs, expôs um tocador de mídia portátil que ele prevê que vá superar o iPod da Apple, na medida em que o aparelho da Microsoft toca não apenas música, mas também vídeos.
Alguns dias antes da feira, entretanto, numa entrevista concedida após ter apresentado uma versão ainda menor do iPod, Jobs disse que duvida que exista um mercado de massa para um tocador de vídeo portátil pequeno.
""Com um par de fones de ouvidos de baixo preço, você tem algo que se aproxima de um sistema de caixas de som de US$ 10 mil", disse ele. ""Mas não existe alternativa de vídeo portátil à tela de HDTV de plasma de 50 polegadas."
Jobs reconheceu que a Apple já faz experiências com vídeos portáteis, mas observou que já existem dois produtos portáteis ótimos para assistir a filmes: DVD players portáteis e notebooks dotados de drives para DVDs.
Jobs observa que Hollywood vem agindo com mais sofisticação do que o setor das gravadoras quando se trata de ampliar sua estratégia de distribuição. Já é possível, por exemplo, assistir a filmes de uma série de maneiras diferentes, entre elas a locação de vídeos e o "pay-per-view".
Alguns executivos se perguntam se o fato de Jobs ter posto fim às negociações com a Disney foi em parte o prelúdio de um esforço para chegar ao cargo principal em uma empresa de Hollywood -talvez até mesmo para abocanhar o cargo de Eisner.
Outros, porém, observam que Steve Jobs sempre se deu melhor quando trabalhou com tecnologia. E prevêem que esse magnata da nova mídia não terá necessidade alguma de ir a Hollywood.


Tradução de Clara Allain



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