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"Esperando Beckett" e "Dia das Mães" apontam as diferentes visões dos dois artistas
Autran e Thomas abrem a nova temporada de teatro
Lenise Pinheiro/Folha Imagem
![](../images/i0903012001.jpg) |
O ator e diretor Paulo Autran, 78, e o encenador Gerald Thomas, 46, durante encontro anteontem no teatro Faap; seus espetáculos marcam a abertura da temporada em São Paulo |
O ator e o encenador, que nunca trabalharam juntos, estréiam hoje na cidade e cogitam montar "Édipo Rei"
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
A temporada teatral de 2001 começa para valer em São Paulo esta
semana, com cinco grandes estréias. Hoje é a vez de "Dia das
Mães", de Jeff Baron, autor norte-americano que Paulo Autran retoma depois de "Visitando o Sr.
Green" (2000), agora como diretor, e de "Esperando Beckett",
criação de Gerald Thomas.
Autran, 78, e Thomas, 46, nunca
trabalharam juntos. Têm em comum montagens com as atrizes
Tonia Carrero e Bete Coelho -e a
ligação com Beckett: o ator foi dos
primeiros a interpretar no país o
dramaturgo irlandês, que ancora
a trajetória do diretor. Reunidos
pela Folha, os dois chegaram a esboçar a possibilidade de uma primeira parceria.
"Não há peça de suspense mais
extraordinária do que o "Édipo
Rei", de Sófocles", diz Autran, sobre a tragédia grega que interpretou em 67. "Então é essa que a
gente vai fazer", entusiasma-se
Thomas. Mas o ator dissimula.
"Estou muito velho."
Em comum, os novos espetáculos de ambos trazem personalidades da televisão. Marília Gabriela
está à frente do elenco da Cia. de
Ópera Seca em "Esperando Beckett", enquanto Adriane Galisteu
divide a cena com Karin Rodrigues, Ilana Kaplan e Patrícia Gaspar em "Dia das Mães". Thomas
justifica: "Eu estou brincando
com a Gabi, faço isso de uma maneira crítica". Ele também pretende dirigir Reynaldo Gianecchini
numa versão de "Hamlet", de
Shakespeare. "Ele será um príncipe da Dinamarca despreparado.
Preciso de um ator despreparado
para demonstrar uma pessoa despreparada no mundo de hoje."
Folha - Vocês pertencem a gerações distintas do teatro brasileiro.
Como se situam em relação ao trabalho um do outro?
Gerald Thomas - Não tenho nenhuma diferença ideológica com
o Paulo Autran. Acho que somos
absolutamente a mesma coisa.
Melhor, tenho que me colocar
modestamente, espero chegar um
dia ao ponto eclético a que ele
chegou. Ou seja, poder fazer Noel
Coward, "My Fair Lady" (musical
de Frederick Loewe e Alan Jay
Lerner, 62), dirigir Bete Coelho
("Pai", 99), trabalhar com Ulysses
Cruz ("Rei Lear", 96), enfim, poder fazer absolutamente o que
quiser.
Paulo Autran - Eu o admiro muito como diretor, sua capacidade
de criar o clima certo para determinada cena. Lembro, por exemplo, da entrada da Fernandinha
(Torres) em "The Flash and Crash
Days", uma cena em que acontecia um drama de violência incrível e, de repente, aquilo se transformava numa coisa leve, divertida. Quem vê suas peças tem a impressão de que está vendo teatro
em países desenvolvidos. A iluminação, o cenário, som, enfim, tudo tem muito rigor técnico.
Thomas - O Paulo é talvez o único ator com quem eu quisesse ter
trabalhado e não o fiz porque as
circunstâncias não o permitiram.
Ano após ano, falávamos sobre isso, desde "Quartett", com a Tonia
(Carrero, em 86). Quando assisti
"Tartufo", nunca vi um olhar brilhar tanto, um carisma ser transportado com tanta facilidade entre um corpo e uma platéia. Essa,
para mim, é uma coisa do Paulo
de que nem sei se ele tem consciência, mas nasceu com ele.
Folha - Você acha que seria diferente se você tivesse seguido a carreira de ator, antes de partir para a
encenação?
Thomas - Eu sou péssimo ator.
Autran - Você tem certeza?
