São Paulo, sexta-feira, 09 de fevereiro de 2007

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Cinema/estréia - Crítica

"Antônia" acerta como filme popular

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Existe um clichê segundo o qual no cinema brasileiro só se vê sertão, favela e gente pobre. Por isso nossos filmes não atrairiam o público predominante das salas, em sua maioria constituído por uma classe média que se imagina projetada nas ficções de matriz hollywoodiana.
Favela e gente pobre integram, sim, o universo de "Antônia", terceiro longa de Tata Amaral, mas tudo o que se vê na tela desmonta os simplismos do pré-julgamento.
Em primeiro lugar, nota-se a ambição bem-sucedida de fazer um filme popular que almeja um público além do freqüentador de salas de shopping, a partir da escolha de um tema pop: quatro garotas da periferia de São Paulo, integrantes do grupo feminino de hip hop Antônia, sonham com o sucesso enquanto a realidade cumpre o papel de demolir seus ideais.
Essa vocação foi o que permitiu ao filme ter seu núcleo dramático testado num veículo popular por excelência, a TV, no formato microsérie, antes de ser lançado no cinema.
A idéia é a mesma de dois outros títulos de apelo: "Dois Filhos de Francisco" e "Dreamgirls - Em Busca de um Sonho".
O que diferencia o filme de Tata Amaral é o sinal invertido que dá a seu relato. Enquanto aqueles mostram como o sonho supera os obstáculos, este valoriza o limite do idealismo frente à realidade. De um lado, estão filmes fundados na fantasia, de outro, a ficção alça vôo a partir da crença no poder do realismo.
Em segundo lugar, é essa opção estética de Tata Amaral, já definida desde seus longas anteriores ("Um Céu de Estrelas" e "Através da Janela"), que garante a "Antônia" uma veracidade responsável pela singularidade do resultado final.
O fator mais evidente dessa escolha encontra-se na adoção de atores não-profissionais, cujo desempenho em cena dá a impressão de não estarem representando. Mais que verismo, alcança-se um frescor na representação de tipos, falas e situações que afastam do filme os riscos de cair no estereótipo.
Além desse elemento, com um trabalho de câmera e de luz avesso aos cânones da beleza oficial, "Antônia" ficcionaliza o espaço social sem maquiá-lo.
Tampouco lança sobre a pobreza um olhar paternalista, do tipo "veja como sofrem". Nem ambiciona demonstrar uma tese, e, assim, pode se dar o luxo de construir um relato provisório, distante de uma amarração que visa a um efeito conclusivo.
Por isso, também, "Antônia" é menos um filme bonito no conjunto e mais um filme com momentos de beleza, como em duas cenas de arrepiar: uma na qual as personagens se deparam com um ato de violência e outra quando a câmera acompanha o esforço físico delas para levar nas costas, escadaria acima, um rapaz agredido.
Enquanto a população da periferia se queixa, com razão, do modo como o audiovisual a representa, mostrando dela só a violência e os efeitos da miséria social, "Antônia" vai até esse universo para apreendê-lo com uma atenção inédita que só intensifica seu efeito de verdade. Se isso não é uma aposta de cinema popular (e não populista) o que, afinal, será?


ANTÔNIA     
Direção: Tata Amaral
Produção: Brasil, 2006
Com: Negra Li, Leila Moreno, Quelynah, Cindy e Thaíde
Quando: a partir de hoje nos cines Eldorado, HSBC Belas Artes e circuito


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