São Paulo, sexta-feira, 09 de março de 2001

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CINEMA/ESTRÉIA

...eis a questão

Chega a SP o filme "Hamlet", a mais nova adaptação para o cinema da ultra-adaptada peça de Shakespeare

LÚCIO RIBEIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Não que a principal e quatrocentona tragédia de William Shakespeare necessitasse de mais uma versão, mas de qualquer modo chega às telas paulistanas "Hamlet", enésima adaptação do clássico texto para o cinema, desta vez dirigida pela cineasta indie americano Michael Almereyda.
Mais um produto do recente "boom" shakespeariano de Hollywood ("Shakespeare Apaixonado", "Romeu Tem Que Morrer", "Hamlet" de Kenneth Branagh, "Romeu e Julieta" com Leonardo DiCaprio...), este "Hamlet" de Almereyda traz um elenco eficiente para a nova direção dada às palavras do bardo inglês.
Ethan Hawke encarna o Hamlet, Kyle MacLachlan é o traidor Claudius, Sam Shepard é o Fantasma, Bill Murray faz Polonius, Julia Stiles interpreta Ofélia.
A história segue sendo a do jovem Hamlet, que, assombrado pelo fantasma do pai, tenta provar que o assassino foi o tio tirano, que ainda por cima quer casar com sua mãe.
O texto é o original de Shakespeare, mas Hamlet virou roqueiro, Claudius é um yuppie, e a ação se dá em uma sombria Nova York do século 21, este novo.
Shakespeare foi globalizado. A Dinamarca continua com algo de podre, mas no caso deste "Hamlet" a Dinamarca vira a "Corporação Dinamarca", uma multinacional da nova economia.
À Folha, por e-mail, Almereyda conta sobre a questão de filmar ou não filmar "Hamlet" novamente.

Folha - De onde veio sua motivação em adaptar a tragédia de Shakespeare para os dias modernos?
Michael Almereyda -
As peças de Shakespeare são tão ricas, acessíveis e universais que é até convencional trazê-las à luz de interpretações modernas, em ambientes modernos. Mas a motivação para este "Hamlet" se deu depois que eu li um livro, "Shakespeare, Our Contemporary", de um intelectual polonês, Jan Kott. Para Kott, Shakespeare está sempre vivo, seus textos sempre dizem algo sobre as atualidades. E o filme mostra isso, que Shakespeare tem algo a dizer sobre nova economia.

Folha - Então foi fácil transformar o reino da Dinamarca na Corporação Dinamarca, uma multinacional em um arranha-céu de Nova York?
Almereyda -
O grande desafio do filme foi balancear o respeito pelo texto original com o respeito pela realidade contemporânea. Quis mostrar como eles podem coexistir, dialogar entre si, gerar novas imagens e significados.

Folha - Uma vez que a ação foi transposta para a NY moderna, por que a opção de manter o texto original da peça, em vez de usar um linguajar contemporâneo?
Almereyda -
Porque o legado fundamental de Shakespeare reside exatamente em seu texto: na poesia, em seu ritmo, sua musicalidade, palavra por palavra. O texto dele é como uma grande canção em que cada ator ganha sua oportunidade de cantar. É linguagem erudita, sim, mas minha vivência diz que uma platéia pode absorver a emoção da fala mesmo se o vocabulário não é familiar.

Folha - É verdade que você assistiu muito à adaptação de Orson Welles para "Macbeth" antes de fazer seu "Hamlet"?
Almereyda -
Welles mostra, em todas as suas adaptações shakespearianas, que ninguém precisa gastar fortunas para transformar peças em marcantes filmes. Precisa de amor à linguagem e uma certa medida de ingenuidade com a câmera. O "Macbeth" de Welles foi especialmente tosco -ele mesmo chamou de "uma cópia tosca engraçada"-, mas até hoje é acessível, vivo, excitante.

Folha - Críticos reclamaram das cenas sobre as grandes questões existenciais de Shakespeare sendo discutidas em uma locadora da Blockbuster. O que você diz?
Almereyda -
Não vejo problemas. A idéia era dar ao texto de Shakespeare um clima de intimidade moderna.


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