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Cinema/estréia - Crítica
"Antônia" acerta como filme popular
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Existe um clichê segundo
o qual no cinema brasileiro só se vê sertão, favela e gente pobre. Por isso nossos filmes não atrairiam o público predominante das salas,
em sua maioria constituído por
uma classe média que se imagina projetada nas ficções de matriz hollywoodiana.
Favela e gente pobre integram, sim, o universo de "Antônia", terceiro longa de Tata
Amaral, mas tudo o que se vê na
tela desmonta os simplismos
do pré-julgamento.
Em primeiro lugar, nota-se a
ambição bem-sucedida de fazer
um filme popular que almeja
um público além do freqüentador de salas de shopping, a partir da escolha de um tema pop:
quatro garotas da periferia de
São Paulo, integrantes do grupo feminino de hip hop Antônia, sonham com o sucesso enquanto a realidade cumpre o
papel de demolir seus ideais.
Essa vocação foi o que permitiu ao filme ter seu núcleo dramático testado num veículo popular por excelência, a TV, no
formato microsérie, antes de
ser lançado no cinema.
A idéia é a mesma de dois outros títulos de apelo: "Dois Filhos de Francisco" e "Dreamgirls - Em Busca de um Sonho".
O que diferencia o filme de Tata
Amaral é o sinal invertido que
dá a seu relato. Enquanto aqueles mostram como o sonho supera os obstáculos, este valoriza o limite do idealismo frente à
realidade. De um lado, estão filmes fundados na fantasia, de
outro, a ficção alça vôo a partir
da crença no poder do realismo.
Em segundo lugar, é essa opção estética de Tata Amaral, já
definida desde seus longas anteriores ("Um Céu de Estrelas"
e "Através da Janela"), que garante a "Antônia" uma veracidade responsável pela singularidade do resultado final.
O fator mais evidente dessa
escolha encontra-se na adoção
de atores não-profissionais, cujo desempenho em cena dá a
impressão de não estarem representando. Mais que verismo, alcança-se um frescor na
representação de tipos, falas e
situações que afastam do filme
os riscos de cair no estereótipo.
Além desse elemento, com
um trabalho de câmera e de luz
avesso aos cânones da beleza
oficial, "Antônia" ficcionaliza o
espaço social sem maquiá-lo.
Tampouco lança sobre a pobreza um olhar paternalista, do tipo "veja como sofrem". Nem
ambiciona demonstrar uma tese, e, assim, pode se dar o luxo
de construir um relato provisório, distante de uma amarração
que visa a um efeito conclusivo.
Por isso, também, "Antônia"
é menos um filme bonito no
conjunto e mais um filme com
momentos de beleza, como em
duas cenas de arrepiar: uma na
qual as personagens se deparam com um ato de violência e
outra quando a câmera acompanha o esforço físico delas para levar nas costas, escadaria
acima, um rapaz agredido.
Enquanto a população da periferia se queixa, com razão, do
modo como o audiovisual a representa, mostrando dela só a
violência e os efeitos da miséria
social, "Antônia" vai até esse
universo para apreendê-lo com
uma atenção inédita que só intensifica seu efeito de verdade.
Se isso não é uma aposta de cinema popular (e não populista)
o que, afinal, será?
ANTÔNIA
Direção: Tata Amaral
Produção: Brasil, 2006
Com: Negra Li, Leila Moreno, Quelynah, Cindy e Thaíde
Quando: a partir de hoje nos cines Eldorado, HSBC Belas Artes e circuito
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