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CINEMA/ESTRÉIA
...eis a questão
Chega a SP o filme "Hamlet", a mais nova adaptação para o cinema da ultra-adaptada peça de Shakespeare
LÚCIO RIBEIRO
DA REPORTAGEM LOCAL
Não que a principal e quatrocentona tragédia de William Shakespeare necessitasse de mais
uma versão, mas de qualquer modo chega às telas paulistanas
"Hamlet", enésima adaptação do
clássico texto para o cinema, desta
vez dirigida pela cineasta indie
americano Michael Almereyda.
Mais um produto do recente
"boom" shakespeariano de
Hollywood ("Shakespeare Apaixonado", "Romeu Tem Que Morrer", "Hamlet" de Kenneth Branagh, "Romeu e Julieta" com Leonardo DiCaprio...), este "Hamlet"
de Almereyda traz um elenco eficiente para a nova direção dada às
palavras do bardo inglês.
Ethan Hawke encarna o Hamlet, Kyle MacLachlan é o traidor
Claudius, Sam Shepard é o Fantasma, Bill Murray faz Polonius,
Julia Stiles interpreta Ofélia.
A história segue sendo a do jovem Hamlet, que, assombrado
pelo fantasma do pai, tenta provar
que o assassino foi o tio tirano,
que ainda por cima quer casar
com sua mãe.
O texto é o original de Shakespeare, mas Hamlet virou roqueiro, Claudius é um yuppie, e a ação
se dá em uma sombria Nova York
do século 21, este novo.
Shakespeare foi globalizado. A
Dinamarca continua com algo de
podre, mas no caso deste "Hamlet" a Dinamarca vira a "Corporação Dinamarca", uma multinacional da nova economia.
À Folha, por e-mail, Almereyda
conta sobre a questão de filmar ou
não filmar "Hamlet" novamente.
Folha - De onde veio sua motivação em adaptar a tragédia de Shakespeare para os dias modernos?
Michael Almereyda - As peças de
Shakespeare são tão ricas, acessíveis e universais que é até convencional trazê-las à luz de interpretações modernas, em ambientes
modernos. Mas a motivação para
este "Hamlet" se deu depois que
eu li um livro, "Shakespeare, Our
Contemporary", de um intelectual polonês, Jan Kott. Para Kott,
Shakespeare está sempre vivo,
seus textos sempre dizem algo sobre as atualidades. E o filme mostra isso, que Shakespeare tem algo
a dizer sobre nova economia.
Folha - Então foi fácil transformar
o reino da Dinamarca na Corporação Dinamarca, uma multinacional
em um arranha-céu de Nova York?
Almereyda - O grande desafio do
filme foi balancear o respeito pelo
texto original com o respeito pela
realidade contemporânea. Quis
mostrar como eles podem coexistir, dialogar entre si, gerar novas
imagens e significados.
Folha - Uma vez que a ação foi
transposta para a NY moderna, por
que a opção de manter o texto original da peça, em vez de usar um
linguajar contemporâneo?
Almereyda - Porque o legado
fundamental de Shakespeare reside exatamente em seu texto: na
poesia, em seu ritmo, sua musicalidade, palavra por palavra. O texto dele é como uma grande canção em que cada ator ganha sua
oportunidade de cantar. É linguagem erudita, sim, mas minha vivência diz que uma platéia pode
absorver a emoção da fala mesmo
se o vocabulário não é familiar.
Folha - É verdade que você assistiu muito à adaptação de Orson
Welles para "Macbeth" antes de fazer seu "Hamlet"?
Almereyda - Welles mostra, em
todas as suas adaptações shakespearianas, que ninguém precisa
gastar fortunas para transformar
peças em marcantes filmes. Precisa de amor à linguagem e uma
certa medida de ingenuidade com
a câmera. O "Macbeth" de Welles
foi especialmente tosco -ele
mesmo chamou de "uma cópia
tosca engraçada"-, mas até hoje
é acessível, vivo, excitante.
Folha - Críticos reclamaram das
cenas sobre as grandes questões
existenciais de Shakespeare sendo
discutidas em uma locadora da
Blockbuster. O que você diz?
Almereyda - Não vejo problemas. A idéia era dar ao texto de
Shakespeare um clima de intimidade moderna.
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