Thomas - Sou péssimo ator. Eu
sou um absoluto bufo (ator ou
personagem encarregado de fazer
rir o público com mímicas, esgares etc.), na "commedia dell'arte"
eu poderia fazer o peido. (risos)
Eu admiro as pessoas que fazem
o que o Paulo faz. Não se espera
de Paulo Autran a quebra de
grandes conceitos teatrais, mas a
gente sabe que, intrinsecamente,
a coisa é estimulante, muito bem
dirigida, porque, como diretor,
ele sabe chegar no cérebro do
ator. Entende o drama pessoal do
ator melhor do que eu.
Autran - Eu me considero muito
mais ator do que diretor. Dirijo de
vez em quando -e só peças que
não precisam de grandes encenações. Uma peça que eu leia e veja
que, se os atores interpretam
bem, funciona. Não ousaria dirigir um texto totalmente moderno,
em que fosse necessária uma criação de um certo tipo de cena. Mas,
se o trabalho é criar um personagem, vê-lo aflorar dentro do ator,
é o tipo de trabalho que gosto de
fazer. É pegar o ator, indicar aqui,
exigir ali, para que o personagem
vá surgindo dentro dele. A minha
alegria é quando percebo que o
ator está começando a entender e
a fazer o personagem.
Folha - Tonia Carrero e Bete Coelho servem como pontos de intersecção entre seus trabalhos.
Autran - A Tonia é fã do Gerald.
"Quartett", com ela e o Sérgio
Britto, era esplêndida. Foi uma
peça que, quando li, jamais entendi. Achei muito difícil, muito hermética. Vendo o espetáculo, entendi toda a peça, o que o autor tinha dito e o porquê do título.
Folha - Nas suas novas peças, há
presenças marcadas pela televisão,
recém-chegadas ao palco. Quando
dois nomes do primeiro time do
teatro as colocam em cena, não
ocorre aí um choque?
Thomas - Comigo, faço há muito
tempo uma coisa que fica no meio
do caminho entre a verdade e a
ficção total. Eu não me canso de
dizer isso. Quanto eu botei o Julian Beck (ator norte-americano)
no palco ("Beckett Trilogy", 85),
na única vez em que ele atuou fora
do Living Theatre, morrendo de
câncer, fazendo o papel de um
ator que morria de câncer, eu estava "incestuando" a verdade
com a mentira.
Depois eu botei Fernanda Montenegro e Fernanda Torres ("The
Flash and Crash Days", 91), mãe e
filha na vida real, e isso me interessava, pegar figuras da vida real
e colocá-las no palco. A Gabi que
está na sua televisão, em casa, é a
mesma que está em cena. Não me
interessa transformá-la numa outra pessoa. De certa maneira, reproduzo um ambiente de televisão. A Marília Gabriela entrevistadora espera Beckett no estúdio e,
de repente, surta porque ele não
aparece.
Autran - Eu nunca vi Adriane
Galisteu na televisão. O mito da
televisão nunca me interessou. Eu
a vi fazendo um papel em "Deus
lhe Pague", no qual era a melhor
coisa do espetáculo. Em "Dia das
Mães", precisava de uma atriz que
fosse bonita, elegante e boa atriz, e
o primeiro nome que me veio à
cabeça foi o dela. Agora, depois
disso é que vi a celeuma que levantei, e essa celeuma não me interessa em nada.
Folha - Como você trabalhou esse
aspecto? Houve alguma evolução
de "Deus lhe Pague" para "Dia das
Mães"?
Autran - São personagens completamente diferentes, por isso
que ela, sem dúvida nenhuma, é
uma atriz. Se vai querer continuar
a fazer teatro, não sei. Por enquanto, é uma boa atriz.
Thomas - Esses termos são muito
complicados. Tem que ser feita
justiça com uma geração que
atravessou culturalmente tantas
coisas, que é essa do Paulo, da Tonia (Carrero), da Fernanda (Montenegro): ser um grande ator ou
atriz só era possível depois de
muita dedicação, décadas de trabalho, depois de atravessar muitos desertos com único copo d'água. Não se pode decretar um "fenômeno teatral" porque pisou
três vezes no palco. A mídia inventa um mito todo dia.
Folha - Quando você escolhe Marília Gabriela, Gianecchini, você
também não está se apropriando
desse mesma mídia?
Thomas - Eu estou brincando
com a Gabi, faço isso de uma maneira crítica. A Gabi é um ser humano extraordinário, cheio de inteligência, voracidade, ela é cáustica.
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